O poder local (autárquico), tal como está consagrado na Constituição da República, é materializado em duas “categorias” de autarquias, municípios (concelhos) e freguesias, podendo a lei criar outras formas de organização territorial autárquica nas grandes áreas urbanas e nas ilhas.
Podemos afirmar que temos, pelo menos, dois níveis de poder autárquico, ao contrário da generalidade dos restantes países europeus, onde apenas existem municípios, lá designados por “comunas”.
Então como surgiu em Portugal esta “anomalia” das freguesias?
Com a cristianização e subsequente fragmentação do império romano, a igreja católica passou a exercer um poder lateral dentro dos estados ou acima dos estados, passando, a nível local, a organizar as diversas comunidades em paróquias, também designadas por freguesias, para tratar do culto, dos cemitérios, dos registos, das festas e, sobretudo, das receitas e do património da igreja (do Vaticano).
As paróquias foram evoluindo ao longo dos séculos, exceto no período de ocupação muçulmana, até ao liberalismo, quando ocorre a criação das freguesias como circunscrição político-administrativa, até à implantação da república, quando ocorre a criação da freguesia civil e a consequente separação da paróquia católica, e até democracia da revolução de Abril, quando as freguesias ganham mais autonomia e poderes.
A criação das freguesias foi, assim, uma forma do estado (da república) estender o seu poder às comunidades locais, sobretudo rurais, e reduzir o tradicional poder da igreja católica.
Apesar da separação formal entre a paróquia, poder religioso, e a freguesia, poder do estado, o forte enraizamento religioso e a lenta evolução cultural fizeram manter nas comunidades rurais, quase até à atualidade, alguma confusão entre a paróquia e a freguesia e uma posição de prevalência da importância social da paróquia sobre a freguesia, até mesmo na criação das novas freguesias.
Foi assim que chegámos a esta anomalia das 2 “categorias” de autarquias ou dos 2 níveis de poder autárquico, fracionado e burocratizado, menos eficiente e mais propício à confusão e aos conflitos ente Juntas e Câmaras.
Consequentemente, entendo que a reforma autárquica ideal deveria extinguir as freguesias e alterar o mapa dos municípios, extinguindo alguns e criando outros em função da área, da população, das infraestruturas e dos recursos económicos, de forma a constituírem instituições melhor estruturadas para a realização das necessidades das populações em função das receitas disponíveis. Seria o ideal, mas não o possível face à Constituição da República.
Embora a democracia seja o regime político mais imperfeito, por nunca estar realizado nem acabado, permite-nos a liberdade e impõe-nos soluções de compromisso. Uma destas soluções de compromisso é a Lei 22/1012 de 30 de maio, que aprovou o regime jurídico da reorganização administrativa territorial autárquica, também designada por LRATA.
Bem sabemos que a lei não é perfeita, como o não é a democracia, mas representa o compromisso possível na atualidade
As necessidades de proximidade das populações e a existência de determinadas identidades sociais locais, que levaram à criação de várias freguesias, estão ultrapassadas nos dias de hoje, quer pela evolução cultural quer pela maior proximidade proporcionada pelas novas vias de comunicação, pelos meios de transporte e pelas telecomunicações. Já ninguém vai a pé ou de carro de bois, por carreiros de cabras ou caminhos de lama, como nas décadas de 50 e de 60, fazer o seu casamento à igreja da paróquia antiga…
Nos dias de hoje, as preocupações e as necessidades das populações são essencialmente de carácter cultural, social e económico, sobretudo a nível industrial, com vista à manutenção ou melhoria da qualidade de vida e à criação de riqueza.
O grande aumento recente dos serviços e bens prestados pelo estado, designadamente a nível do ensino, apoio social a idosos, saúde, justiça, saneamento básico, infraestruturas rodoviárias e industriais, etc, trouxeram um grande aumento da despesa pública e passaram a exigir outras estruturas de gestão mais amplas ou mais globais, noutras outras áreas de atuação também mais amplas ou globais, com interdependências funcionais, com programações feitas por quadros técnicos de pessoal especializado e de conhecimentos interdisciplinares e com equipamentos adequados, de forma a poder-se racionalizar os recursos ou receitas e a retirar-se toda a utilidade dos equipamentos de maquinaria ou de edifícios.
Cada freguesia não pode continuar a construir um salão de festas (ou de jogos de cartas) em cada lugar ou um pavilhão, um estádio de futebol e uma zona industrial em cada sede de freguesia, grande ou pequena, como não pode continuar a comprar um conjunto de máquinas que ficam velhas e ultrapassadas sem serem utilizadas nem rentabilizadas.
Todos os membros da população de cada freguesia terão melhores conhecimentos e soluções se discutirem e estudarem as diversas questões conjuntamente com os membros das outras comunidades vizinhas.
O conhecimento da história (das freguesias) permite-nos compreender o presente e programar o futuro.
Portugal está gravemente doente, ligado a uma máquina para ser reanimado (ou não), enquanto os vampiros que nos últimos anos lhe estiveram a sugar o sangue e o deixaram moribundo vão dizendo que eles são os médicos indicados para a cura e que os atuais médicos não têm legitimidade para prestarem os necessários cuidados de saúde nem soluções para a cura. Por muito que os vampiros berrem na rua ou nalgumas instituições que dominam como “forças de bloqueio”, os atuais médicos devem continuar a cuidar do doente. Claro que os vampiros irão continuar de forma radical a protestar contra todas as medidas terapêuticas, dizendo que existem outras soluções de tratamento sem as concretizarem e argumentando com dogmas como se fossem axiomas, para desgastarem e destruírem até poderem voltar ao lugar onde só sabem sugar o sangue.
Argumentam os opositores que a reorganização das freguesias ofende a cultura das populações locais, omitindo que a cultura é evolutiva. As novas gerações acrescentam cada vez mais conhecimentos aos recebidos das anteriores gerações e até alteram os anteriores conhecimentos e valores e criam novas identidades sociais, cada vez mais amplas ou globais. Se assim não fosse, a teoria heliocêntrica de Copérnico ainda seria negada e ainda continuaria a existir a escravatura, como ainda se continua a praticar a excisão, a aplicar a lapidação e a usar a burka noutras “culturas”…
Dizem ainda, os opositores, que o efeito económico da reforma autárquica é nulo ou pouco significativo, por entenderem que a despesa das freguesias só representa 0,4% do valor do orçamento geral do estado. Trata-se de um argumento de má-fé, por negarem a mudança e o progresso e por negarem que só com a soma de muitas e pequenas poupanças se pode conseguir uma substancial redução da despesa pública.
O país está moribundo; vamos tentar reformá-lo para o futuro...