30 de abril de 2025

O inenarrável livro sobre o Externato da Guia - que todos pagámos


 

Tive a sorte de nascer na fase final da ditadura, e por isso de crescer em liberdade. Isso quer dizer que, ao contrário do que o destino traçava, antes do 25 de Abril de 1974, não fora a madrugada do dia inicial, inteiro e limpo, a minha caminhada na escola terminaria, muito provavelmente, na escola primária da Moita do Boi. A minha e a da esmagadora maioria dos que nasceram como eu: numa aldeia, no seio de uma família sem posses, onde a porta de saída era a emigração clandestina. Entre os 10 filhos da avó Leontina e do avô Zé Maria, nos Antões, nenhum foi além da quarta classe. Entre os 13 da avó Maria da Luz e do avô António, alguns não foram sequer à escola, outros mal aprenderam a ler e escrever. A minha prima Rita foi a primeira a licenciar-se. Tem agora 60 anos. Lá na minha aldeia os dedos de uma mão chegam para contar os que frequentaram a universidade, ao tempo dos meus pais. Eram todos da mesma casa.

Foi nesse oeste de pobreza, no início da década de 1960, que nasceu o Externato da Guia. Olho para a listagem dos 13 alunos que abriram o primeiro ano lectivo, todos da idade da minha mãe (agora com 75 anos) e imagino que também ela ali poderia estar. Tinha 10 anos. Nessa altura já cuidava de um rancho de irmãos, ela e as outras lá da terra, e deste país. A educação, os estudos, eram privilégio de muito poucos.

Mas as fábricas de serração de madeiras e resina conferiam àquela região algum poder económico, pela mão de meia dúzia de proprietários. Depois havia a localização, excelente, com a qual o professor Armindo Moreira (que há décadas emigrou para o Brasil) convenceu o seu colega António Ramos de Almeida (o Dr Almeida, de que gerações inteiras e seguintes ouviram falar) a investir ali, num colégio privado, em vez de Montemor-o-Velho. O trio de fundadores ficaria completo com um dos poucos conhecidos resistentes anti-fascistas deste concelho, o farmacêutico Amilcar Pinho. 

Uma das portas que Abril abriu foi o acesso à Escola Pública. Quando no ano lectivo de 1983-84 ingressei no então 1º ano do ciclo, o Estado já adquirira o Externato da Guia. A minha documentação era da nova C+S, apesar dos resquícios de colégio particular. Ali fiquei até à abertura do Instituto D. João V, no Louriçal. À medida que me fui cruzando com personalidades e histórias, ao longo da minha vida profissional, fui sabendo alguma coisa sobre a fundação "do Colégio", embora sem um fio condutor que me parecesse seguro. Havia (e há) muitas pontas soltas. E foi por isso que pedi a mão amiga um exemplar do livro que acaba de ser publicado, e lançado, com a chancela da Câmara Municipal de Pombal. 

São mais de 240 páginas impressas em papel couché semi-mate, escritas pela pena do fundador António Ramos de Almeida, agora com 94 anos. São vários capítulos da sua versão dos factos: o registo é muitas vezes agoniante, numa espécie de vendetta contra várias coisas e pessoas, num saudosismo reaccionário. 

O Dr. Almeida tem todo o direito de escrever as suas memórias e lavar a sua alma. No tempo que vivemos, pode até achar-se no direito de vilipendiar o quanto custou a Liberdade, pois que "a anarquia e a instabilidade governativa vieram colocar um ponto de interrogação na continuidade do Ensino Particular", levando-o a vender o colégio ao Estado. E sem o Colégio, muitos dos que lá ingressaram "não teriam passado de simples labregos ou marchantes", sic.

Mas quando isso é pago com o dinheiro dos nossos impostos, o caso muda de figura. Este agrado que Pedro Pimpão fez à família Almeida (e seus interlocutores) custou-nos a módica quantia de 5.299 euros mais IVA, perfazendo um total  € 5.616,94 (cinco mil, seiscentos e dezasseis euros e noventa e quatro cêntimos). Isto para 300 exemplares. Que no dia do lançamento - por piada de mau gosto integrado nas comemorações do 25 de Abril - estavam a ser comercializados pelo doutor Né, ao serviço da Câmara, a 20 euros cada exemplar. Foi um ajuste directo, este agrado. Uma bela cama que Pimpão anda a fazer.

Não em meu nome. 

29 de abril de 2025

Quando o Conselheiro Acácio “emerdou” o Professor

Na última AM, assistimos, desconsoladamente e da forma mais insólita, à queda de um anjo, aos pés do Conselheiro Acácio. Quem diria?!

Saudámos a entrada do Professor na política pombalense, que bem necessitada estava de redenção depois dos múltiplos atropelos cometidos pela “doutora” Guardado. Fomos por aqui dando nota da dignidade e da exemplar forma como o Professor dirigia a magna assembleia. Mas eis que, insolitamente ou talvez não, o Professor soçobra e desilude numa questão simples para um Professor de Direito: aplicação da lei e do regimento. 

O Regime Democrático assenta em dois pilares que convém nunca esquecer nem deslaçar: a vontade da maioria e o primado da lei. O Professor deu “carta-branca” à imposição da “Vontade da Maioria”, fintando a lei com justificações esfarrapadas, sabendo que estava a ferir de nulidade o acto praticado -aprovação de Concurso Público sem entrega da documentação no prazo.

No trapezismo feito para justificar o injustificável, o doutor Fernandes foi parcial e enviesado na argumentação, porque não resistiu ao instinto de “derrotar”, mais uma vez, a oposição; mas, apesar de tudo, manteve uns laivos de consciência e de rectidão ao reconhecer que, nesta matéria, o regimento viola a lei; e lembrou, até, que nas assembleias das sociedades comerciais esta prática não é permitida - sendo-o, fere de nulidade o acto.

O trapezismodo Professor foi manifestamente inaceitável, porque lhe compete assegurar a conformidade do desenrolar da assembleia e das respectivas decisões, respeitando a lei e agindo com imparcialidade. Começou bem: suspendeu os trabalhos e reuniu a mesa para analisar a questão. Mas quando se esperava a decisão correcta, alicerçada na lei e nos Elementares Princípios do Estado de Direito Democrático, o Professor informou que a mesa decidira colocar o requerimento do PS à votação da assembleia, e que a decisão da assembleia seria por maioria e não por unanimidade (como o PS defendia). O doutor Coucelo anuiu prontamente com o habitual movimento vertical da cabeça, e a "doutora" Adelaide repetiu o gesto - “o companheirismo e o respeitinho são muito bonitos”. O Professor justificou a decisão com dois argumentos risíveis: (i) falha pontual do executivo na entrega atempada da documentação; (ii) e excepcionalidade da sua decisão. Bem sabemos - não é preciso ser Professor de Direito - que não há bons argumentos para decisões erradas. Mas alicerçar a decisão da mesa no carácter pontual do caso, que ainda por cima não é verdadeiro*, e na excepcionalidade da decisão da mesa, não lembra ao Diabo - a conformidade dos actos administrativos não tolera excepcionalidades ad-hoc à lei. 

A realidade diz-nos que nunca devemos esquecer que o homem de partido é sempre um homem partido, salvo raríssimas excepções. Tínhamos o Professor dentro dessas as excepções, erradamente. 




*NR: O executivo,  por desconhecimento das regras ou por manha, reúne regularmente nas vésperas das assembleias, contra aquilo que é regra e era boa-prática anterior.

27 de abril de 2025

Quem se mete com o Pimpão, leva


Ficou claro na última reunião da Assembleia Municipal que Pedro Pimpão já escolheu o seu adversário para as próximas eleições autárquicas. Pelo tom crispado com que respondeu a Luís Couto, candidato à Câmara pelo movimento Pombal Independentes, percebeu-se também – de novo – que o sentido democrático deste presidente vai buscar o seu quê de inspirador a Narciso Mota: também ele acenava com “os prints” das publicações que lhe desagradavam. Também ele considerava que as notícias “negativas” prejudicavam a boa imagem da Câmara. Em rigor, toda a resposta de Pimpão a Couto (vale a pena recorrer ao vídeo da AM para esse deleite) denota um registo da criatura à imagem do criador – que de resto recuperou para a sua permanente campanha.

Mas centremo-nos na questão que mais importa: a tão almejada (por ele) vinda do IPL para Pombal, sobre a qual parece que “quase ninguém” é contra, segundo Pimpão. E se for, está a contas.

Ora há aqui vários equívocos nesta forma atabalhoada como o Pedro vê o desempenho do cargo institucional que ocupa. Mas o crucial é este de considerar que não vai explicar os benefícios do ensino superior em Pombal a quem não acredita, porque seria “como falar de Deus a um não crente”.

Errado, Pedro. O presidente da Câmara não tem só obrigação de responder, em sede da AM ou noutra, sobre os custos hipotéticos ou reais -  que serão avultados, ninguém tenha ilusões. Tem obrigação de os justificar.

 

Depois há o lado incongruente destes números, bem diferentes dos que Pimpão gosta de passar nas redes sociais, ora na rua, ora na festa, ora na missa, ora à mesa do café, mas sempre com a aura de bom cristão – que acumulou minutos de silêncio por estes dias, em memória do Papa, para compensar este ruído, talvez.

Um presidente para todos, todos, todos, menos os que o contrariam.

24 de abril de 2025

Política pombalense – uma decadência extraordinária

A Assembleia Municipal (AM), definitivamente abocalhada pelos presidentes de junta, que ali debitam lamúrias ou lisonjas conforme os seus humores, reuniu ontem. Na véspera, a “Junta” reunira para cumprir a formalidade, sem ligar às formalidades mais elementares; gerando, desta forma, entropia e irregularidades que o presidente da AM resolveu mal – assunto que trataremos noutro post.



Assiste-se a uma degradação da acção política e a um estupor apático, tanto ao nível do poder como da oposição, que é preocupante, nomeadamente num tempo que deveria ser de efervescência e confronto político. A forma como decorreu última reunião da AM é paradigmática da triste realidade.

As reuniões da AM - tal como as da Assembleia da República - não são igualmente relevantes. A reunião de Abril, onde se discute o Relatório de Gestão do exercício anterior, foi sempre a mais relevante (politicamente), porque era ali que se fazia o balanço do desempenho do executivo; e, por isso, era nesta reunião que a oposição tinha obrigatoriamente que fazer prova de vida - mostrar a sua capacidade para ser alternativa. Agora, tudo é diferente, penoso, chocho e insípido. A bancada do poder, historicamente aguerrida e até trauliteira, vai agora para ali como quem vai para um velório, com as principais figuras a remeterem-se praticamente ao silêncio, suportando estoicamente o enfado. A dita oposição, de onde desertaram os figurões, e agora resumida ao Conselheiro Acácio e às 2 – Marias, arrasta-se penosamente no seu labirinto, sem ânimo e sem âncoras, sem as corriqueiras recomendações. O tempo do PAOD (Período Antes da Ordem do Dia) fica pelo meio, e o Relatório de Gestão não chega sequer a ser discutido – despacha-se com uma cábula trazida no bolso.

Como é que se sai disto? - perguntarão alguns leitores. Não sai; só se desce. E perguntarão outros: … mas não há esperança? Há, mas não é nas nossas vidas.

21 de abril de 2025

FAZ&DESFAZ, NO CARDAL

O doutor Pimpão resolveu esburacar novamente o Cardal, para ali “criar uma praça central de táxis”, que, diz ele, “permitirá dotar a zona de todos os elementos necessários para o efeito…” – seja lá o que isso for. E garante – o que este profeta não garante! - que as obras avançaram “após um processo muito maturado e discutido, nomeadamente relativamente à localização da praça central de táxis, após um trabalho profundado em articulação com os taxistas na busca de uma solução definitiva e consensual”.



O Cardal foi durante décadas o poiso da Central de Camionagem local. Daí que a Central de Táxis também ali estivesse. Mas os tempos são outros, exigem outro pensar e outra forma de pensar a cidade. Com este disparate (Praça Central de Táxis no Cardal) a cidade regride duas décadas, fica mais disfuncional e desfigurada. Mas para embelezar a tontice, diz(em) que vão lá plantar umas árvores, que farão sombra aos taxistas. Nesta terra, assim se governa e desgoverna, se faz&desfaz obra, se cumprem promessas, e se continua a confundir carros com mobilidade, e árvores com paisagem.

O doutor Pimpão é um rapaz sem ideias ou com ideias velhas queimadas pelo tempo. Seria um excelente presidente de junta se não tivesse dinheiro para gastar e se limitasse a sua acção à diversão e à propaganda vazia e barata nas redes sociais, suas especialidades e passatempos preferidos. 

16 de abril de 2025

Autárquicas'25: sobrou pr'a nós o bagaço da laranja


As eleições legislativas que atravessamos vieram refrear qualquer ânimo autárquico, por estas bandas. Vivemos uma espécie de quarta-feira de cinzas prolongada, num jejum de acção política e abstinência participativa. Sem critério nem noção, os partidos mais expressivos vão pingando nomes para as Juntas de Freguesia, ora antes ora depois dos candidatos à Câmara.
Vão longe os tempos em que o trabalho político era levado tão a sério como merece. O que sucede em Pombal é um prolongamento do recreio que este último mandato imprimiu no espaço público, anunciado desde logo naquela tomada de posse de Pedro Pimpão, que de solene teve apenas a toalha de mesa. 
Em Janeiro passado, o PSD resolveu anunciar um candidato à Junta (na Redinha) mesmo antes do (re)candidato à Câmara. Depois seguiram-se outros, que avançam para segundas ou terceiras núpcias. Até agora não sabemos nada do candidato à Assembleia Municipal, se é que Paulo Mota Pinto ainda tem paciência para isto. Por outro lado, sabemos que há no PS um candidato ao cargo um pouco baralhado com as funções, a avaliar pelo caderno de encargos que apresentou na página do partido. Já do candidato à Câmara, não sabemos nada. Depois do estrondo do anúncio, quando era esperado que um estreante na vida pública -  como é o caso do médico Fernando Matos - se fizesse notar, por palavras e actos, do candidato do PS assistimos ao silêncio ensurdecedor. Uma espécie de cabeça de lista fantasma, que paira sobre eventos e reuniões, sem dizer ao que vem. Pensando bem, é um bom contraste com o profeta Pedro, que há-de achar "muito interessante esta partilha e estas dinâmicas".
O tempo está para profetas. Veja-se o caso do anunciado candidato à Junta do Carriço, equivocado no partido que lhe vai dar guarida. Está escrito na sua carta de apresentação que nasceu "numa família humilde, honrada e católica", foi acólito e catequista. O sonho de candidato para o CDS de 1976, se ainda existisse por cá. 
Nesta amálgama que povoa a lista dos candidatos já conhecidos com o símbolo do PS, há ainda o caso do candidato de Vermoil, que garante ter "suspendido" a militância...da Iniciativa Liberal. 
A política sempre se fez disto, da mudança de camisolas. Só que no tempo em que havia algum decoro - e alguma higiene nestas coisas - era fácil encontrar a excepção, porque havia regra. Agora é difícil perceber qual é a regra. 
Para cereja do bolo temos já marcada uma apresentação de candidatura: a de Carla Longo, à Junta de Freguesia de Pombal, em plena campanha para as legislativas. Não deixa de ser irónico que o PSD local, feito de profissionais da política (como é o caso desta recandidata) ainda recorra a almoços e jantares destes, como se tivesse novidades para mostrar. 

Sobra-nos, por estes andar, o bagaço da laranja. 

10 de abril de 2025

As Meirinhas não saem disto

Se há nesta malfadada terra uma malha urbana incaracterística e repulsivamente feia ela encontra-se, sem dúvida, nas Meirinhas. É difícil, senão impossível, encontrar por ali alguma coisa bela ou, pelo menos, harmoniosa à vista, tal é a amálgama disforme e disfuncional de aberrações e maus-tratos urbanísticos, irresponsavelmente praticados com premeditada ignorância e intenção ao longo de décadas.

Na segunda metade do século passado quase tudo era permitido, porque não existiam instrumentos de planeamento, regras urbanísticas claras e abrangentes e bons exemplos. Mas actualmente não se pode aceitar que se continuem a cometer os mesmos atentados urbanísticos, só porque é “tradição”.



Bem isto a propósito de umas edificações que têm surgido na dita terra, nomeadamente na Rua do Comércio, e que muito têm apoquentado os meirinhenses que se preocupam com a qualidade do espaço público, ao ponto de o presidente da junta ter participado a revoltante situação à câmara e exigido a obrigatória fiscalização.

Mas parece que tudo vai acontecer como previsto. Terra onde não há rei nem roque, prevalece o desenrascanço e o oportunismo.

2 de abril de 2025

Pólo do Conhecimento – mais uma tontice pombalina

Num dos pasquins que alimenta, o dotor Pimpão fez passar a informação que o projecto do Pólo do Conhecimento, a erigir no Casarelo, está quase pronto. Os despesistas são assim: dinheiro em caixa (proveniente do empréstimo recentemente contratado) dinheiro torrado... Compreende-se. Os pacóvios admiram o que não têm, mas nada fazem para o terem. Na verdade, não há absolutamente actos “desinteressados”, e nada é mais terrível (para as comunidades) que ver a ignorância em acção. Mas do IPL esperava-se um bocadinho de juízo (prudente) e de racionalidade. 



É inegável que o município precisa de conhecimento (aplicado) em diversas áreas críticas, nomeadamente em matérias da boa-governação. Mas não precisa de mais “elefantes-brancos”, abandonados ou subutilizados, tais como o CIMU-SICÓ, a Casa da Guarda Norte, a Casa Mota Pinto, a Casa Varela, o Centro de Negócios, o Celeiro do Marquês, a Quinta de Sant`Ana,etc., e as dezenas de edifícios ilegais (sedes de associações e outros) e de equipamentos desportivos e de lazer abandonados (ringues, parques de merendas e outros). 

Desde os primórdios da economia se sabe que o uso de um objecto determina seu valor. O Município de Pombal comprova-o na plenitude - tem sido uma máquina trituradora de valor. Nas ditas ciências-sociais não há nada tão profunda e objectivamente estudado e teorizado como as matérias de Análise e Decisão de Investimentos; mas por cá continua a confundir-se investimento com despesa, valor com desperdício, análise com opinião, decisão com palpite. Por conseguinte, apesar da doentia naturalidade das coisas que nos vão sucedendo, é absolutamente inacreditável que durante quatro décadas, três presidentes e vários executivos, não se tenha conseguido dar vida/utilidade - valor para a comunidade - a nenhum dos avultados “investimentos” realizados, salvo a honrosa excepção da Biblioteca Municipal. 


1 de abril de 2025

A lenta agonia do centro histórico - e desta cidade

 



Entre 1999 e 2008 vivi mais tempo no centro histórico de Pombal do que na minha rua. Já então se anunciava um certo declínio daquelas artérias, mas ainda abriam alguns negócios, dando continuidade a uma época em que o comércio  - e serviços - passavam por ali. 

Quando Narciso Mota apostou tudo no parque subterrâneo e empedrou por completo a Praça Marquês de Pombal, despindo-a de árvores, só se aproveitou a retirada dos carros. Na altura, que havia jornais e crítica, que ainda não estávamos tomados por esta unanimidade bacoca, por esta letargia (sim, nós tivemos uma Associação de Defesa do Património Cultural, por exemplo) muito se desancou naquelas obras. Viriam outras piores, quando se substituiu a calçada das ruas por estas lajes, por exemplo.

Cometeram-se muitos erros no centro histórico, nos últimos 30 anos - que afastaram dali as pessoas, os habitantes e o comércio. Não mais me esquecerei do dia em que, tão contentes por estarmos a ocupar um espaço numa zona nobre e promissora (as zonas históricas despontavam para a animação, por todo o país) instalando ali a redacção do d’O Eco, entretanto renascido, vim à rua perceber que placa era aquela que uns trabalhadores da Câmara estavam a colocar na Igreja do Carmo. 

Era a nova casa mortuária. 

Poucos anos antes, o então vereador da Cultura, Gentil Guedes, redescobrira a praça. Foi ali que os Silence4 deram um memorável concerto. Era ali que ele sonhava esplanadas e bares.

Ainda hoje, nos espectáculos do festival Sete Sois Sete Luas, não há quem não se impressione com a acústica daquela praça. 

Nesse tempo já tinham fechado bares como o Missa das 9 ou o Palumbar, ou a hamburgueria no primeiro andar da rua Miguel Bombarda, de cujo nome não me lembro. Mas aquela viragem de década trazia um novo alento: o jornal, no Largo do Carmo, o Projecto Jazz (antigo bar do Cais), na Rua do Cais, a cafetaria da K de Livro, a livraria que ficou na memória colectiva, junto àPraça. Permanecia o sapateiro, a mercearia da Natália, e as históricas lojas como a sapataria Mónaco ou a Pereira, a da Singer, a do Cacho, a Ourivesaria e Óptica Ramos, entre outras. A porta sempre aberta do senhor João das Farturas, o senhor António Serrano à varanda (que dor aquilo que os novos donos fizeram à casa, transformando-a em apartamentos), a D. Natália a puxar pelo carrinho de compras com todos os ingredientes para os rissóis, o cheiro aos ‘russos’ da D. Clotilde. E ainda os serviços do IEFP, a Junta de Freguesia, mas também o primeiro franchising de roupa de criança, onde mais tarde se instalou o único negócio que resta do programa Porta Aberta: a Mercearia da Praça. O Celeiro do Marquês (então chamado Centro Cultural, onde até funcionou uma delegação do Instituto Português de Arqueologia), a cadeia a virar museu, nesse patológico fascínio pelo Marquês. Menos mal, ainda assim.

Não foi por falta de dinheiro que o Centro Histórico definhou. A Câmara comprou edifícios, fez obras, gastou, como é hábito, mundos e fundos. Foi mesmo por falta de estratégia, de uma ideia, de um pensamento para aquela zona - e para a terra. Depois de Narciso veio Diogo, e depois dele veio Pimpão. Ninguém foi capaz de virar o jogo. 

A presidente da Junta de Freguesia, Carla Longo, sabe disso. Vai-se esforçando para fazer ali alguma coisa, mas tem consciência de que os eventos esporádicos (como a comemoração do Dia Nacional dos Centros Históricos, no fim de semana passado) mais não são do que um penso rápido para tapar uma doença crónica. Na tertúlia que organizou, ao final do dia de quinta-feira, para debater o assunto,  ficou bem patente uma parte do problema: a crónica falta de interesse e participação do público, que explica a inexistência de uma sociedade civil em Pombal, e o desfasamento da realidade por parte dos dirigentes associativos. Quando o presidente da Associação de Comerciantes ainda acha, em 2025, que a falta de pessoas se resolvia com uma loja da Zara ou um MC Donald...estamos conversados. 

Mas o que é verdadeiramente triste é a falta de horizonte. A poucos meses das eleições autárquicas, o debate não suscitou interesse nem para a classe política que quer ocupar cargos públicos. Assim como não põem os pés em qualquer iniciativa que ali aconteça, a não ser os do poder, que são “obrigados”, para discursar ou entregar lembranças. 

Enquanto acharmos que está tudo bem, que somos os maiores (e os melhores!), com medo de encarar a realidade de frente, não passaremos do concelho que consegue ombrear com os do interior profundo na perda de população. As lojas continuarão a deixar as ruas da zona histórica, afunilando a cidade até ao Cardal, fugindo para a avenida, correndo atrás de quem ainda passa. De porta fechada ao sábado e domingo, mesmo que seja um fim de semana de eventos, como era o último.

E sem pessoas, nem massa crítica, seremos cada vez mais a terra de passagem.