A religião é como uma praga que corrói e consome o que de
mais valioso encontra na vida e na sociedade. Enquanto fica no domínio do
privado, dos fiéis, não vem grande mal ao mundo. O pior, o mais perigoso, é
quando sai desse domínio e se impregna na sociedade e no Estado. O médio-oriente
é o exemplo extremo desta negra realidade, mas os tons cinza estão espalhados
por todo o lado.
Um bom liberal deve respeitar as opções de vida dos outros,
mesmo quando que elas comprometam aquilo que a vida pessoal tem de mais
virtuoso - a alegria, o prazer, a superação, a liberdade. Mas há uma barreira
que um cidadão responsável não deve permitir que seja ultrapassada: a que
separa interesses ilegítimos do bem comum. Quando isso acontece, com o apoio e
cooperação de entidades do Estado (que por cá, por determinação, é laico), o
estilo de vida virtuoso está em risco e corremos o risco de regressar à época
das trevas – do pecado, da penitência e da fé na redenção.
O fenómeno religioso tem algum paralelismo com a praga da corrupção:
quando esta se faz no domínio privado, não vem grande mal ao mundo – facilita,
até, o modus operandi do capitalismo.
O problema é quando ela se faz entre o privado e o público (o Estado), nesse
domínio consome-nos (a todos).
Por cá, vivemos numa terra onde há mais religião que civilização:
onde há criaturas políticas que nos vêm “todos a chorar com a vinda do Papa”,
onde o padre que se gaba publicamente da conversão de uns quantos infiéis, onde
a câmara subsidia ilegitimamente a actividade da igreja violando um elementar princípio
republicano - o laicismo do Estado. A praga está à solta. Se não for atacada,
imporá uma vida social dormente e doente, uma existência malograda. A vida
não é isto, não pode ser isto.
Russel afirmou que “a religião é uma resposta covarde ao
vazio do universo. Se houvesse um Deus, ele deveria ser julgado por crimes
contra a humanidade. Os devotos são culpados por incentivar o mal: ou porque
também são covardes demais para encarar o facto de que Deus é um criminoso ou porque
têm uma noção perversa de moralidade e realmente acreditam na força corretora
do poder”.
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