8 de janeiro de 2017

Obrigada, Mário Soares


Agoniei-me muitas vezes nas últimas horas com o que gente aparentemente de bem - que tenho entre os amigos da minha página de facebook - escreveu e replicou sobre Mário Soares, na hora da sua morte. O destilar do mesmo ódio que escorre de vez em quando a propósito dos refugiados, que papagueia frases feitas ou artigos de jornais fora de contexto, com o mesmo à-vontade com que partilha pagelas dos senhores dos aflitos, da Cruz Vermelha ou de qualquer obra de caridade. Há um denominador comum entre todos: o ódio. Bem sei que os Homens como Mário Soares nascem assim, na condição de serem amados ou odiados, sem meios termos. Mas impunha-se, a muitos desses actores da vida pública, alguma noção do que isso significa, de como não se despe ali à porta do facebook o casaco de autarca, de dirigente, assim como não se despe o de jornalista, de médico, de professor. Porque antes de tudo há ali um cidadão. Ou deveria haver.
Conheci Mário Soares pessoalmente na sua última visita oficial ao distrito de Leiria, em 1995. Não simpatizando largamente com a personalidade, percebi um pouco melhor quem ele era e como era:imparável. A meio da jornada, percebendo ele que eu andava colada aos seus gestos (daquela vez a minha função era fazer 'o outro lado' da visita), ágil nos meus vinte e picos, visou-se para mim à porta dos Morgatões, agarrou-me nos braços e perguntou: "então, aguenta?". Rimo-nos todos. Mal sabia ele (e eu) o equilíbrio que precisaria para me aguentar, nos anos que se seguiram. 
Poderia dizer muito sobre tudo o que representa Soares para o país, para a Democracia e para a Liberdade, a mesma que permite a qualquer pato-bravo discorrer sobre a sua vida e a sua obra. Mas fico-me pelo agradecimento. Por ter existido e nos permitir, aos portugueses, sermos hoje um povo menos parolo, menos atrasado, do que éramos antes de chegarmos à Europa, de termos o mesmo acesso que os outros ao mundo. Aquela de que fazia parte a Alemanha dos anos 70, onde o meu pai trabalhava, para onde emigrara depois de deixar Angola, depois da guerra. De onde escrevia à minha mãe todas as semanas, a lembrá-la de como era importante ir votar. Aquela de onde voltou em 80, cheio de sonhos para a aldeia e para o país, levados ao extremo naquelas eleições em que no fulgor da adolescência colei um autocolante na lapela a dizer "Soares é fixe", e na escola uma funcionária do bar quase me triturava juntamente com o almoço, porque tudo estava ao rubro, A mesma Europa que encheu bolsos, comprou jipes, criou o cavaquismo e agora se desmorona. Este é o fim de um ciclo, sabe-mo-lo bem. Na hora em que Soares deixa este mundo - que idealizou socialista, republicano e laico - resta-me, só, agradecer. Pelo Farpas, por sermos livres. E sublinhar as palavras de Vasco Pimental, de entre tudo o que se vai escrevendo:


"Atacar a vida de uma pessoa no justo momento em que ela deixa de se poder defender não diz rigorosamente nada sobre a pessoa atacada, e diz tudo sobre o atacante. Fiquem a saber: o que vocês escrevem nesses momentos é um letreiro que vos fica colado na testa para todo o sempre (colam-no vocês próprios) e que diz o seguinte: "Sou uma porcaria ignóbil".

3 comentários:

  1. Amiga e companheira Paula Sofia, boa tarde.
    Fiquei muito triste com o que li no teu post.
    Vou correr o sério risco do camarada Adelino Malho usar o seu lápis azul para não validar o comentário que vou fazer, dado que se trata da excepção à regra.
    Jurei que nunca mais faria nenhum comentário nesta coisa, dado não reconhecer competências ao “patrão” para isso.
    Mas tratando-se do Dr. Mário Soares, qualquer jura poderá ser uma perjura.
    Na última Assembleia Municipal de Pombal, em 21 de Dezembro, fui o único membro que desejou muita saúde e longa vida ao Dr. Mário Soares.
    Todas as outras bancadas ficaram mudas e quedas e, em particular, a do Partido Socialista que, agora, deve vir chorar lágrimas de crocodilo.
    Por isso fiquei muito triste.
    E por isso, vou refrescar aquilo que me ia na alma, nesse dia e nessa hora:
    “Outrossim deveria ser a atitude com base na magistratura de influência que deveis ter aprendido com o líder histórico do Partido Socialista, o Presidente Mário Soares, como é referido no boletim médico do Hospital da Cruz Vermelha e a quem eu desejo longa vida”.
    Depois da triste notícia do falecimento de tão insigne cidadão, de Portugal e do Mundo, enviei o seguinte mail aos Amigos e companheiros Membros da Assembleia Municipal:
    Como já é do vosso conhecimento faleceu o Dr. Mário Soares.
    Os meus Sinceros Pêsames à Família e ao Partido Socialista.
    Paz à Sua Alma!
    Como minha singela homenagem dedico-lhe, com a devida vénia, o poema de Mia Couto:
    Morte Silenciosa
    A noite cedeu-nos o instinto
    para o fundo de nós
    imigrou a ave, a inquietação

    Serve-nos a vida
    mas não nos chega:
    somos resina
    de um tronco golpeado
    para a luz nos abrimos
    nos lábios
    dessa incurável ferida

    Na suprema felicidade
    existe uma morte silenciada

    Que descanse em PAZ!
    Rodrigues Marques

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Amigo engº Marques, fico contente de o ver regressado. Um democrata sabe sempre a hora e o lugar certos. Bem-haja :)

      Eliminar
  2. Mário Soares era Socialista, Republicano e laico...Para a eternidade fica só a memória para os que vão ficando... Apaga-se o Cérebro...Apaga-se a luz e foi-se a eternidade.

    ResponderEliminar

O comentário que vai submeter será moderado (rejeitado ou aceite na integra), tão breve quanto possível, por um dos administradores.
Se o comentário não abordar a temática do post ou o fizer de forma injuriosa ou difamatória não será publicado. Neste caso, aconselhamo-lo a corrigir o conteúdo ou a linguagem.
Bons comentários.