"E na epiderme de cada facto contemporâneo cravaremos uma farpa: apenas a porção de ferro estritamente indispensável para deixar pendente um sinal."
30 de novembro de 2019
29 de novembro de 2019
Quinta de Sant`Ana, o maior desastre
A CMP vai entregar a Quinta de Sant`Ana a troco de 2.020 euros mensais, durante 20 anos. Na verdade, não será bem assim: nos primeiros 5 anos a câmara não receberá nada, porque o empresário abate a renda ao investimento na quinta até ao montante de 100.000 €. Se durante os primeiros 5 anos abandonar o negócio a câmara (Nós) não receberá nada.
O concurso internacional, com vídeos e campanhas de promoção caras, atraiu unicamente duas propostas, de baixo valor e sem qualquer projecto hoteleiro/turístico. A adjudicação é um tiro no escuro, e sem retorno (significativo).
A oposição limitou-se, como de costume naquilo que é importante, a observações vagas, a manifestar estados de espírito, e a lavar as mãos com a habitual abstenção.
A compra da Quinta de Sant`Ana foi um mau negócio; e a despesa lá realizada, ao longo de vinte e seis anos, ascende a muitas centenas de milhares de euros – Diogo dixit. Estamos perante o maior desastre económico de que há memória em Pombal. A custo actual a câmara já meteu naquele negócio mais de 2.000.000 €, sem retirar praticamente nada.
Mas Diogo Mateus está empenhado em somar a este desastre, outro de que é o principal responsável: o CIMU-SICÓ. É obra!
27 de novembro de 2019
A Mercearia do Cidadão
A ideia até parece ser boa! Juntar
vários serviços num mesmo espaço, com o objectivo de proporcionar ao cidadão a
possibilidade de resolver vários assuntos no mesmo sítio.
Contudo, a Loja de(o) Cidadão não
passa de um bonito espaço transformado numa…..coisa mal amanhada
(arquitectónicamente falando)!
Além da pouca luminosidade, sofre de muitas
enfermidades: o atendimento confidencial dos cidadãos é manifestamente
comprometido. Salas de espera ao lado de gabinetes de atendimento (acção
social, IEFP e juntas médicas), onde a sonorização do
espaço está comprometido e o cheiro nauseabundo a esgotos é das queixas
frequentes de quem lá trabalha e de quem recorre aos serviços!
Numa altura em que andamos todos
preocupados com a protecção de dados e de como fazer cumprir a lei, não parece
ter havido a mesma preocupação em relação ao atendimento ao público nestes
serviços.
Acho mesmo que quem projectou e
quem fiscalizou desconhecia que tipo de serviços o equipamento ia albergar e os
serviços que lá se instalaram, não fizeram chegar (digo eu) a quem de direito
que o mesmo espaço não satisfaz os mínimos requisitos exigidos para o
atendimento ao público: privacidade e confidencialidade.
Mas será que em Pombal não se
consegue ter uma única obra de jeito????
P.S.: Tive agora conhecimento que caíu um
pedaço de tecto, de um gabinete médico, no Centro de Saúde. Obras tortas, tarde
ou nunca se endireitam!
OPA bufa
Em 2/9/2016, escrevi, aqui, que “A câmara de Pombal é um caso extremo de dinheiro a mais e ideias a menos”; e acrescentava: “A última “brilhante” ideia é uma OPA sobre a floresta. Por várias razões, a OPA não terá sucesso. E ainda bem que não o terá. Se o tivesse transformava um problema em dois, não resolveria o problema do ordenamento florestal e, se houvesse grande adesão e um investimento significativo, colocaria em risco a sustentabilidade da câmara. Logo, não é para levar a sério, é mais um show-off próprio de campanha eleitoral”.
Ficámos agora a saber, pela voz do brilhante ex-vereador com a pasta das florestas e do presidente da câmara, que a OPA florestal morreu. Na verdade, nunca existiu. Serviu unicamente para encenação política, para a política do retrato, e para uns créditos (caros) para uma bandeira ou medalha qualquer.
E assim vai Pombal, cantando e rindo, gastando e desperdiçando, de insucesso em insucesso, até à letargia geral.
PS: A desgraça de Pombal – estou farto de o afirmar – é a coexistência de um poder político esgotado e uma oposição fraca, insossa e infértil, que até os erros apoia - apoiou esta insensata medida, e até bateu palmas.
26 de novembro de 2019
Obras tortas faz&desfaz
Toda a gente
que acompanha a vida pública local já percebeu que o Centro Escolar de Pombal é
o exemplo maior das obras-tortas. Mais: a denominação obras-tortas nasceu lá,
inspirada nas colunas tortas que cresciam dos caboucos (como aqui assinalámos).
Adivinhavam-se
os problemas. O que nasce torto, tarde ou nunca se endireita; neste caso, rompe,
parte, e mete água por todos os lados quando chove.
Ao problema
Centro Escolar junta-se o próprio vereador, que, coitado, ainda não percebeu o
problema, a sua origem, as suas causas. E nós também não o percebemos; não
percebemos as suas explicações sofridas, nem as acções.
Então, não é que agora (hoje), em plena invernia, quer substituir toda a tela da cobertura. Ponham
mão naquele santinho...E os garotos ao largo.
PS: As obras
dos Vinagres continuam sem fim à vista. O empreiteiro fura todos os prazos
acordados; e o vereador já nem submete ao executivo – como devia - pedidos de prorrogação
do prazo; limita-se a ter fé que o empreiteiro acabe aquilo, entretanto
(vale-nos o vereador ser um homem de fé).
25 de novembro de 2019
O outro 25 de Novembro
foto de uma iniciativa alusiva ao dia, em...Ansião
Uma tarja. Uma tarja comprida, larga, vistosa, de tamanho suficientemente grande para aliviar a consciência municipal no que toca à data de hoje: 25 de Novembro é o dia Internacional para a eliminação da violência contra as mulheres. Já se sabe que Pombal é mais dado a lembrar o outro 25 de Novembro, e que uns metros de lona vermelha com a inscrição da data é quanto basta para cumprir calendário. Ao lado, uns desenhos de crianças e uns cartazes de eventos passados.
Dantes a APEPI (que tutela na cidade uma casa-abrigo para mulheres vítimas de violência doméstica e um gabinete de apoio às vítimas) ainda organizava umas palestras, umas marchas, qualquer coisa que lembrasse o dia aos que vivem distraídos - e são muitos; há quem não imagine que esta cidade acolhe as dores mais fundas de mulheres e crianças, feridas abertas às vezes para sempre, que sangram nas escolas, nas tentativas de empregos, nas vidas das que ficam. Há quem prefira fazer de conta que por estes concelho fora (como no resto do país) não há violência contra as mulheres, e que por isso o tema não é suficientemente importante para merecer uma daquelas sessões que a Câmara gosta de fazer, no Café Concerto, mobilizando técnicos deste e daquele serviço.
Como não temos sociedade civil - e se não for o Farpas não há quem promova debates com independência - ficamo-nos assim pela tarja. Não vos basta?
Da vergonha
24 de novembro de 2019
Paradoxos pombalinos
Entaipam a cidade no período de Natal; depois enfeitam e iluminam o estaleiro.
Valha-lhes Deus Nosso Senhor.
23 de novembro de 2019
Serviço público
Na próxima sexta (29/11), sábado (30/11) e domingo (1/12), o TAP apresenta o seu “Lusíadas?” em três freguesias do nosso concelho, respectivamente, na Associação do Louriçal, no Salão Paroquial da Mata Mourisca e no Salão Paroquial de São Simão de Litém. Os espectáculos têm início às 21h30 e os bilhetes têm o preço simbólico de 1 euro. Está de parabéns o TAP por esta iniciativa de serviço público.
21 de novembro de 2019
CIMU-SICÓ – abandono total
Em Maio de 2017, a construção do CIMU-SICÓ parou; no dizer da câmara, porque a construtora abandonou a obra. No entanto, as obras já se arrastavam há mais de um ano.
A partir daí, a obra foi deixada ao abandono total: sem vedação e sem qualquer vigilância - colocando em risco as crianças (vale, que por lá não há muitas!).
Recentemente a câmara lançou novo concurso. Ficou deserto. Fica definitivamente demonstrado que aquela obra - de mais de dois milhões de euros - não interessa a ninguém, nem às empresas de construção.
Perante os factos, só resta uma solução: demolir. Mas faltam duas coisas (raras): honestidade e coragem, para reconhecer o erro e para deitar abaixo.
Diogo: não deixes o berbicacho para o teu sucessor.
19 de novembro de 2019
Por ti, a inquiteção
Um dos nossos maiores morreu hoje, aos 77 anos.
Ninguém cantou tão bem a Inquiteção como ele. Deixa-nos tanto, em música, vida e obra, que seria atrevimento aqui dissertar sobre a grandeza tamanha. De Pombal, contou com o cartaz do Rui Cavalheiro e com a colaboração do Calika no generoso filme "Mudar de Vida - José Mário Branco, vida e obra".
Daqui, contará sempre com isto de nós. E para o resto.
18 de novembro de 2019
Os visionários
Nunca me canso de repetir que Pombal esteve bem ao aderir à associação Artemrede. Já antes havia felicitado o executivo de Narciso Mota aquando da decisão de integrar a Cultrede, uma associação congénere que penso estar inactiva. Como aqui disse, para além da rentabilização de recursos, este tipo de estruturas em rede possibilita disseminação de boas práticas de programação e gestão cultural, bem como a itinerância de projectos artísticos de qualidade, impossível de concretizar noutro contexto.
O caso da Artemrede é particularmente interessante pois, para além da programação cultural, tem outras vertentes que merecem destaque. Uma delas é a questão política. Eu não sei se a nossa Autarquia se revê nos documentos que assinou nos sucessivos Fóruns Políticos em que participou mas, se assim for, fico ansioso pelo que aí virá.
Outro ponto interessante da actividade desta associação de municípios é o projecto Visionários. O ideia consiste em convidar todos os cidadãos (é uma iniciativa totalmente aberta) a poder participar activamente programação cultural do município. Em Pombal, os Visionários foram os responsáveis por parte da programação do Teatro-Cine durante o mês em Novembro e, diga-se em abono da verdade, foram muito felizes. Parabéns ao Roque, ao Nuno - e a todos os outros que não conheço - por não ficarem em casa, por se juntarem e pela generosidade das suas escolhas.
Mas mais do que apenas espectadores/visionários, queremos cidadãos participativos da cena cultural. Para isso, há que fortalecer a rede de actores locais, gerar massa crítica, dar vós aos que se dedicam à música, ao teatro e à dança, mas também aos que escrevem romances, poemas (ou apenas os lêem), aos que se exprimem através das artes visuais ou do cinema, mas também aos que promovem eventos, aos que juntam pessoas e a todos os que acreditam que a cultura é também a exigência de um modo de vida e a necessidade de comunicação.
Como apontou Madalena Victorino, prémio Universidade de Coimbra, no documento final do 3º Fórum Político da Artemrede, que decorreu no passado mês de Maio, em Pombal: "É nos universos e imaginários artísticos que reside uma riqueza excepcional de visionamento de uma vida cheia de possibilidade, de tolerância e de amplitude. A cada cidade cabe reinventar a sua cultura. A sua identidade cultural e artística". E este é um desafio para todos nós.
16 de novembro de 2019
De como o Príncipe distribuiu as comendas e ficou com as honras
Três dias antes o do dia do Reino (o mui santo dia de São Martinho), por haver que atribuir comendas a benfeitores que se houvessem distinguido, o Príncipe mandou chamar os do seu conselho ao Convento de Santo António. Todos os estimáveis conselheiros marcaram presença: o comendador das Meirinhas, o doutor coiso, a doutora da Guia, a doutora das Mouriscas, a marquesa Prada, a Educadora-mor, o ministro das Obras-Tortas, e o conselheiro Jota; mui bem assistidos pelo fiel-escudeiro e pela escrivã-mor.
O Príncipe iniciou as práticas com uma arenga mui bem-feita, com grande solenidade, ordem e regimento, tudo em grande perfeição, e bem conforme ao caso. No final, Sua Alteza deu fala aos conselheiros, que mostraram grande descrição e mui singulares virtudes.
Iniciou as falas o conselheiro Jota, que destoou um pouco mas sem atingir o desprimor e a fogosidade habitual, ao propor ex-deputado da Nação e actual regedor da vila e a noviça actriz de novela oriunda do oeste; figuras que, apesar de mui principais, doutas e afamadas, não poderiam agradar ao Príncipe.
Destoou também a doutora das Mouriscas, não pelo estilo, sempre dócil e delicado, mas pelo atrevimento nas propostas, ademais e a muito a desagrado do Príncipe, ao propor o cônsul português em terras gaulesas, a caridosa doutora benzinho, a cozinheira do risoto, e outros.
O comendador, que não é homem de grandes finezas e lealdades, esteve mui discreto e em grande sintonia com o Príncipe; o doutor coiso não acrescentou coisa que para este escriba mereça registo; e a doutora da Guia esteve, como habitual, silenciosa e portentosa.
O Príncipe a todos ouviu, e com muita atenção. Depois, com palavras mui sábias e muitas razões, rejeitou as propostas por serem de figuras que fazem coisas mais a solto do que deviam, ou sem benefício para o reino, ou por razões de serem figuras sem real condição ou merecimento. Dito isto, silenciou por momentos, para dar entrada dos devidos arrimos; que vieram unicamente da Educadora-mor. Feito o compasso, Sua Alteza afirmou que o reino devia agraciar sete barões já assinalados; e porquê sete?, perguntou Ele e respondeu, afirmando que sete é número perfeito e mui cristão.
De balanço, deu Sua Alteza a conhecer, aos do seu conselho, os sete barões assinalados: os ronaldos da Pelariga; o pasquim “Os Doze”, pela grandiosa história e trabalho; a Misericórdia do Louriçal, pela miseração que pratica; o ilustre museu da pradaria, nas terras de Almagra, que pede meças ao museu do Prado; a indústria maxi, pelos plásticos que plastifica; a associação dos comerciantes, por sobreviver sem comerciantes; e o laborioso albergariense, de criação pobre mas de mui bom coração (“se isto se pode dizer de um pobre”, soltou num aparte), que por terras gaulesas alcançou muitas cousas e muita renda para si; e com alguma acaridou alguns.
E assim, com tudo consentido e mui bem acabado, a prestimosa escrivã assentou tudo o que Príncipe determinou com os do seu conselho. E todos se foram com grande contentamento pelo grande contributo dado ao reino e à humanidade. Excepto o Pança, coitado, que não compreendia tamanha manha e injustiça do Amo, ao não agraciar o irmão, um escravo do regime, aqui e além; que não agraciasse o cônsul, que nunca fora fiel ao regime, percebia-se; agora o irmão, regedor, deputado da Nação e profeta-maior da boa vontade, não! Resmungava por dentro, o Pança, que por fora não o podia fazer sem lhe cair no lombo mais açoites, e sabia bem que ainda lhe falta dar-se muitos, e o espinhaço já está dorido demais.
O Príncipe iniciou as práticas com uma arenga mui bem-feita, com grande solenidade, ordem e regimento, tudo em grande perfeição, e bem conforme ao caso. No final, Sua Alteza deu fala aos conselheiros, que mostraram grande descrição e mui singulares virtudes.
Iniciou as falas o conselheiro Jota, que destoou um pouco mas sem atingir o desprimor e a fogosidade habitual, ao propor ex-deputado da Nação e actual regedor da vila e a noviça actriz de novela oriunda do oeste; figuras que, apesar de mui principais, doutas e afamadas, não poderiam agradar ao Príncipe.
Destoou também a doutora das Mouriscas, não pelo estilo, sempre dócil e delicado, mas pelo atrevimento nas propostas, ademais e a muito a desagrado do Príncipe, ao propor o cônsul português em terras gaulesas, a caridosa doutora benzinho, a cozinheira do risoto, e outros.
O comendador, que não é homem de grandes finezas e lealdades, esteve mui discreto e em grande sintonia com o Príncipe; o doutor coiso não acrescentou coisa que para este escriba mereça registo; e a doutora da Guia esteve, como habitual, silenciosa e portentosa.
O Príncipe a todos ouviu, e com muita atenção. Depois, com palavras mui sábias e muitas razões, rejeitou as propostas por serem de figuras que fazem coisas mais a solto do que deviam, ou sem benefício para o reino, ou por razões de serem figuras sem real condição ou merecimento. Dito isto, silenciou por momentos, para dar entrada dos devidos arrimos; que vieram unicamente da Educadora-mor. Feito o compasso, Sua Alteza afirmou que o reino devia agraciar sete barões já assinalados; e porquê sete?, perguntou Ele e respondeu, afirmando que sete é número perfeito e mui cristão.
De balanço, deu Sua Alteza a conhecer, aos do seu conselho, os sete barões assinalados: os ronaldos da Pelariga; o pasquim “Os Doze”, pela grandiosa história e trabalho; a Misericórdia do Louriçal, pela miseração que pratica; o ilustre museu da pradaria, nas terras de Almagra, que pede meças ao museu do Prado; a indústria maxi, pelos plásticos que plastifica; a associação dos comerciantes, por sobreviver sem comerciantes; e o laborioso albergariense, de criação pobre mas de mui bom coração (“se isto se pode dizer de um pobre”, soltou num aparte), que por terras gaulesas alcançou muitas cousas e muita renda para si; e com alguma acaridou alguns.
E assim, com tudo consentido e mui bem acabado, a prestimosa escrivã assentou tudo o que Príncipe determinou com os do seu conselho. E todos se foram com grande contentamento pelo grande contributo dado ao reino e à humanidade. Excepto o Pança, coitado, que não compreendia tamanha manha e injustiça do Amo, ao não agraciar o irmão, um escravo do regime, aqui e além; que não agraciasse o cônsul, que nunca fora fiel ao regime, percebia-se; agora o irmão, regedor, deputado da Nação e profeta-maior da boa vontade, não! Resmungava por dentro, o Pança, que por fora não o podia fazer sem lhe cair no lombo mais açoites, e sabia bem que ainda lhe falta dar-se muitos, e o espinhaço já está dorido demais.
Viva o Príncipe,
Viva o Reino.
Miguel Saavedra
15 de novembro de 2019
PIRATAS
O movimento político NMPH surgiu fruto
das diferenças visceralmente incombináveis entre o seu mentor, Narciso Mota, e
o seu sucessor como presidente da Câmara. Essa clivagem profunda foi patente ao
longo da campanha (lembro-me de um triste episódio nas Tasquinhas) e nos
primeiros meses de convivência no executivo (muito episódios e muito mais lastimáveis).
De repente, como por um
encantamento de fazer inveja ao flautista de Hemelin, essa detestação
irrefreável serenou. Serenou de tal forma que agora se confunde com um apreço
paternalista e protector. Já são muitas e cada vez mais observáveis as
demonstrações de bem-querer. A última das quais em forma de repreensão (à boa
maneira de Mestre-escola) à Vereadora Odete Alves (que retorquiu a preceito).
Pouco me importa o que esteve por
detrás de tão excepcional alomorfia. Apenas sinto o embaraço alheio por aqueles
que acreditaram; deram a cara; que se expuseram. Alguns até abandonaram o seu
partido de sempre.
Para ilustrar esta publicação só
me ocorre prestar uma singela e nostálgica homenagem às saudosas pastilhas
PIRATAS.
14 de novembro de 2019
Que cultura é esta? - o debate visto pela Rita Leitão
Na opinião de muitos Pombalenses, a adesão (e não aderência!) às comemorações do Dia do Município sempre deixou um pouco a desejar. Nem tanto porque chove e está frio ou porque é feriado e querem aproveitar para descansar, mas mais porque simplesmente o programa não puxa… Este ano, graças ao BlogueFarpas Pombalinas, o dia do município foi fechado com chave de ouro.
“Discutiu-se” a cultura, e é entre aspas, porque foi mais uma troca de ideias, lamentos e projetos, do que propriamente uma discussão. Porque se há algo de que nos apercebemos, naquele Café Concerto cheio (pasme-se!!) é que todos queremos o melhor para Pombal. Mais e melhor Cultura. Com subsídios? Sem subsídios? Com salas cheias? Com pouco público? Façamos! E cada vez façamos mais! Vamos tentar combater o fenómeno da “Cultura do Entretenimento”… uma programação sem conteúdo, pensada para agradar às massas e sem uma contextualização ou enquadramento adequado. As pessoas certas, nos lugares certos, programando as coisas certas – penso que o caminho também passa por aí.
Vimos uma sala cheia de agentes culturais que podem e devem unir-se mais em projectos, em parcerias, em intercâmbios, mas devem também, na minha opinião, ser os primeiros da fila a comprar bilhetes para ver os outros Agentes, divulgar os que os “outros” fazem, ajudar a criar públicos para si mesmos. Não somos só agentes, também somos público!
Cada vez mais me convenço de que devíamos desculpabilizarmo-nos menos pela falta de divulgação ou falhas na comunicação de eventos e iniciativas (não digo que não haja, atenção!). Mas há que procurar, malta! Gostas de música? Gostas de dança? Gostas de Teatro? Gostas de exposições de arte? Procura saber o que se faz, onde se faz e por quem se faz. Ninguém te vai buscar à porta de casa… e as tuas séries e o sofá ainda lá estarão à tua espera quando voltares.
Rita Leitão
Licenciada em Animação Sociocultural, desde cedo se sentiu atraída pelo humor e pelo teatro. Elemento do Teatro Amador de Pombal desde 1999 e Stand Up Comedian desde 2011. A entrada no mundo da Stand Up Comedy surgiu quase por brincadeira, num bar "clandestino" de uns amigos, actualmente a Galeria Cabaret em Abiul. No bar de uma amiga em Pombal criou a "Meia Dose de Leitão", espectáculo mensal de 30 minutos que durou 2 anos naquele espaço até sair para "o mundo".
12 de novembro de 2019
Que Cultura é esta? O debate (e o Farpas) visto pelo Pedro Miguel
As Farpas Pombalinas são isso mesmo. Cenas que espetam e é uma chatice tirar. O poder local irrita-se e isso, como todos sabemos, não é cadastro, é currículo. Oportunidades falhadas, quem as não tem? Pedras no caminho? Guardam-se todas e um dia faz-se uma instalação ali na praça. Há que admitir que esta coisa de ter vergonha de falhar, enerva. Assim como assim, prefiro o Beckett e falhar melhor. O que as Farpas Pombalinas vêm demonstrar é que há igualmente um outro País, fora dos grandes centros, que pulsa e que sempre foi contemporâneo, mesmo em ambientes mais adversos. Vai nisto, a realidade entra em acção. Com que então a malta quer cultura? Mais ou menos. Se der jeito. It's complicated, como se dizia nas definições pessoais das redes sociais. Ainda assim, faz-se o que a cada um tem na veneta, em perfeita anarquia. Tem tudo para correr mal... e é tão bom.
Nunca foi crime trocar uma ida ao teatro, museu, concerto, por ficar enterrado numa poltrona fofinha, comprada em promoção na loja da JOM à beira da Estrada Nacional nº1 (true story). Mas esta nossa tradição Católica Apostólica Romana, do ai-meu-deus-o-que-é-que-as-pessoas-vão-pensar, não deixa que as coisas fiquem assim. Com jeitinho, a malta ainda acredita que mantém a face e que os outros pensam que isto é só gente culta. Só que não. Uma pesquisa rápida pelos dados do Eurobarómetro, sobre a participação cultural em Portugal, indicava que, não sendo novidade, oficializou-se o declínio na maioria das práticas culturais. Por outras palavras, em termos genéricos e que englobam todas as artes, a malta não vai às cenas e a que vai é pouca. Não há dinheiro para usufruir de muita coisa, mas também é certo que há falta de interesse. Os casos de iliteracia são gritantes e a falta de exigência é tal que, só por se ler um livro ou um jornal já se é quase considerado 'intelectual'. Credo. O problema da cultura em Portugal também é, portanto, cultural.
O compromisso com o território e com as pessoas que nele habitam - como vem nos livros - tenta-se cumprir à risca. Sim, há propostas, mas não se gosta de tudo (com direito a unlikes como consequência, um clássico). Já agora: também anda por aí muita coisa que não tem qualidade e estranho seria se assim não fosse. Muitos que nas suas mais variadas profissões apregoam o mérito e a exigência, de repente, para a cultura querem que seja um saco de gatos, sem filtros, sem critério. Não pode ser. Já se disse que a questão da cultura é cultural e a maneira como se olha para estas questões é sintomática. Depois há o direito fundamental de não gostar... para ambas as partes.
A estupidez humana é uma coisa fascinante e há momentos de um fascínio arrebatador. Faz parte. Apesar das honrosas excepções que fazem a regra, o interesse por coisas novas vai tendo alguma resistência. Acho eu e é uma posição muito pessoal mas já sentida na pele. Trocado por miúdos, ao invés da curiosidade, a validação dos seus próprios gostos costuma mostrar-se mais eficaz. É uma faca de dois legumes, ou lá como se diz isso. A certa altura é como ter um amor platónico, sem aquelo bafo quente na nuca.
Como diz a outra: "Que fazer?" isto da cultura dá uma trabalheira do caraças, as pessoas têm a sua vida. Por exemplo, este texto está a ser adaptado de um outro que escrevi há uns anos mas não faz mal. Desde que faça sentido está tudo bem, certo? Jon Stewart (apesar deste ter tido qualidade até ao fim), nos últimos dias como apresentador do seu Daily Show, exorcizou no programa algo que já lhe deveria estar atravessado há muito tempo: "Entram à borla e fartam-se de criticar". "Já passaram 30 segundos, faz-me rir, rapaz-macaco!", exemplificou o apresentador. "Estão a borrifar-se para as nossas famílias, as nossas vidas. São cruéis. (…) "Isto parece o Coliseu", momento em que se levanta e abre os braços. "NÃO ESTÃO ENTRETIDOS?", grita. "Não querem saber. Querem-nos deixar sem sangue", diz com ironia. Nisto, alguém do público grita: "We love you!". Jon Stewart, sempre bem disposto, responde: "Isso não é amor. Se fosse amor, traziam uma sopinha, perguntavam se estavas bem. Amor não é "faz mais programas! Entretém-me!", concluiu.
Mas são estes momentos que ninguém nos tira e que poderemos contar aos netos. Se for possível é para fazer tudo outra vez. E em pior. As Farpas Pombalinas merecem uma medalha. São como aquele senhor que mantém o carvão on fire com um secador. Quem não tem cão caça com gato. Longa vida para as Farpas Pombalinas.
Pedro Miguel
*44 anos, nasceu em Viseu mas vive em Leiria desde que se lembra. Está ligado a Associações Culturais desde 1995, com passagens pelo Nariz Teatro de Grupo e Fade In . Paralelamente foi DJ durante 20 anos e fez rádio durante meia década. Foi membro fundador e editor do projecto de media online, Preguiça Magazine, colaborou com o Omnichord Records (Surma, First Breath After Coma) e acompanhou de perto os principais eventos culturais não só da cidade de Leiria como da região centro dos últimos 25 anos. Licenciado em Comunicação Social, tem o mestrado em Comunicação e Media e actualmente está no 2º ano do doutoramento em Discursos: Cultura, História e Sociedade na Universidade de Coimbra. Profissionalmente (e sem ordem cronológica) foi actor, Dj residente em duas discotecas, jornalista cultural, roadie dos Silence 4, mas a grande aventura foi ter trabalhado durante mais de 10 anos com o coreógrafo Rui Horta, com o qual fez diversas tournées europeias. Actualmente pode dizer-se que é investigador, tem participado em alguns congressos na área da sociologia e estudos culturais, e trabalha também na livraria Arquivo, em Leiria. Tem três livros publicados, dois de ficção, sendo o último, Uma Cena ao Centro, um apanhado histórico da cena musical da região centro entre 1990 e 1999. Toca teclados, pandeireta, aspirador e berbequim no grupo Ayamonte Cidade Rodrigo. Adora um bom frango no churrasco e tem uma panca saudável pela banda industrial alemã Einsturzende Neubauten
11 de novembro de 2019
11 de Novembro
Já que nem o tempo quer nada com o São Martinho, proponho um tema alternativo para as comemorações do próximo 11 de Novembro em Pombal: a paz. Para além de ser mais edificante do que homenagear o bispo francês, é uma boa ocasião para lembrar vidas que nos foram bem mais próximas. Seria também uma forma de evitar repetir todos os anos a mesma coisa.
10 de novembro de 2019
Faz de conta que nos importamos com a cultura local
À hora marcada, atravessei o Cardal até aos claustros da Câmara. Estava agendado para as 17 o lançamento do livro da Maria Luís Brites, que o município 'gentilmente' colocou no programa de 'comemorações' do 11 de Novembro. Decidiu juntá-lo a uma exposição de pintura de Armando Rocha, sendo que escritora e pintor nada têm em comum, tão pouco se conheciam. Era preciso preencher o programa e calhou mesmo bem. Quem entrasse nos Claustros na tarde de sábado, ficava a saber o mesmo: não houve direito a apresentações para ninguém. Mas adiante. Ainda bem que os meninos da Filarmónica da Guia tinham um bom repertório preparado, pois que o (pouco) público e protagonistas do momento tiveram de esperar uma hora para começar a apresentação: à espera do Presidente.
O momento - que me era feliz, à conta de ver ali a Maria Luís inteira, a equilibar-se no alto dos 85 anos - foi surreal. É certo que ela dispensou alguém que a apresentasse e dissesse dela ou do livro qualquer coisa. Mas à Câmara só ficava bem, pelo menos, ter o respeito e a simpatia de apresentar o momento. A Maria Luís Brites não é uma mulher qualquer. Se não fosse pelo mérito enquanto escritora (e pelo facto de ter sido a única mulher candidata à Câmara, embora, lá está, por partidos que não interessam), que fosse pelo muito que fez aos microfones da Rádio Clube de Pombal, quando nos anos 90 percorria todo o concelho de Pombal numa carrinha, à procura de dar voz aos autarcas e às populações. Mas isso foi uns anos depois de - num dia do Município, precisamente - ter tido honras de apresentar o livro 'Um triângulo no Litoral' para uma sala cheia. Outros tempos.
Como só ela, apresentou o livro sozinha e pediu logo perguntas ao público. E ficou para o fim o 'encerramento' (erro de protocolo, João. Tenho um livro da Isabel Amaral em que ela explica muito bem estes pormenores, vou emprestar-to) a cargo do Presidente da Câmara. Foi aí que aquilo me fez lembrar o tempo de Narciso Mota, em que, estranhamente, Diogo misturou alhos com bugalhos, embrulhando tudo num discurso redondo sobre as obras (literárias) que a Câmara já promoveu este ano, como que a metro. Sem esquecer a referência à distinção já feita à Maria Luís no rol de medalhas. E pronto, cumprido o programa, já pode voltar a encher a boca para a oposição com este feito notável que é promover a arte dos que até são do Bloco de Esquerda.
O que aconteceu este sábado, nos claustros, devia fazer corar de vergonha quem valida este faz-de-conta. Mas não faz. Está tudo bem. Tudo bem.
Já a sessão de autógrafos tinha terminado quando apareceram os amanuenses com uns ramos de flores, aquele mimo e cortesia que habitualmente se entrega aos escritores logo que terminam de falar. Foi a cereja no topo do bolo, exemplo maior das peças de puzzle que não encaixam mas...fazem parte.
Enquanto assistia àquele momento - que a Maria Luís merecia tivesse sido de muito maior dignidade (e isso não tem nada a ver com solenidade) lembrava-me da biblioteca que quis doar ao município. Eu mesma enviei a Diogo Mateus um sms, na semana antes do Natal de 2018, dando-lhe conta dessa vontade. Foi numa manhã em que lá estive, em casa dela, a fazer-lhe uma entrevista de vida para o DN. Sei que mandou outros recados. A minha mensagem nunca teve resposta. Os recados também não. Afinal, o que é que isso interessa?
9 de novembro de 2019
Dia do Município
Que pena não poder usufruir do excelente programa que a nossa Autarquia definiu para o Dia do Município!
Depois do hastear da bandeira às 9h, os pombalenses que trabalham no concelho poderão assistir à santa missinha em honra de Martinho de Tours, no dia em que se completam 1622 anos sobre a sua morte. Das 10h às 11h, Diogo Mateus e a sua equipa propõe-nos assistir à entrega de lembranças do passeio de carros antigos, seguida do batismo dos novos membros do grupo motard Marquês de Pombal. Quem não se deixar cativar por esta interessantíssima proposta, pode sempre assistir à arruada da Banda Filarmónica da Guia. Às 11h, o ponto alto da festa: a sessão solene dedicada à já tradicional distribuição de medalhas.
Um aparte (que respigo do que aqui escrevi em 2012): nunca fui medalhado pelo Presidente da Câmara, nunca recebi um Globo de Ouro e o Correio da Manhã nunca me achou merecedor de qualquer um dos seus sensuais prémios. Este facto faz de mim um caso raro. Com tanta distinção, a importância dos prémios é praticamente nula. Num país onde a expressão de Almeida Garrett "Foge cão que te fazem Barão! Para onde, se me fazem Visconde?" já subiu à categoria de provérbio popular, quem, como eu, nunca foi agraciado pela Câmara ou pelo Presidente da República corre o risco de ser apontado na rua.
Voltando ao imperdível programa do Dia do Município. Com a barriguinha cheia de prémios, a tarde é de festa. E que festa! Às 17h, os mais foliões podem optar entre comemorar o aniversário do grupo motard Marquês de Pombal (quem é que na Câmara é motard?) ou o tradicional magusto nos Bombeiros Voluntários de Pombal.
Que inveja tenho de todos os que podem usufruir desta programação. Depois de um dia recheado, espero que alguns de vós ainda tenham energia para participar no debate que o Farpas promove no Café-Concerto. Propomos falar sobre cultura. Nada de especial...
7 de novembro de 2019
Os medalhados de última hora, ou a hora do faz-de-conta
Esta tarde a Câmara reúne para (supostamente) discutir e aprovar um ror de nomes para medalhar. Diz o regulamento municipal que tem de haver consenso, que tem de haver unanimidade, e por isso pressupõe-se discussão. Ledo engano. Por esta altura, a três ou quatro dias do 11 de Novembro, nem um milagre de São Martinho conseguirá fazer as coisas bem feitas. Pois que há colectividades que já sabem que vão ser galardoadas, e que já foram contactadas há vários dias.
D. Diogo está feito um mouro de trabalho nos Paços do Concelho, mal come, e arriscamos adivinhar que mal dorme. Entre o faz-de-conta que foi ouvir os partidos para o Plano Plurianual de Investimentos (que é como quem diz ouvir-se a ele próprio, pois que foi mais monólogo que diálogo cada bloco de três ou quatro horas que gastou com alguns deles), e as dores de cabeça que a autarquia lhe anda a dar, tratou de mandar avisar alguns dos homenageados. Homem precavido vale por...9. Assim como assim, a reunião de hoje é só para ficar em acta. Daqui por uns anos a história há-de contar que aos 7 dias do mês de Novembro reuniu o executivo municipal para deliberar a respeito dos homenageados. Só que não. Já estava tudo decidido.
E agora, senhores vereadores, sentem-se bem nesse papel de candeeiros?
6 de novembro de 2019
Obras falhadas
Se há legado que Diogo Mateus (e Narciso Mota) nos deixa é um rol enorme de investimentos falhados e obras tortas. Os exemplos maiores são o CIMU-SICÓ e as obras de requalificação urbana. Passado algum tempo, interessa olhar, com alguma atenção, para uma obra emblemática do regime: a requalificação do Largo do Cardal, que ela ilustra bem o estenderete.
O Largo do Cardal é, ou deveria ser, o espaço mais emblemático da cidade, o seu coração e a sua memória. Localizado no centro da cidade, para ali confluem todas as artérias e ali se situam os edifícios e monumentos mais emblemáticos. Deveria ser aquilo que sempre foi (mas deixou de ser): um espaço dinâmico, atractivo e valioso; disputado pelo comércio e serviços, pelas actividades de lazer e de animação cultural. É, actualmente, uma praça sem vida, nomeadamente nos fins-de-semana - ao domingo nem um café/esplanada está aberto.
As obras de requalificação do Largo do Cardal limparam o espaço dos seus elementos característicos e decorativos, desnudaram a praça, procuraram torná-lo mais funcional, mas não acrescentaram nada de atractivo ou recôndito. O resultado está a vista de todos: a praça é um espaço banal, vazio, sem alma e sem vida, onde até sombra falta, que perdeu quase tudo: beleza, atractividade, pessoas. Depois, há ali uma assimetria entre o banal e o antigo que destoa e desapraz.
Bem pode o poder instalado arranjar desculpas para o sucedido. As preferências das pessoas são o verdadeiro teste do algodão. Nada representa maior fealdade que um cadáver nu. A praça está desnudada e morta. Um erro a não cometer nas próximas intervenções na cidade.
O Largo do Cardal é, ou deveria ser, o espaço mais emblemático da cidade, o seu coração e a sua memória. Localizado no centro da cidade, para ali confluem todas as artérias e ali se situam os edifícios e monumentos mais emblemáticos. Deveria ser aquilo que sempre foi (mas deixou de ser): um espaço dinâmico, atractivo e valioso; disputado pelo comércio e serviços, pelas actividades de lazer e de animação cultural. É, actualmente, uma praça sem vida, nomeadamente nos fins-de-semana - ao domingo nem um café/esplanada está aberto.
As obras de requalificação do Largo do Cardal limparam o espaço dos seus elementos característicos e decorativos, desnudaram a praça, procuraram torná-lo mais funcional, mas não acrescentaram nada de atractivo ou recôndito. O resultado está a vista de todos: a praça é um espaço banal, vazio, sem alma e sem vida, onde até sombra falta, que perdeu quase tudo: beleza, atractividade, pessoas. Depois, há ali uma assimetria entre o banal e o antigo que destoa e desapraz.
Bem pode o poder instalado arranjar desculpas para o sucedido. As preferências das pessoas são o verdadeiro teste do algodão. Nada representa maior fealdade que um cadáver nu. A praça está desnudada e morta. Um erro a não cometer nas próximas intervenções na cidade.
4 de novembro de 2019
Onde se dá conta do merecido castigo que o Príncipe aplicou ao Pança
O convento de Santo António parece amaldiçoado por almas danadas, pelo demónio; é local de encantamentos, de maus-olhados e de refregas inusitadas. Há muito que o cura Vaz, farto de ouvir mágoas no confessionário, sobre medos e aflições, gritos e emudecimentos, ringido de portas e zumbido nos beirais, tinha sugerido ao Pança benzer e regar todo do convento, com o hissope e muita água-benta. O Pança transmitiu ao Príncipe a bondosa mercê, mas este ignorou-a, por não acreditar que as penitências do cura Vaz cheguem ao Senhor.
Mas a verdade verdadeira é que o Pança e o Príncipe têm andado fora da Graça de Deus, com questiúnculas e pendências regulares. As práticas para finalizar o Orçamento Régio mostraram o desnorte e descoco reinante, ao ponto de tirarem do sério, e arrastarem para refrega indecorosa, a donzela das Mouriscas. Mas a coisa correu-lhes mal. A donzela das Mouriscas não se deixou enrolar com meia-dúzia de lérias; mostrou ser pessoa mui singular, com virtudes e manhas desconhecidas; descompôs, por atacado, um e outro; e determinou, logo ali, e deixou assentado, que sendo a coisa aprovada seria anulada. O Príncipe ficou muito enojado com as trapalhadas do Pança, e com os agravos deste à donzela das Mouriscas, pessoa que mui estimava.
- Vinde cá, Pança, e explicai-me a trapalhada com o envio das convocatórias para a reunião sobre o Orçamento Régio – ordenou o Príncipe.
- Foi tudo feito conforme os procedimentos, Alteza; se alguma não chegou ao destino, azar o deles.
- Não desconverses, Pança. Dizei-me: foram bem endereçadas? – perguntou o Príncipe.
- Não sei, Alteza; a escrita não é da minha conta – afirmou o Pança. Mas sentindo o Amo insatisfeito com a desculpa, acrescentou: - O amanuense pode ter trocado alguma morada, comete muitos erros, anda deslembrado…
- Se o admitis o erro, Pança, por que não vos desculpastes à doutora das Mouriscas? Por que infernizastes o juízo à doce donzela, com mentiras e agravos, ao ponto de despertares a cólera em tão bondosos peitos? – perguntou o Príncipe, num tom irritado.
- Porque contava com a sua mentira, Alteza. Mas se errei, porque não desfez Vossa Mercê o erro, assumindo-o? perguntou o Pança.
- Porque esse é o teu dever, Pança - és escudeiro, sabeis? – indagou o Príncipe.
- Sei, Alteza; mas neste reino uma pessoa é preso por ter cão e preso por não ter – exclamou o Pança.
- Cala-te, Pança, cala-te – ordenou o Príncipe; - Já devíeis saber que as afrontas que ferem directamente à formosura e presunção das mulheres, despertam nelas grande cólera e acendem o desejo da vingança.
- Conselhos; sabe Vossa Mercê dar, mas…(cala-te boca) - …- observou o Pança
-Teus aleives, Pança, o juízo me varam – afirmou, desolado o Príncipe. E prosseguiu:- comigo nunca chegarás a cavaleiro, nunca passarás de simples escudeiro.
- Convosco, Alteza, ninguém sobe, só desce – retorquiu o Pança; e acrescentou: - eu já aderi à causa monárquica, meus feitos hão-de fazer-me cavaleiro – retorquiu o Pança.
- Enganas-te, Pança, enganas-te! Com festas e bolos enganas os tolos, mas não enganas nobres de funda linhagem – afirmou o Príncipe.
- Se até o Senhor os engana, porque não os hei-de eu enganar? – indagou o Pança.
- Cala-te desventurado escudeiro, alma de cântaro, coração de rija madeira, que tantas e tamanhas vergonhas e desafores me tens feito passar, nos últimos dias. Se a janela deste convento fosse mais alta atirava-te pela janela, mas como não é, aplico-te correctivo equivalente: mil e trezentos açoites no lombo.
- Co`os diabos! Não achai, o Senhor, demais?
- Não, Pança; até estou a ser meigo; não há ruim estudante de doutrina que os não leve todos os meses – afiançou o Príncipe.
- Perdoai-me, meu Amo. Vos juro e prometo, pelas Chagas de Cristo, que não tornarei a errar.
- Perdoar-te, Pança, perdoarei; depois de cumprido o correctivo – reafirmou o Príncipe.
- O Senhor é muito desagradecido, e vingativo. Mas se tem que ser, que seja; quem está habituado a levar bordoadas, também arca com uns açoites – afirmou o Pança, resignado -; mas dizei-me: - Terei que os levar todos de uma vez?
- Deveria ser, Pança; mas como talvez ficásseis muito dorido, e és necessário, concedo que os fracciones até ao final do ano, duas dúzias por dia, uma de manhã e outra à noite.
- E posso escolher quem mos dá? – perguntou o Pança.
- Não, Pança; a primeira dúzia dar-tos-ei, para que percebas a força como devem ser dados. Os restantes ficam por tua conta, mas terão que ser dados a valer e por tua vontade, não consinto que mão alheia tos dê – a boa penitência deve ser feita pelo próprio, para poder ser agradecida pelo Senhor.
Oh alma despiedosa! Quem vos devesse fugir mais do que ajudar. Pensou o Pança, mas não o verberou.
Miguel Saavedra