19 de maio de 2025

Chega? Ainda não.




Quem se senta numa qualquer esplanada de Pombal e ouve as conversas, quem anda na rua, quem entra no comércio, quem aqui vive, não acordou hoje surpreendido com estes resultados. Estamos (finalmente) em linha com a média nacional no que toca aos votantes no Chega, embora aqui tenhamos começado com avanço. Estão em todo o lado, em todas as comunidades, em todas as famílias. Juntos, formam um bolo que cresce à custa de vários ingredientes: há os saudosistas do fascismo e das colónias, admiradores de Salazar, mas há também muitos que não sabem sequer o que é a ideologia. São apenas revoltados com a vida que lhes calhou em sorte, gente que noutro tempo encontrava em partidos de esquerda uma âncora, que votava neles em protesto contra aquilo que - achávamos nós - era a Direita. Juntemos ainda os desiludidos com outras ideologias. É desses todos que o astuto Ventura se alimenta e cresce, falando-lhes ao jeito, dando corpo àquilo que o escritor Vicente Valentim chamou em livro "O Fim da Vergonha". Porque até há pouco tempo, tinham vergonha de dizer que pensavam assim. Mas isso acabou. Da próxima vez, não haverá pudor em dizer às empresas de sondagens o verdadeiro sentido de voto. E nessa altura o partido terá de arranjar novo bode expiatório. Por agora, descansem: o Chega diz que não vai atrás de ninguém. Isso será depois. 

A ironia desse voto de protesto num partido de extrema direita que, afinal, normalizámos, é que está assente naquilo que condena: o 25 de Abril, a Constituição, a liberdade. Ao mesmo tempo, vão desaparecendo do mundo dos vivos os que sofreram às mãos da ditadura. A escola falhou em toda a linha quando não explicou o que era e como aqui chegámos, e escusam de pensar nas famílias porque essas estavam muito ocupadas a ganhar dinheiro, umas para enriquecer, outras, muitas mais, para pagar a casa, o carro, as contas do supermercado. Não sobrou espaço para nada, tão pouco para o envolvimento cívico, muitas vezes sequer para votar. A maioria nunca foi a uma assembleia de freguesia, ou mesmo a uma assembleia geral da associação da terra. Alguns nunca tinham votado. Chegados a 2019, eis que um homem se anuncia como o Messias para salvar Portugal. Nessa noite eleitoral em que foi eleito pela primeira vez, André Ventura profetizou que em oito anos seria Primeiro-Ministro. E esse é o próximo passo. Talvez não seja má ideia que isso aconteça rapidamente. Às vezes o povo precisa de terapias de choque. As primeiras vão surgir já nas eleições autárquicas.

Mas voltemos a Pombal. Sem surpresa, o PSD (ok, chamam-lhe AD) ganha, com ligeiro aumento de percentagem e número de votos. Mas está longe da supremacia de outros tempos na maior parte das freguesias, com o Chega a morder-lhe não só os calcanhares como a disputar eleitorado. Há pouco mais de uma década o PSD ganhava em diversas freguesias entre os 70 e os 80% dos votos. Agora, restam-lhe as freguesias de Abiul (54%), Carnide (56%) e Meirinhas (50%) para brilharete. O Chega atinge ou supera os 25% de votação em várias (Meirinhas, Vila Cã, Carriço) e no resto anda entre os 20 e os 25%, números que, aqui, o PS deixou de alcançar há muito. O PS: já nas eleições de 2024 ficara atrás do Chega, mas desta vez ficou reduzido a menos de 15% dos votantes. Pouco mais de 4.200 votos. O mal menor acontece na malha urbana (freguesia de Pombal), onde a AD tem a sua vitória mais magra. 

Uma nota final para a realidade paralela em que parecem viver os nossos actores políticos: Pedro Pimpão veio às redes dizer ao povo que faça "a sua análise", "as suas reflexões" e que tire "as respectivas conclusões". Partimos do princípio que também vai fazer as suas. 

Porque o Chega não é o companheiro fofinho que o PS foi para o poder nos últimos anos. 

4 comentários:

  1. O PS de Pombal meteu-se numa bolha de utopia. O líder que alinha chakras é fraco e inepto. Em Outubro, com sorte elegemos um Vereador e podemos até ganhar uma freguesia e na AM corremos o risco de ficar atrás do PI+IL. Ouvi ontem que o IL e o Pombal Independentes vão coligados.

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  2. Paula, sinceramente gostei do seu comentário porque apesar de tudo espelha bem o seu sentir. Mas embora eu não comungue das suas conclusões sempre lhes reconheço o mérito de defenderem o o desalento e a tristeza de quem se habituou a ver a evolução social pela via socialista e agora vê outras opções e visões a prefigurarem-se na realidade próxima.
    Os anos permitem-me a mim já recordar a crónica oposição à mudança pelos mais velhos quando viam alguma coisa passar a ser diferente.
    Ora, desde o 1974 já mais de 50 anos passaram e as realidades e aspirações de antanho eram outras bem diferentes das de agora embora as típicas das dificuldades de vida e da ambicionada riqueza que tarda em aparecer se mantenham atuais e manterão, também porque a sociedade cresce a um ritmo superior ao da distribuição mais equitativa.
    Porem, há uma série de apreensões e aflições com a segurança e futuro mais garantido que colocam os indivíduos em alerta para votarem em opções diferentes das que até agora conheceram porque as atuais já provaram que até agora não serviram.
    Uma mudança e a votação em alternativas, mesmo que mais fraturantes e com propostas mais musculadas, apenas dão respaldo às tais angustias existentes na população que vê nelas a possibilidade de se sair do marasmo em que nos encontramos.
    Na Itália também já houve vitoria da direita e não me consta que por lá tenha regressado o fascismo ou a intolerância politica.
    Cada época coloca as suas interrogações e em cada uma o melhor é tentarmos ver de que forma cada proposta nos pode ajudar a melhorar a sociedade em vez de embarcarmos em sobressaltos de horror por vermos alterarem-se as visões dos atuais cidadãos e termos de percorrer caminhos políticos diferentes daqueles a que estávamos mais confortavelmente habituados.
    Não vislumbro tenebrosos horizontes nem tempestades politicas aniquiladoras, apenas que o futuro diferente está já a acontecer agora e, como dizia o outro,
    Habituem-se.🌹🌹🌹

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  3. Os resultados eleitorais das eleições legislativas de 2025 evidenciam o insucesso e as fraquezas de toda a Esquerda. Mas nem perante esta hecatombe eleitoral, os presunçosos “esquerdistas” e os falsos “democratas” enxergam o óbvio... Preferem insultar o Ventura e, pasme-se, os votantes no Chega, nas redes sociais e nas caixas de comentários. Deus lhes perdoe.
    Sempre considerei o Chega um epifenómeno político que se autodestruiria com os seus excessos e escândalos. Enganei-me. Apesar de isso ainda poder acontecer num futuro mais ou menos próximo, uma coisa é certa: o Chega, por mérito próprio e demérito de toda a Esquerda (e não só), já provocou uma transformação sociológica profunda no panorama político, nomeadamente no Sul e Centro do país. Isto aconteceu por duas razões fundamentais: os últimos governos não souberam responder às expectativas e anseios da população, governaram para as estatísticas e para as sondagens, e o último ia pelo mesmo caminho; e 2 - os partidos de esquerda não souberam ou não quiseram combater o André Ventura. O PS (A. Costa) por mero tacticismo político e o BE pela habitual arrogância ideológica proporcionaram as condições ideais para A. Ventura expor as fraquezas e os problemas do regime, semear o descontentamento e acicatar o ressentimento. O resultado está aí para quem o quiser ver: o meio Portugal que sempre votou PS e PCP votou maioritariamente no Chega.

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    1. Ora cá está um honesto e lúcido comentário amigo Malho.
      Gostei do epíteto "presunçosos esquerdistas" porque assenta que nem uma luva a quem de habituou a ver e defender a esquerda como o estado natural das democracias...
      Eu apenas relato assim o meu comentário: NEM MAIS!
      Abraço

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