1. Porção substancial do
meu gosto em frequentar, como leitor, o Farpas
– decorre do que por aqui vai de gente que sabe o que quer, o que diz e o que
pensa. Nós, farpistas, chegamos a
subir ao cume e ao cúmulo de contar entre nós juristas, essa gente oficial
oficiosamente tida como mais apta a receber do que a dar. É sobre um deles que o
primeiro ponto da crónica de hoje vai, a golpe de asa embora breve, versar. Trata-se
do doutor João Paulo Henriques Marques.
É figura perigosa, até fisicamente: tem qualquer
coisa de Elvis Presley, apesar dos olhos claros. De sobremeã estatura, roupa
decente e mãos lavadas, enganará o mais incauto mesmo sem abrir a boca fresca.
Matrimoniou-se com uma rapariga bonita como uma fada em história de lobos que
não são maus. Têm-se agora, ele & ela, em dois filhos: o Joaquim e o
Manuel. Ora, estes dois nomes (ou antes: a escolha destes dois nomes) dizem
tudo sobre o doutor João Paulo Henriques Marques. Eu explico: é a questão da
portugalidade.
O doutor João Paulo Henriques Marques é das
coisas (por assim dizer) mais portuguesas que conheço. Ele não é nenhum doutor
João Melo Alvim (João também e também advogado, p’x ’tá claro), que sempre que
pode vai saracotear a pevide às venezas, às barcelonas e agora até às lisboas,
onde outro pombalense também João, o Pessa, esparge o encanto gentilíssimo da
educação com que se aleitou de sua, dele João Pessa, mãe. Mas isto é já muito
tergiversar. A Henriques Marques retornemos, por favor.
Tetraprotomegahiperjumboneto de outro Henriques
(o D. Afonso, rex primus de Portugal),
o doutor João Paulo Henriques Marques é tido (e reconhecido) como barra na
barra e varão na vara (a tribunalícia, que não a pecuária, atenção!). Senhor de
excelente ortoépia, vence casos que uma deficiente argumentação (à la Joaquim Branco, por exemplo)
poderia deitar a perder. E tudo pela não simples razão de, casado com a formosa
e segura Verónica, ser genro de Laureano e ser pai de Joaquim e ser pai de
Manuel. A tal coisa da portugalidade.
Eu, que o conheço mais do que o onicófago
conhece as próprias unhas, sei tudo acerca dele. Eu sei, como até agora ninguém
sabia mas vai ficar a saber, por que motivo os verónicos filhos dele se chamam
Joaquim & Manuel – é porque o doutor João Paulo Henriques Marques é um
comunista lanceolado tingido de democrata-cristão. É, é – ou seja e por outras
mais claras palavras: o doutor João Paulo Henriques Marques é gémeo (mas em
cabelo) do doutor Adelino Leitão, que também é comunista por causa do Sporting
e também democrata-cristão por causa da vivenda sumptuosa que tem ali às
Flandes. Sigamos e prossigamos, porém.
Ele há outra coisa que extrema a perigosidade do
doutor João Paulo Henriques Marques. Esta aqui: adora poesia. Ora, eu não sei
de mor agravo para a regular cordura das relações humanas do que o amor pelos
versos. E versos portugueses, naturalmente, que ele sempre (mas sempre), a meio
da segunda imperial, imperialmente desata a dizer de cor – e às cores. É cena
que arremeda um outro doutor, o médico pombalense Adelino Correia, que é talvez
o homem mais bondoso da Península Ibérica e arredores. É um caso grave, o caso
do doutor João Paulo Henriques Marques, senhora juíza: um advocatum saber hemistíquios, cesuras, alexandrinos, tónicas,
interpoladas, adágios de mote & tristuras de volta. O doutor João Paulo
Henriques Marques é um José Carlos Ary dos Santos que vai à missa! O doutor
João Paulo Henriques Marques é um fã do Fernando Touro da Tourada que não gosta do Carrasqueira de Abiul! O doutor João Paulo
Henriques Marques é como aquele célebre caso do operário comunista do Barreiro
que, casado por amor com certa fervorosamente católica senhora, nos tempos da Outra Senhora, decidiu chamar ao
primogénito de ambos este nome maravilhoso: Estaline de Jesus. Eu atrevo-me até
a aventar um desejo onomástico: no caso (auspicioso) de ele, doutor João Paulo
Henriques Marques, voltar a substanciar-se eternidade com a incomparável uxor (que “esposa” significa, em latinório) Verónica chamada (e cuja natural
bondade só à do milho pode ser comparada), isto é, se ele & ela voltarem a
procriar em prol de sua/deles prole, nesse caso eu exijo que o/a nascituro/a se
chame cois’assim: ou José Mar, ou Maria Engels, ou Lourdes Brecht, ou La
Salette Cunhal, ou Maria do Patrocínio Maiakowski – ou Tó-Zé Seguro. É o
mínimo, meter o filho no seguro, que não ao barulho.
O doutor João Paulo Henriques Marques é, como
aliás e supra deixei dito, uma perigosa efígie da nossa praça. Tem banca de
tabelião legalista no mercado de Pombal. Leu. Sabe e diz Direito. Diz e sabe
Poesia. Cuidado com ele. Por mim, só me resta confessar que gosto muito dele.
Ele é daquele tipo de homem que me faz sentir muita pena de, eu, não ser
homogajo. Fosse-o eu – e nenhuma Verónica filha de Laureano mo usurparia. Ámen.
(Para ele
vão os versos do ponto 2.)
2. POMBAL
TUDO MENOS TIRAR OLHOS
– um poema
dedicatório longamente adiado
Caça-me cedo a madrugada na ponte do Arunca
que pedra torna o Tempo, as gerações.
Aqui não nasci mas daqui sou, que alhures eu
nunca
fiz tantos amigos em outros tantos corações.
Gente humílima, alguma há, não assim tão pouca.
O frango é bem assado, assim também o
entrecosto.
A Casa Cor-de-Rosa reluz qual morango em boca
de criança antiga como a Pérgola, a gosto
de todo o ser vivente que a haja mirado.
Da Agorreta à Senhora de Belém, muito cuidado:
que por aqui existe povo meu mui amado!
Moro ora perto, mas longe de mais.
Não tenho já vint&poucos anos, o Bar do Cais
fechou, como tudo um dia, portas. Então, sais
de ti fechado adentro, vais pela do Mancha-Pé,
passas a U-13, um copito desces no Cardigo.
Ao balcão, há sempre o saudar de algum Amigo.
Fala-se do tempo que (se des) faz, ó meu
“Tó-Zé”.
Pombal é boa gente. Nem toda é “caça-fraca”.
Atira-se pedrinhas numeradas, viver é o
jogo-da-macaca.
Tenho saudades de estar vivo em Pombal:
afinal, é o sítio-síntese do País de nome
Portugal.
3. Pronto, resolvido o CASO DOUTOR JOÃO PAULO HENRIQUES MARQUES
com uma versalhada a preceito, tempo é de, cronicando sempre, rumar à questão
da limitação de mandatos. Tenho uma expressão simples: é uma lei de merda. Não
se lhe entende o espírito, não se lhe descortina o objectivo. Porquê? Porque
foi mal feita de propósito. Se até ao Presidente da República é imposto o
claríssimo limite de dois mandatos consecutivos, por que raio tal clareza
cerceante não há-de ser imposta aos autarcas? E, já agora, porque aborto
aturamos (e sustentamos) o carnaval permanente da Madeira, essa pérola atirada
aos mesmos porcos há três décadas? Estou careca de saber que, se Narciso
pudesse ser Alberto João, nunca acabaríamos, nós Pombal, de chegar à Madeira. O
meu belo Brecht é que acertou na mouche
quando poetou assim (cito de cor): “Não é
de eleições para mudar de governo que precisamos. É de eleições para mudar de
povo.”
4. Agora, a questão dos
Anónimos aqui no Farpas. Não há como
evitá-los. Criar uma identidade falsa na internet é batatinhas. Atente-se no
caso do “Antonio_Jose” (que ele
escreve sem acentos porque é burro). Acabei, sem o demandar, por saber quem é.
Sim, já sei quem é. E tive pena. Muita pena. Trata-se de um homenzinho (afinal
só “zinho”) que conheço desde menino.
Sempre simpatizei com ele. É, inclusivamente, ferrenho incondicional do meu
Benfica. Decepcionou-me, o “Tó-Zé”. Tem feito por aqui comentários que só a ele
rebaixam, a mais ninguém. Esperava outra hombridade dele. Outra gramática
também. E outra ética. Ele agora sabe que eu sei.
(Eu que também sou pseudónimo, porque na verdade
isto é escrito pela Paula Sofia Luz, eu só o nome.) E quando nos encontrarmos,
um destes fins de tarde das sextas no “Corredor-da-Morte”,
vulgo balcão da Cervejália, os olhos dele hão-de, inquietos, querer confirmar,
na água dos meus, se eu sei mesmo ou não. Sei. E em conversas privadas (aqui
não, por respeito à gerência) vou dizer a toda a gente quem é(s).
5. Termino por ora com a
questão da inexistência de jornais impressos na sede de concelho. Tem sido um
forrobodó acomodado para o poder local vigente. O deserto é de tal clamor, que
uma pessoa chega a sentir saudades d’O
Abutre ou de A Voz do Arunca. Uma
terra sem jornais é sítio que menos sabe e desconhece (de) mais. Bem-dito (e
feito…), pois, ó nosso Farpas! Que a
uretra nunca te doa! Que as gónadas jamais se te inflamem! Até para a semana, ó
boa gente, em crónica que vos trará as últimas sobre a geminação Henriques
Marques/Adelino Leitão e sobre o mais que a Paula Sofia Luz me mandar escrever.