Segundo o eminente sociólogo Boaventura Sousa Santos "só comemoramos o futuro. O que, num dado momento, se comemora do passado é o que se elege para o futuro". Cabe-nos hoje comemorar os 35 anos da revolução de 25 de Abril de 1974.
As revoluções, todas as revoluções, contém em si elementos de ruptura e de continuidade. Hoje, ao comemorar a revolução, estamos principalmente a comemorar a ruptura entre a sociedade actual e aquela que existiu no passado. O discurso apologético da ruptura tende, muitas vezes, a esquecer as continuidades. No entanto, elas existem e a sua referência é cada vez mais usual na boca do cidadão comum. É muito frequente ouvir, nos dias que correm, em pessoas de todos os quadrantes políticos, um discurso que enfatiza as continuidades. Para a direita, o Salazar não era tão mau como o pintavam e a sociedade não era tão amorfa como se possa fazer querer. Para a esquerda, as pessoas que hoje exercem o poder são as mesmas "do antigamente" e, como tal, a sociedade actual é igualmente injusta e autoritária.
Um antigo deputado municipal do PSD do nosso concelho afirmou publicamente que "o 25 de Abril marcou o início da destruição de Portugal". Façamos então um flashback até ao seu glorioso Portugal de então. Quem não se lembrar e preferir uma visão poética da mesquinhez que era o nosso país em vésperas da revolução de Abril de 1974, convido-o a ler Alexandre O'Neill, poeta já referido neste blogue. Não é necessário, no entanto, convocar os poetas! A inexistência de luz eléctrica a 2 km de Pombal, por exemplo, era uma realidade bem mais prosaica. Os 300 alunos do ensino secundário em todo o concelho aliados à maior taxa de analfabetismo de todo o mundo civilizado contribuíram para que todos nós tenhamos uma deficientíssima relação com a cultura e com a educação. Cinquenta anos de um regime que encarou a cultura e a educação como meros instrumentos para servir o próprio regime, tiveram o condão de "deitar ao lixo" sucessivas gerações. Vivia-se num país de 10 mil habitantes e não num país de 10 milhões, como hoje se pretende! Quem acusa o actual sistema de ensino (e com muita razão, na maioria das vezes), não se pode esquecer desse pormenor. Hoje queremos educar 10 milhões; ontem só queríamos educar 10 mil. Provavelmente ainda estamos a aprender como é que se faz.
Mas uma das maiores conquistas de Abril foi a de alterar radicalmente o papel da mulher na sociedade. A ditadura apenas confiava às mulheres a função de ser “a ânfora maravilhosa onde a vida se renova”. Num artigo publicado no Eco em 2003, referi que, segundo o código civil de então, "a administração dos bens do casal, incluindo os próprios da mulher e os bens dotais, pertence ao marido, como chefe de família". O conceito de chefe de família faz hoje parte do passado e o papel subalterno da mulher é inaceitável para as novas gerações. Enquanto a ideologia salazarista tudo fazia para que a mulher sentisse a sua inferioridade como um privilégio, quase uma benção divina, os ideais democratas pugnam pela igualdade e pelo respeito mútuo.
Viva o 25 de Abril! Vivam todas as portuguesas! Um beijinho para a Paula Sofia :-)