O resultado das eleições presidenciais de ontem é uma espécie de choque frontal com a realidade, que passou diretamente das redes sociais para os boletins de voto.
Pombal é o que sempre foi - ao contrário de muitos concelhos que só agora estão a (re)descobrir a banalização do mal e o discurso do ódio, através da retórica fácil de AV, sempre de faca afiada e língua de fora.
A esta altura do dia já todos estamos fartos de análises, de comentadores, e seria bom que os líderes partidários tivessem percebido o que parecem querer continuar a ignorar: nada fica como dantes, depois destas eleições terem revelado que Portugal continua, afinal, alinhado com o resto da Europa e do mundo, só com um bocadinho de atraso. Não é defeito, é feitio. O que aconteceu agora à esquerda (que não percebe a importância de se unir em vez de esfrangalhar) já acontecera antes noutros cantos do mundo. A ascensão apocalíptica de Ventura não é diferente da de Le Pen, Bolsonaro ou Trump. A base do seu eleitorado é a mesma, e não é a esses que devemos culpar, pois que o desencanto e a revolta nunca deram bom resultado. Rui Rio não percebeu nada do que se passou ontem, e seria bom que alguém fosse capaz de lhe explicar. Do Chicão não se pode exigir mais do que aquilo. É na direita democrática que está o segredo para fechar esta caixa de pandora.
Mas voltemos a Pombal. Conheço muitos dos que deram ao "messias" estes 2.366 votos, e que se vinham revelando nas redes: há uma maioria, jovem, que nunca votava, e que agora vê nele a salvação "para essa cambada de ladrões e chupistas". Depois há mais velhos, que replicam sem pensar todos os mêmes que lhe aparecem à frente, contra os "malandros que não querem trabalhar", contra o RSI, contra os imigrantes, contra os refugiados. E ainda há os outros, saudosos do tempo da outra senhora. Esses, pelo menos, nunca enganaram ninguém. E continuarão a ser tratados nos hospitais públicos, a receber a dignidade que negam aos outros, em todas as áreas. Preparemo-nos para as autárquicas...
Há muitos anos, num aniversário da revolução que permitiu a estes todos a liberdade (que acabaria no exacto momento em que a extrema-direita chegasse ao poder), publiquei no jornal que dirigia um artigo de opinião de um assumido defensor desse tempo. Porque naquela altura, muito jovem, cheia de esperança no mundo, ainda acreditava que a liberdade de expressão era isso: dar voz a todos, até a esses. Encontrei na rua um leitor que me disse assim: "pois eu não sei se aqueles que são contra a liberdade merecem usá-la, sobretudo para isto". Hoje sei que tinha razão.
Marcelo ganhou também em Pombal, mas por menos que em 2016. Perdeu mais de 3.200 votos. Também votaram menos 3.770 eleitores. Percentualmente, dilatámos ainda mais a abstenção. E há apenas uma freguesia onde Ana Gomes fica à frente de AV: Pombal.
E quem é que subiu aqui a votação, quem foi? Tino de Rans, que um dia vi hipnotizar uma galinha junto ao mercado municipal, quando ele era a atração de uma campanha autárquica do PS. Quem foi que disse que éramos uma espécie de Entroncamento?