Confesso que fiquei perplexo com tais declarações ao Jornal de Leiria por parte de Diogo Mateus, ainda mais depois de termos assistido ao pior ano de sempre no que concerne a área ardida e ao número de vítimas decorrentes dos incêndios. Em termos éticos, e até morais, considero profundamente infelizes tais afirmações. Já enquanto geógrafo, considero que as afirmações em causa são irresponsáveis e contraproducentes tendo em conta que Diogo Mateus é autarca e, teoricamente, conhecedor destas matérias. Responsabilidade e literacia ambiental exige-se...
Mas vamos ao cerne da questão, as matas nacionais. Será que Diogo Mateus sabe, de facto, qual a função primordial das matas nacionais? Se não souber pode sempre questionar um dos funcionários da CMP, daqueles que até são especialistas mas que a opinião só interessa quando, por mera felicidade, coincide com o achismo dos autarcas. Desde quando é que um desastre como o que ocorreu em 2017 pode ser encarado como uma oportunidade no que concerne ao turismo? O que é afinal o turismo para Diogo Mateus? É por estas e por outras que defendo, já há muitos anos, que qualquer autarca deveria obrigatoriamente ter um “crash course” em temas como ordenamento do território ou desenvolvimento territorial, já que a lógica do achismo já fez estragos demais a este nosso país e a esta nossa região.
Quando li a notícia em causa lembrei-me de um episódio, em Outubro de 2004, onde o então autarca de Grândola vinha, no Jornal “Público” com um discurso em tudo semelhante ao de Diogo Mateus. O suposto desenvolvimento turístico era, para ele, mais importante do que a sustentabilidade do litoral alentejano. É a típica conversa da treta por parte do poder público.
Mas façamos um exercício curioso. Primeiro vou destacar algumas afirmações do então autarca de Grândola, depois destaco as de Diogo Mateus e, finalmente, faz-se uma análise conjunta:
1 - O de Grândola afirmava, sobre uma ONGA que pugnava pelo desenvolvimento sustentável do Litoral Alentejano:
“…que surgem sob a auréola de dogmas de entidade defensora do ambiente, sem contestação, mas, na realidade, enquadram a defesa de interesses que, no mínimo, se podem apelidar de imobilistas e impeditivos de um turismo saudável e de qualidade.”
Depois vinha com mais conversa da treta, quando afirmava:
2 – “Como se pode fazer turismo sem investimento, sem definição de regras de bem-estar e planeamento, sem permitir que a movimentação desordenada de fim-de-semana e a construção clandestina poluam, destruam, desarranjem e desfigurem realmente um bem como o litoral alentejano?”
Prosseguia com mais conversa de encher chouriços:
3 – “Quando se está a relançar um projecto equilibrado e sustentado, que vai trazer para todo o litoral alentejano um incremento económico e social, que procurará satisfazer as necessidades dos cidadãos e a melhoria de vida dos naturais e residentes…”
Terminava com mais patetice:
4 – “…têm de ser enquadrados por uma política racional e ambiciosa de investimentos, por arrojo, por uma nova visão dinâmica do bem-estar dos cidadãos.”
Mas vejamos agora algumas das afirmações de Diogo Mateus:
1 – “…funções das matas nacionais devem ser reequacionadas para fins turísticos “com vincada preocupação ambiental”, considerando que os incêndios de Outubro “podem transformar uma situação má numa oportunidade”.
2 – ““Pode ter ali espaços com outras vocações que, inclusivamente, poderiam ajudar a pagar parte daquela recuperação”
3 – “…disse não ver com “maus olhos uma exploração hoteleira cuidada de parte da área ardida”, referindo-se a “projectos que tenham qualidade turística internacional que pudessem, por exemplo, fazer uma boa compatibilização entre a utilização daquele espaço, a fruição florestal que ele tem, mas ao mesmo tempo dar-lhe uma rentabilização e uma oportunidade a investidores privados de também auxiliarem” a sua utilização.”
4 – “…estas situações podem ser “oportunidades de desenvolvimento, de investimento, de criação de postos de trabalho de potenciação das aptidões turísticas, de lazer e ambientais do espaço”.
Depois ainda fala sobre a suposta função exclusiva da mata, omitindo o que não lhe interessa e sacudindo a água do capote, esquecendo que há factos que parece que desconhece, como os serviços ambientais, mas não só. Se calhar nunca teve a oportunidade de andar na mata de VFCI, tal como aconteceu há um par de anos em Abiúl, quando a tripulação do VFCI dos Bombeiros Voluntários de Pombal ficou apeada num incêndio para que sua Exª e outros fossem dar uma volta de camião (se calhar não havia jipes disponíveis...). Só não me lembro se a ideia peregrina foi do presidente da direcção, aquele mesmo que nas redes sociais já me chamou de "anormal" (não está esquecido...).
Fazendo uma análise cruzada, há várias conclusões a retirar. Primeira, a de que o discurso, ou seja a doutrina ideológica, parola, é a mesma, mesmo que tais afirmações tenham sido feitas por autarcas diferentes e espaçadas por 14 anos. Isto em dois grandes municípios litorais onde a sede da turistificação contra tudo e contra todos é ponto assente.
Depois nota-se a conversa de conveniência, tipo enche chouriços, onde se faz a apologia fofinha do turismo, omitindo que parte importante dos orçamentos municipais depende do IMI, portanto há todo o interesse dos autarcas em autorizar ou pugnar pela construção de hotéis e afins em áreas protegidas, matas nacionais e não só. Betonizar betonizar é o lema da ideologia parola.
Relativamente a Grândola, e há poucos meses, as restrições de construção, que blindavam contra o lóbi da construção e garantiam regras elementares de ordenamento e gestão do território, foram levantadas de forma leviana, o que significa que em poucos anos teremos uma espécie de Allgarve alentejano por ali (preparem-se para ver resmas de prédios e ir a um restaurante e serem quase desprezados porque não falam inglês ou porque são uns tesos). Isto mostra-nos que, relativamente à mata nacional e a Pombal, deveremos desde já pugnar para que daqui a 14 anos não comece a surgir por aqueles lados uma remessa de mamarrachos a coberto de uma pseudo turistificação irresponsável e indesejada.
Resumindo, estas situações são oportunidades para reflorestar (ponto). Para reflorestar é necessário investir e isso significa postos de trabalho, boa parte deles sem prazo de validade. Depois do trabalho bem feito as aptidões turísticas surgirão em pleno, onde as matas nacionais serão, tal como noutros países, notáveis espaços de lazer e com um leque de serviços ambientais importante para a qualidade de vida. E isto sem necessidade de promover, a coberto sob uma pseudo turistificação, uma betonização daquele território ímpar.
Estou certo que a maioria de nós não se vai deixar enrolar por este discurso demagógico, populista e oportunista, muito embora tenhamos um problema crónico, ou seja a memória curta. Urge defender a Mata Nacional dos ataques a que ela tem sido sujeita nos últimos anos. E pelas reacções que tenho visto a estas afirmações não será difícil. Não podemos é baixar a guarda, pois estes autarcas sabem como dar a volta à coisa. Contudo os autarcas também sabem que há aqui uns cidadãos muito activos em prol do património e, imagine-se, até são especialistas em várias matérias. E quando o património está em risco, aí somos capazes de ser uns chatos daqueles que os políticos gostam de ver bem longe...
Depois do ataque à Mata Nacional a resposta é só uma, reflorestar com cabeça, tronco e membros!
Finalizo com uma sugestão de leitura.
Farpas Convidadas: João Paulo Forte (Blogger: http://www.azinheiragate.blogspot.com/)
As doutas opiniões que se expressam neste artigo terão toda a propriedade e razão desde que defendidas com elevação.
ResponderEliminarAs comparações e alusões insidiosas de um pretenciosismo de superioridade intelectual, como sejam " Sabe a função primordial das matas nacionais que qq funcionário informa, mas que o articulista não define", " a típica conversa da treta do poder publico", "doutrina ideológica parola", "conversa de conveniência, tipo enche chouriços onde se faz a apologia fofinha do turismo", "discurso demagógico, populista e oportunista", podem ser todas elas redirecionadas para o autor com a finalidade de rebater as suas teses exatamente nos mesmos termos insultosos.
O hábito não faz o monge e por isso nem sempre são os especialistas os melhores decisores nestas questões, repare que nem todos os economistas são ricos, mas deviam ser, pela sua ordem de ideias.
Aos autarcas, aqui tão mal avaliados cabe tentarem fazer evoluir o conjunto de atividades que promovem o desenvolvimento, articulando as suas diversas colisões de interesses de forma a que se encontre espaço para todos, evidentemente valorizando enormemente a opinião dos especialistas que são sempre consultados.
Não tenho opinião sobre qual a melhor forma de utilizar o espaço em questão, mas sei duas coisas de bom senso: Só da iniciativa das ideias surgem as concretizações do diferente e que pode ser útil, e jamais a sujeição em exclusivo aos especialistas das soluções é ela mesma uma solução. Até porque sabe bem que aos especialistas cabe saberem cada vez mais de menos e no seu apogeu acabam sabendo tudo de nada...o que não serva para coisa nenhuma...( aqui um toque de ironia com alguma mensagem)
A sua posição é fundamentalista porque se recusa sequer a avaliar o proposto, apenas destrói ou apouca os argumentos que não lhe agradam; o fundamentalismo jamais serviu as sociedades,e apenas serve algumas elites que teimam em manter o seu estatuto pela intocabilidade dos seus pergaminhos.
Lamento, mas toda a argumentação de contestação que se baseia na ironização ou tentativa de humilhação das ideias expostas cai pela base, porque até se costuma dizer que quem não sabe contestar, insulta...
Eu sei que o Farpas tem esta função de farpear, mas não me parece que a floresta e sua recuperação, bem como a articulação com o desenvolvimento daquela região fiquem bem defendidos com opiniões feitas nestes termos insultuosos.
Por acaso até sou amigo do visado, isto para que não fiquem dúvidas, mas mesmo que nem o conhecesse a minha opinião seria idêntica.porque se há alguém que tenha contribuído para o desenvolvimento do concelho tem sido ele com o lançamento de ideias e acções que os seus antecessores nunca se lembraram ou puseram em prática.
Acredito que os milhares de hectares, que não esticam, poderão nos dias de hoje serem planeados e aproveitados de forma que há 100 anos nem era imaginável.
O imobilismo, do deixa estar tudo como sempre resultaria no ainda hoje andarmos todos ainda de carro de bois...
Quem sabe não seríamos todos mais felizes? Talvez a continuarmos a morrer à fome, mas sem poluição. (uma morte limpa em troca de uma fartura suja)...
Bem haja pelo seu alerta mas reveja a forma de exposição que assim poderá contribuir de uma forma muito mais positiva para uma ação que nos venha beneficiar a todos.
Manuel Serra, O Sr. já é Assessor de Imprensa de D. Diogo ? Bem sei que o gabinete de propaganda está "flat" e o Sr. até seria uma mais valia. O Sr. está naquela fase "De quem se mete com o PSD...leva. Força com isso amigo...Eu sou o primeiro a dar á sola...
EliminarCaro Manuel Serra, respondendo às suas afirmações, tenho apenas a dizer que além do seu comentário se assemelhar a um mero acto de vassalagem política desesperada, padece de conteúdo e argumentação. E já agora, consulte um dicionário, já que crítica e insulto não são sinónimos... Para finalizar, agradeço ter escrito tantas linhas, já que além de confirmar que o meu comentário foi incisivo, deu para ver que não é muito bom a escrever conteúdos com cabeça, tronco e membros. Os meus cumprimentos
EliminarO Manuel Serra veio mostrar a frontalidade habitual e mostrar a má construção do post (argumentos e conclusões). O post é uma versão moderna de má qualidade das cantigas de mal-dizer o passado. Almeida Garrett não a compilaria no seu cancioneiro geral...
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