"E na epiderme de cada facto contemporâneo cravaremos uma farpa: apenas a porção de ferro estritamente indispensável para deixar pendente um sinal."
29 de maio de 2009
Eu, eleitora
Houve um tempo em que eu achei que se não fosse jornalista teria enveredado pela política.Posiciono-me naturalmente à esquerda das decisões e da ideologia, mais por defeito que por excesso, sei-o agora.Nasci e cresci numa casa onde nem tudo são rosas, mas antes punhos fechados na hora de votar. Sem ser militante, o meu pai é mais socialista do que algum dia há-de ser o Sócrates, criatura que uma vez me enganou. A minha mãe sempre lhe seguiu as intenções, mesmo as de voto. Não sei se por causa disso ou por (d)efeito das personalidades, sempre ouvi falar das diferenças entre ricos e pobres (nós chegámos a ser remediados, como a maioria deste país), da igualdade, da ajuda aos outros. De como era preciso ir falar com o vizinho para que ele deixasse que a Junta abrisse o caminho - tão necessário às vezes, ou dos peditórios para os bombeiros, ou ainda dos cortejos de oferendas para o Lar. E depois a associação, a equipa de futebol, os melhoramentos precisos, a colaboração obrigatoriamente voluntária. A minha mãe a refilar que a nós ninguém dava nada. E eu a achar que era preciso, e útil, e até divertido - porque não admiti-lo, que isto de lavar casas-de-banho de um bar público e cozinhar para os jogadores do clube pode ter muita piada quando se tem 15 ou 16 anos. Exibi com orgulho o meu cartão de eleitor quando finalmente me pude recensear. Aconteceu que eram os anos do cavaquismo e o tempo de vagas gordas não chegou lá a casa. E então não fui para a faculdade, remetendo os estudos para mais tarde. E fui trabalhar. E naquelas legislativas de 1991 fiz parte da pequena minoria que não votou no senhor, mas fiz a minha primeira reportagem sobre eleições. Percorri pela primeira vez o concelho num pajero branco que o João Aurélio Mendes conduzia. Também lá iam o Pimpão dos Santos e o João, porque aquelas eram as primeiras eleições que o Correio de Pombal iria acompanhar e por isso era preciso levar a equipa toda. (Só essas aventuras davam não um post, mas um blogue). Pendurei ao peito um cartão da Secretaria de Estado da Comunicação Social e segui viagem. Nunca precisei dos dias de reflexão nem engrossei a lista dos indecisos, durante anos.Até que,por estes dias, fiz aquele teste que aqui deixei há dias e descobri que estava próxima de uma tal Partido Humanista, que eu, rapariga informada e agente (?) da informação, desconhecia. Consolou-me o facto de ter como parceiros os meus caros colegas quase todos. Só isso. Porque às vezes dou comigo a já não insistir com os amigos para irem votar. A optar pelo branco, que fica sempre bem mas tanto faz como fez. A ver-me ao espelho indecisa.À minha volta multiplicam-se amigos que estão agora a ascender aos lugares cimeiros das listas. É a nossa geração que vai agora jogar-se ao poder, ocupar as cadeiras confortáveis dos gabinetes, pôr em prática um certo modo de estar que condenávamos todos. Da direita à esquerda, os meus amigos andam aí. Às vezes fico triste, quando os vejo, e ando à procura deles entre os sorrisos e as conversas.E depois é este país, enfim, (que a Rita Quintela, cujas raízes estão na minha Moita do Boi, descreve tão bem neste post) que me anda a chatear. De maneira que lá vou eu votar dia 7, com certeza, depois de apanhar os cacos da cidadã empenhada que fui. Desta vez levo só uma certeza: faço-o em homenagem aos que lutaram tanto e aos que morreram pelo direito ao voto. São esses que me merecem a viagem.
6 comentários:
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Como diria um pequeno amigo meu...
ResponderEliminare mai'nada.
Eu sempre votei, Paula (até nos referendos). Mas confesso que não estou completamente convencido de que esteja a tomar a atitude certa. Um velhote dizia que não votava "para não se sentir cúmplice daqueles filhos da p***" (palavras dele), e eu tenho que admitir que há alguma lógica no argumento.
ResponderEliminarO que eu acho, contudo, é que o protesto pode ser melhor refletido em DETERMINADO voto do que na abstenção. Mas não quero deixar de sublinhar o seguinte: não votar porque está um rico dia de praia, é uma coisa. Outra bem diferente é não votar por protesto (eu já imaginei deslocar-me à mesa de votos só para dizer "olhe, vim cá para os informar de que não vou votar". E se toda a abstenção tem uma leitura e é um sinal, esta abstenção em concreto emite um sinal ainda mais forte. Acho mesmo que faz falta um qualquer protesto violento (não no sentido físico, claro). Conhecem o movimento espanhol de seu nome "ciudadanos en blanco"? É muito interessante. Eles defendem que os votos em branco deviam reflectir-se em "cadeiras vazias" no parlamento/assembleia. Como não reflecte, constituiram-se como partido, e prometem não ocupar os lugares, se alguma vez tiverem representação eleitoral para tal. Já os acusaram de "anti-constitucionais", mas a mim a ideia parece-me curiosa, talvez até válida!
Cara Amiga Paula
ResponderEliminarTambem eu ja fui muito mais idealista em relação á politica. Agora que ja passaram mais de 30 anos do 25 de abril, passou-se novamente da luta de classes e ideologias pela luta das cadeiras do poder e pelos negocios chorudos que se fazem aproveitando essas cadeiras. Temos ambos a triste consolação de sermos pobres mas sermos honestos e verticais.
Como eu a compreendo, Paula Sofia.
ResponderEliminarToda aquela carga ideológica, criada nas nossas consciências depois do 25 de Abril, em que acreditávamos que a partir daquela data tudo seria, ou quase tudo, liberdade, harmonia, riqueza, justiça social, etc. etc. foi-se esbanecendo ao longo destes 35 anos.
E agora? O povo começa a desconfiar, já não tem confiança nos politicos, naqueles que tudo prometem e pouco ou nada cumprem.
Eu, em dada altura da minha vida, vivi intensamente a politica. Fui parte activa. Lembra-me como as pessoas que nos conheciam, confiavam e esperavam de nós que, resolvessemos os seus problemas. Problemas esses, prefeitamente ao alcance de quem têm o poder, mas não têm meios para o exercer!
Também por isso vim embora. Comecei a ficar descrênte daqueles que têm o poder e os meios mas não o sabem ou não querem exerce-lo correctamente em beneficio de todos!
São no fundo, os maus exemplos prestados pelos politicos a que assistimos todos os dias, que fazem pensar se; VAMOS OU NÃO VOTAR !!!!!!!
FMI!
ResponderEliminarPessoalmente, sinto que é minha obrigação votar e tomar responsabilidade no que a Pombal/Portugal/União Europeia diz respeito. Só assim tenho legitimidade para apoiar ou criticar qualquer situação ou decisão tomada por aqueles que foram eleitos pela maioria,
ResponderEliminarE não preciso que me façam apelos desesperados, porque só uma situação extrema me impedirá de executar o meu dever!