9 de setembro de 2013

POMBAL TUDO MENOS TIRAR OLHOS e outras minudências

1. Porção substancial do meu gosto em frequentar, como leitor, o Farpas – decorre do que por aqui vai de gente que sabe o que quer, o que diz e o que pensa. Nós, farpistas, chegamos a subir ao cume e ao cúmulo de contar entre nós juristas, essa gente oficial oficiosamente tida como mais apta a receber do que a dar. É sobre um deles que o primeiro ponto da crónica de hoje vai, a golpe de asa embora breve, versar. Trata-se do doutor João Paulo Henriques Marques.
É figura perigosa, até fisicamente: tem qualquer coisa de Elvis Presley, apesar dos olhos claros. De sobremeã estatura, roupa decente e mãos lavadas, enganará o mais incauto mesmo sem abrir a boca fresca. Matrimoniou-se com uma rapariga bonita como uma fada em história de lobos que não são maus. Têm-se agora, ele & ela, em dois filhos: o Joaquim e o Manuel. Ora, estes dois nomes (ou antes: a escolha destes dois nomes) dizem tudo sobre o doutor João Paulo Henriques Marques. Eu explico: é a questão da portugalidade.
O doutor João Paulo Henriques Marques é das coisas (por assim dizer) mais portuguesas que conheço. Ele não é nenhum doutor João Melo Alvim (João também e também advogado, p’x ’tá claro), que sempre que pode vai saracotear a pevide às venezas, às barcelonas e agora até às lisboas, onde outro pombalense também João, o Pessa, esparge o encanto gentilíssimo da educação com que se aleitou de sua, dele João Pessa, mãe. Mas isto é já muito tergiversar. A Henriques Marques retornemos, por favor.
Tetraprotomegahiperjumboneto de outro Henriques (o D. Afonso, rex primus de Portugal), o doutor João Paulo Henriques Marques é tido (e reconhecido) como barra na barra e varão na vara (a tribunalícia, que não a pecuária, atenção!). Senhor de excelente ortoépia, vence casos que uma deficiente argumentação (à la Joaquim Branco, por exemplo) poderia deitar a perder. E tudo pela não simples razão de, casado com a formosa e segura Verónica, ser genro de Laureano e ser pai de Joaquim e ser pai de Manuel. A tal coisa da portugalidade.
Eu, que o conheço mais do que o onicófago conhece as próprias unhas, sei tudo acerca dele. Eu sei, como até agora ninguém sabia mas vai ficar a saber, por que motivo os verónicos filhos dele se chamam Joaquim & Manuel – é porque o doutor João Paulo Henriques Marques é um comunista lanceolado tingido de democrata-cristão. É, é – ou seja e por outras mais claras palavras: o doutor João Paulo Henriques Marques é gémeo (mas em cabelo) do doutor Adelino Leitão, que também é comunista por causa do Sporting e também democrata-cristão por causa da vivenda sumptuosa que tem ali às Flandes. Sigamos e prossigamos, porém.
Ele há outra coisa que extrema a perigosidade do doutor João Paulo Henriques Marques. Esta aqui: adora poesia. Ora, eu não sei de mor agravo para a regular cordura das relações humanas do que o amor pelos versos. E versos portugueses, naturalmente, que ele sempre (mas sempre), a meio da segunda imperial, imperialmente desata a dizer de cor – e às cores. É cena que arremeda um outro doutor, o médico pombalense Adelino Correia, que é talvez o homem mais bondoso da Península Ibérica e arredores. É um caso grave, o caso do doutor João Paulo Henriques Marques, senhora juíza: um advocatum saber hemistíquios, cesuras, alexandrinos, tónicas, interpoladas, adágios de mote & tristuras de volta. O doutor João Paulo Henriques Marques é um José Carlos Ary dos Santos que vai à missa! O doutor João Paulo Henriques Marques é um fã do Fernando Touro da Tourada que não gosta do Carrasqueira de Abiul! O doutor João Paulo Henriques Marques é como aquele célebre caso do operário comunista do Barreiro que, casado por amor com certa fervorosamente católica senhora, nos tempos da Outra Senhora, decidiu chamar ao primogénito de ambos este nome maravilhoso: Estaline de Jesus. Eu atrevo-me até a aventar um desejo onomástico: no caso (auspicioso) de ele, doutor João Paulo Henriques Marques, voltar a substanciar-se eternidade com a incomparável uxor (que “esposa” significa, em latinório) Verónica chamada (e cuja natural bondade só à do milho pode ser comparada), isto é, se ele & ela voltarem a procriar em prol de sua/deles prole, nesse caso eu exijo que o/a nascituro/a se chame cois’assim: ou José Mar, ou Maria Engels, ou Lourdes Brecht, ou La Salette Cunhal, ou Maria do Patrocínio Maiakowski – ou Tó-Zé Seguro. É o mínimo, meter o filho no seguro, que não ao barulho.
O doutor João Paulo Henriques Marques é, como aliás e supra deixei dito, uma perigosa efígie da nossa praça. Tem banca de tabelião legalista no mercado de Pombal. Leu. Sabe e diz Direito. Diz e sabe Poesia. Cuidado com ele. Por mim, só me resta confessar que gosto muito dele. Ele é daquele tipo de homem que me faz sentir muita pena de, eu, não ser homogajo. Fosse-o eu – e nenhuma Verónica filha de Laureano mo usurparia. Ámen.
(Para ele vão os versos do ponto 2.)

2. POMBAL TUDO MENOS TIRAR OLHOS
– um poema dedicatório longamente adiado

Caça-me cedo a madrugada na ponte do Arunca
que pedra torna o Tempo, as gerações.
Aqui não nasci mas daqui sou, que alhures eu nunca
fiz tantos amigos em outros tantos corações.

Gente humílima, alguma há, não assim tão pouca.
O frango é bem assado, assim também o entrecosto.
A Casa Cor-de-Rosa reluz qual morango em boca
de criança antiga como a Pérgola, a gosto

de todo o ser vivente que a haja mirado.
Da Agorreta à Senhora de Belém, muito cuidado:
que por aqui existe povo meu mui amado!

Moro ora perto, mas longe de mais.
Não tenho já vint&poucos anos, o Bar do Cais
fechou, como tudo um dia, portas. Então, sais

de ti fechado adentro, vais pela do Mancha-Pé,
passas a U-13, um copito desces no Cardigo.
Ao balcão, há sempre o saudar de algum Amigo.
Fala-se do tempo que (se des) faz, ó meu “Tó-Zé”.

Pombal é boa gente. Nem toda é “caça-fraca”.
Atira-se pedrinhas numeradas, viver é o jogo-da-macaca.
Tenho saudades de estar vivo em Pombal:
afinal, é o sítio-síntese do País de nome Portugal.

3. Pronto, resolvido o CASO DOUTOR JOÃO PAULO HENRIQUES MARQUES com uma versalhada a preceito, tempo é de, cronicando sempre, rumar à questão da limitação de mandatos. Tenho uma expressão simples: é uma lei de merda. Não se lhe entende o espírito, não se lhe descortina o objectivo. Porquê? Porque foi mal feita de propósito. Se até ao Presidente da República é imposto o claríssimo limite de dois mandatos consecutivos, por que raio tal clareza cerceante não há-de ser imposta aos autarcas? E, já agora, porque aborto aturamos (e sustentamos) o carnaval permanente da Madeira, essa pérola atirada aos mesmos porcos há três décadas? Estou careca de saber que, se Narciso pudesse ser Alberto João, nunca acabaríamos, nós Pombal, de chegar à Madeira. O meu belo Brecht é que acertou na mouche quando poetou assim (cito de cor): “Não é de eleições para mudar de governo que precisamos. É de eleições para mudar de povo.”
4. Agora, a questão dos Anónimos aqui no Farpas. Não há como evitá-los. Criar uma identidade falsa na internet é batatinhas. Atente-se no caso do “Antonio_Jose” (que ele escreve sem acentos porque é burro). Acabei, sem o demandar, por saber quem é. Sim, já sei quem é. E tive pena. Muita pena. Trata-se de um homenzinho (afinal só “zinho”) que conheço desde menino. Sempre simpatizei com ele. É, inclusivamente, ferrenho incondicional do meu Benfica. Decepcionou-me, o “Tó-Zé”. Tem feito por aqui comentários que só a ele rebaixam, a mais ninguém. Esperava outra hombridade dele. Outra gramática também. E outra ética. Ele agora sabe que eu sei.
(Eu que também sou pseudónimo, porque na verdade isto é escrito pela Paula Sofia Luz, eu só o nome.) E quando nos encontrarmos, um destes fins de tarde das sextas no “Corredor-da-Morte”, vulgo balcão da Cervejália, os olhos dele hão-de, inquietos, querer confirmar, na água dos meus, se eu sei mesmo ou não. Sei. E em conversas privadas (aqui não, por respeito à gerência) vou dizer a toda a gente quem é(s).
5. Termino por ora com a questão da inexistência de jornais impressos na sede de concelho. Tem sido um forrobodó acomodado para o poder local vigente. O deserto é de tal clamor, que uma pessoa chega a sentir saudades d’O Abutre ou de A Voz do Arunca. Uma terra sem jornais é sítio que menos sabe e desconhece (de) mais. Bem-dito (e feito…), pois, ó nosso Farpas! Que a uretra nunca te doa! Que as gónadas jamais se te inflamem! Até para a semana, ó boa gente, em crónica que vos trará as últimas sobre a geminação Henriques Marques/Adelino Leitão e sobre o mais que a Paula Sofia Luz me mandar escrever.

4 comentários:

  1. Boa tarde
    Caro Daniel, ler um escrito teu é sempre agradável, pela riqueza do vocabulário, quanto ao conteúdo nada a dizer uma vez que se trata de um gesto muito pessoal, exceptuando farpa no tal " que nem quero dizer o nome" e dizes conhecer mas afinal não conheces grande coisa O melhor é ignorares o tipo

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  2. Boa Noite Daniel,

    "Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. O resto é publicidade." - George Orwell

    Li esta frase numa crónica, há tempos, num jornal nacional (não me lembro qual).

    "Cronicava" sobre a importância do jornalismo nas sociedades democráticas.
    Dizia então o autor, que o jornalismo serve também para assegurar uma sociedade democrática e que, quanto melhor instituída estiver essa democracia na sociedade, melhor o seu jornalismo.

    Ou seja o bom jornalismo apenas poderá existir em sociedades onde seja possível a cada cidadão expressar a sua opinião livremente.

    Infelizmente os jornais em Pombal acabaram. Resta-nos, como tu sublinhas-te, o Farpas.

    Serei só eu que vejo coincidências?

    Estou partido!

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  3. Bom conselho

    Põe sempre os nomes aos bois
    Nas histórias que contares
    Ou logo os burros depois
    Se queixam de os retratares:
    "Mas são as minhas orelhas!
    Este azurrar é o meu!
    Se estas são minhas guedelhas!
    Ai este burro sou eu!
    Não me nomeie ele embora,
    Toda a Pátria vai agora
    Saber-me por burro, hin-hã!
    Ai que eu, hin-hã, hin-hã!"
    - Quiseste um burro poupar...
    Logo doze hão-de zurrar.

    Heine
    1792-1856
    (traduzido por Jorge de Sena)

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  4. Fico surpreendido que um assunto como a falta dum jornal, numa cidade que já os teve em quantidade e qualidade, suscite tanto silêncio nos comentadores.

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