Pombal, 05 de Abril de 2023
Meu caro pombalense, espero-te bem. Escrevo hoje para ti que nos acompanhas do outro lado do mundo e do outro lado da rua. Para ti que emigraste nos anos 60 ou 70 para França, para a Alemanha ou para o Luxemburgo; nos anos 80 para a Suíça ou para o Canadá, e nos anos 2000 para toda a parte. Sabes que depois das camionetas passarem para o outro lado, junto ao rio, o Cardal mudou muito. Ainda lhe chamam jardim mas já é uma praça. As lojas da rua Direita fecharam, as da zona histórica também, ali junto à praça das galinhas que ajudava a movimentar o comércio à volta. À medida que fomos definhando, fecharam-se as portas. Até das casas. O que talvez não saibas é que muitas delas voltaram a abrir-se, por estes dias, arrendadas agora a cidadãos que chegam em catadupa do Brasil, mas também da Índia ou do Paquistão, da Colômbia. Muitas já não estão em condições de habitabilidade mas olha, foi o que se pôde arranjar. Vê tu a ironia: Pombal, este concelho que sempre foi porta-estandarte da emigração, conhece agora o outro lado da moeda, a imigração. E é o que nos tem valido, acredita. Nos restaurantes são eles e elas que nos servem, nos supermercados carregam as caixas, nos lares dão banho aos nossos pais e avós, e até nas escolas amparam as quedas dos nossos filhos e dos deles, limpam o recreio, levam a comida. Vou falar-te de uma dessas mulheres, que vi na rua um dia destes. Era sábado, o dia da semana em que ela aproveita para fazer limpezas em casa das vizinhas. Ia com uma delas, entre a Rua Professor Gonçalves Figueira e a avenida. Do lado de lá, uma colega da escola chamou-a, alto e bom som, até se ouvir no Mercado.
- Ó Brasileira!
A rapariga é discreta. Ficou incomodada. Ao lado, uma das “patroas” indignou-se. Chamou à atenção. Lembrou que também é emigrante, noutro país. Que o filho também é. Que isto é descriminação. Xenofia e Racismo estrutural. Que, como tu, ninguém gosta de ser apontado. Contava-me uma prima que, nos anos 80, numa escola dos arredores de Paris, sofreu muito por ser apontada como “a portuguesa”, “a bacalhau”, mais tarde “a tuga”. Como agora fazemos aos “zucas”.
Tu sabes como isso magoa, diminui, apouca. Mesmo que quem tem golpe-de-asa brinque com a piada. Que não tem piada.
O último relatório do SEF mostra que Portugal registou, no final do ano passado, 757.252 estrangeiros com residência, um aumento verificado pelo sétimo ano consecutivo, correspondendo amais 58.365 (8,3%) do que em 2021. Ao mesmo tempo, parece que perdemos a memória. Esquecemo-nos de quem somos, de onde viemos. Como os teus pais, que viviam num quarto primeiro, depois naquela minúscula casinha, quando a tua mãe conseguiu um emprego de concierge. E que agora no café da aldeia clamam contra “essa raça”. Que devíamos era “ajudar os nossos”. Por falar nos nossos, olha só o que aconteceu esta semana. O Moisés, cigano nascido e criado em Pombal, foi deitado borda-fora de um trabalho como segurança no Pombal Fashion. Ia começar, através de uma empresa de trabalho temporário (lembras-te quando a malta dizia que eles não queriam trabalhar?), mas o administrador não quer cá misturas.
Imagino que tudo isto te espante e faça confusão. Afinal, tu recebeste aí o jornal da terra e leste no facebook as publicações do Município de Pombal a falar de integração, de um plano municipal para a Igualdade. Viste as fotos dos concertos no Cardal? Do presidente e vereadoras em selfies com a comunidade? Pois, parece que não passou daí.
E viste as imagens da Feira de Nanterre? Somos nós, ali, a comprar ‘beijinhos’ (como os do João das Cavacas), a matar saudades. Como essas que te afogam o peito tantas vezes, porque tudo o que querias era uma bica, um abraço da avó, uma sopa da mãe.
Recebe um abraço pombalense, desta que tanto vos quer, mas às vezes tem vergonha alheia
Paula Sofia Luz
* Foto da inauguração do CLAIM (Centro Local de Apoio à Integração de Migrantes), Janeiro de 2023
Paula, tirando a habitual bucha de aproveitar muito do que de mal fazemos, agradecemos e não reconhecemos, para malhar no executivo, concordo em todo o restante texto, com aplauso.
ResponderEliminarRemato porém com a vantagem, que também apouca e minora, da nossa CM alguma coisa ter feito para ajudar à integração dos migrantes.
Pode ser pouco, mas já é alguma coisa e para inicio não está mal !
Na perspetiva otimista habitual, e que nos deve tocar a todos, só falta aguardar pelo que se segue.
Boa Páscoa
🌹