No
regresso das amarguradas férias, o ministro das obras-tortas tinha à sua espera
uma dura acareação com o Príncipe e o seu fiel escudeiro. O escarcéu dos Malhos
tinha deixado feridas profundas que tinham que ser limpas e tratadas. Quando o
ministro das obras-tortas se apresentou no trono, já Pança e o Príncipe o
esperavam. Apresentou-se mortinho e com cara de enforcado. Retraído como é,
pediu licença para entrar, mas não chegou a ouvir a resposta; logo o Pança se
adiantou: - Senta-te. Tens muitas explicações para dar, e lições para apreender.
Começou
o Príncipe: - Explicai-nos, ministro das obras, duas coisas só: primeiro, que
andais a fazer para deixardes ficar a estrada para os Motes naquele estado;
segundo, como foi possível gerardes sozinho tamanho escarcéu mediático?
-
Desculpai-me o sucedido, Alteza; que tamanha vergonha nunca eu passei, nem
espero jamais passar…
Ao que
logo interpôs o Pança: - se não ganhardes mais esperteza vais passá-las. Ai
vais, vais!
- Posso
continuar…- perguntou o ministro das obras-tortas?
Ao que o Príncipe respondeu:
- Deixai-o explicar-se, Pança.
- Então,
continuando: a estrada ficou sem reparação porque acertámos em deixar atrasar
aquilo para podermos receber algum dinheiro dos fundos…
- Aquilo
não é uma estrada – rematou o Príncipe irritado.
- Pois
não, Alteza – anuiu a contragosto o ministro das obras-tortas. E acrescentou: -
as coisas vão-se degradando e os serviços nem sempre conseguem tocar tanto
burro como temos para tocar.
- Aqui
só houve um burro – afirmou o Príncipe.
O
ministro das obras-tortas ignorou o comentário do Príncipe e prosseguiu nas
desculpas: - sobre o escarcéu mediático, nem me fale, Alteza. Nunca imaginei
que a queixa caísse nas mãos dos maldizentes – afirmou o ministro das
obras-tortas. E acrescentou: - mas queixas às autoridades é coisa que se faz amiúde…
-
Fazem-se mas é preciso saber fazê-las – replicou logo o Pança. E acrescentou: -
e essa pasta é minha…
- Mas eu
sou vice-governador, com a atribuição da ligação com as autoridades oficiais –
lembrou o ministro.
- Para
que vos meteis nestas coisas? - perguntou o Príncipe. E acrescentou: - Tendes tanto que fazer nas obras, que bem atrasadas estão; evitai pendências para as quais não tendes
destreza.
- Desculpai-me,
Alteza; em pena de ter infringido as leis da estadística e ter causado este
grande desaforo; que Deus vos conceda dar-me merecido castigo (uns açoites).
Ao que o
Pança contrapôs logo: - Os açoites não reparam os descómodos que estamos a
sofrer, e ódios destes não se anulam com açoites no malfeitor.
- Nisto
que nos agora aconteceu — tornou ministro — quisera eu ter tido o entendimento e
a sabedoria que Vossa Mercê sempre tem nestas delicadas alturas; mas eu lhe
juro, à fé de pobre homem, e do fraco entendimento que possuo nas manhas da política, que não
repetirei tamanho dislate; e que se não fosse por saber, que todos estes descómodos andam muito anexos ao exercício da política, aqui me deixaria morrer
de pura vergonha – afirmou o ministro.
- A tua
desventura – que também é nossa - é daquelas que nem consolação admite. O pior
nem é o muito mal que nos fizeste, é o muito que engrandeceste os maldizentes –
devem estar bem inchados com tanta as visualização – retorquiu o Pança.
- Eu
sei, eu sei, eu sei…- anuiu o ministro das obras-tortas.
- Mas
bater com a mão três vezes no peito não chega – afirmou o Pança. Tencionava
ajudar-te a chorar as mágoas, e suavizá-las o melhor que soubesse; porque sei,
por experiência própria, que sempre é alívio nas desgraças termos quem se nos
doa delas, mas … Se Deus com sua infinita misericórdia nos não socorre… -
acrescentou o Pança.
Ao que o
Príncipe aditou - Despertais-nos piedade, muito embora conceder-vos perdão seja
impossível – neste caso, só Deus o pode fazer. Por isso, recomendo-vos uma confissão
- preferencialmente pelo nosso Bispo -, uma
penitência rigorosa, uns tempos de clausura com jejuns e outras inclemências que
possam ajudar à remissão, senão do político, pelo menos da alma.
E o
Pança acrescentou: - Mas tem cuidado; porque bem diz o povo que um mal nunca
vem só, e que o fim de uma desgraça é princípio de outra maior.
Antes de
sair, o ministro das obras-tortas, suplicou: - Senhor meu, tende sempre mão em
mim... E saiu, mais falto de conforto humano e com a alma mais enegrecida do que
quando entrou. Miguel Saavedra