
Quem se senta numa qualquer esplanada de Pombal e ouve as conversas, quem anda na rua, quem entra no comércio, quem aqui vive, não acordou hoje surpreendido com estes resultados. Estamos (finalmente) em linha com a média nacional no que toca aos votantes no Chega, embora aqui tenhamos começado com avanço. Estão em todo o lado, em todas as comunidades, em todas as famílias. Juntos, formam um bolo que cresce à custa de vários ingredientes: há os saudosistas do fascismo e das colónias, admiradores de Salazar, mas há também muitos que não sabem sequer o que é a ideologia. São apenas revoltados com a vida que lhes calhou em sorte, gente que noutro tempo encontrava em partidos de esquerda uma âncora, que votava neles em protesto contra aquilo que - achávamos nós - era a Direita. Juntemos ainda os desiludidos com outras ideologias. É desses todos que o astuto Ventura se alimenta e cresce, falando-lhes ao jeito, dando corpo àquilo que o escritor Vicente Valentim chamou em livro "O Fim da Vergonha". Porque até há pouco tempo, tinham vergonha de dizer que pensavam assim. Mas isso acabou. Da próxima vez, não haverá pudor em dizer às empresas de sondagens o verdadeiro sentido de voto. E nessa altura o partido terá de arranjar novo bode expiatório. Por agora, descansem: o Chega diz que não vai atrás de ninguém. Isso será depois.
A ironia desse voto de protesto num partido de extrema direita que, afinal, normalizámos, é que está assente naquilo que condena: o 25 de Abril, a Constituição, a liberdade. Ao mesmo tempo, vão desaparecendo do mundo dos vivos os que sofreram às mãos da ditadura. A escola falhou em toda a linha quando não explicou o que era e como aqui chegámos, e escusam de pensar nas famílias porque essas estavam muito ocupadas a ganhar dinheiro, umas para enriquecer, outras, muitas mais, para pagar a casa, o carro, as contas do supermercado. Não sobrou espaço para nada, tão pouco para o envolvimento cívico, muitas vezes sequer para votar. A maioria nunca foi a uma assembleia de freguesia, ou mesmo a uma assembleia geral da associação da terra. Alguns nunca tinham votado. Chegados a 2019, eis que um homem se anuncia como o Messias para salvar Portugal. Nessa noite eleitoral em que foi eleito pela primeira vez, André Ventura profetizou que em oito anos seria Primeiro-Ministro. E esse é o próximo passo. Talvez não seja má ideia que isso aconteça rapidamente. Às vezes o povo precisa de terapias de choque. As primeiras vão surgir já nas eleições autárquicas.
Mas voltemos a Pombal. Sem surpresa, o PSD (ok, chamam-lhe AD) ganha, com ligeiro aumento de percentagem e número de votos. Mas está longe da supremacia de outros tempos na maior parte das freguesias, com o Chega a morder-lhe não só os calcanhares como a disputar eleitorado. Há pouco mais de uma década o PSD ganhava em diversas freguesias entre os 70 e os 80% dos votos. Agora, restam-lhe as freguesias de Abiul (54%), Carnide (56%) e Meirinhas (50%) para brilharete. O Chega atinge ou supera os 25% de votação em várias (Meirinhas, Vila Cã, Carriço) e no resto anda entre os 20 e os 25%, números que, aqui, o PS deixou de alcançar há muito. O PS: já nas eleições de 2024 ficara atrás do Chega, mas desta vez ficou reduzido a menos de 15% dos votantes. Pouco mais de 4.200 votos. O mal menor acontece na malha urbana (freguesia de Pombal), onde a AD tem a sua vitória mais magra.
Uma nota final para a realidade paralela em que parecem viver os nossos actores políticos: Pedro Pimpão veio às redes dizer ao povo que faça "a sua análise", "as suas reflexões" e que tire "as respectivas conclusões". Partimos do princípio que também vai fazer as suas.
Porque o Chega não é o companheiro fofinho que o PS foi para o poder nos últimos anos.