16 de junho de 2008

O triunfo da Europa dos Cidadãos

A vitória do Não no referendo irlandês ao Tratado de Lisboa representa a vitória da “Europa dos Cidadãos” pela qual tanto clamou Jean Monnet e outros fundadores, e para o qual tem permanentemente alertado Mário Soares. Representa o fosso que os eurocratas têm vindo a cavar entre Bruxelas e os cidadãos. Se o Não dos franceses e holandeses era previsível, como voto de protesto à inflação e decadência de condições económicas internas impulsionadas por um sistema monetário comum, (afinal estes foram dos países que sempre mais contribuíram para o orçamento geral da União Europeia, foram os fundadores e tinham dos níveis de vida mais altos da Europa), já com Dublin não se passa o mesmo. A Irlanda foi dos países que mais beneficiou com a adesão à UE. É um caso citado tantas vezes como exemplo de sucesso, que tendo entrado como um dos países mais pobres, soube aplicar os fundos europeus, apostar nas áreas certas e desenvolver a sua economia interna, estando hoje ao nível de desenvolvimento da média europeia. Os Irlandeses são, aliás, muito pró-europeus e tal como os portugueses, segundo resultados do euro-barómetro, são os nacionais que mais se sentem beneficiados com a adesão à UE (80% da população, logo atrás de Portugal, Espanha e Luxemburgo).
Este Não é sinal da manifestação da inteligência do povo, que não aprova o que desconhece. Os Irlandeses não iriam aprovar num Tratado cujo conteúdo desconhecem, como quase todo o comum cidadãos europeu. Esta é a razão pela qual, sempre defendi, apesar de por princípio democrático ser favorável a referendos, que este Tratado não devia ser referendado, nos termos em que estava a ser apresentado. Ou previamente a um referendo se congregavam esforços de informação e discussão sobre o documento ou, no caso de não haver campanha oficial e efectiva de informação, se aprovasse o referendo nos parlamentos nacionais.
Sou europeísta convicta e deposito parte das minhas esperanças por Portugal na disciplina europeia, mas também espero que o quadro institucional da União evolua para um sistema de participação cada vez mais democrática. Neste sentido, este Tratado não é o ideal, porque reforça o poder de voto dos países grandes, ao mesmo tempo que retira alguns poderes à Comissão Europeia (o órgão menos nacionalista e mais europeu da União), mas foi o possível. O contínuo alargamento exige mudanças na ordem jurídica das instituições e a Europa não pode estagnar num mero bloco económico, mas tem de ser capaz de exercer uma política comum a nível internacional.
Só espero que os líderes europeus desçam à terra e aprendam com a lição dos irlandeses. E que em vez de contornar o problema com jogos de bastidores, informem, esclareçam e eduquem os eleitores, assumindo essa inerente responsabilidade civil, da qual permanentemente se esquecem. Já que não conseguiram prevenir o problema, que o remedeiam com este abre olhos irlandês. E já agora, na campanha para as eleições de deputados ao Parlamento Europeu, falem sobre assuntos europeus e não de nacionais. Para isso, existem as eleições nacionais.

3 comentários:

  1. Sou como tu, europeísta convicta. E sonhadora, se calhar, porque acredito sempre que lá vamos chegar a esse estádio, seja no nosso país ou na nossa rua. É preciso acreditar, afinal.
    ps: bem-vinda!

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  2. Lá como cá, a população não foi devidamente esclarecida sobre o conteúdo do documento. Foi fácil aos defensores do Não fazer campanha sobre um assunto que devia (e não foi) ter sido alvo de um debate amplo e esclarecedor.
    Não ficaria escandalizado se o que aconteceu na Irlanda se verificasse noutros países da UE, mas penso que não podemos ler nestes resultados um "Não à Europa".
    Também sou pela Europa e acho que o povo deve ser ouvido mas, por vezes, arriscamo-nos a que as pessoas aproveitem o direito de voto para protestar contra questões diversas daquelas que estão a ser votadas.

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  3. Tratar a vitória do Não na Irlanda como se tivesse sido um bando de ogres mal informados a ir às urnas passa por má fé, para já não falar na condescendência que demonstra por um país, ao que sei, bem mais desenvolvido ao nível da educação - tragicamente, quase não tem auto-estradas.
    Quando no nosso país qualquer esboço de informação sobre o Tratado/Constituição se resumiu ao Primeiro-Ministro exaltando virtudes (sempre) desconhecidas do documento, assegurando vantagens sem fundamento e, por fim, dando aquela mácula de desculpa para não proceder à ratificação por referendo...
    É interessante que agora os media só queiram ver o lado patriótico da coisa: os bêbados dos Irlandeses estragaram a nossa única contribuição para a Europa do futuro à base de golpes baixos. Bom, pelo menos estiveram em sintonia com o beija-pé que fizeram a Sócrates durante a Presidência da União.
    Uma nota para o Mário Soares: compreensivelmente, talvez, o senhor é federalista, no que toca à Europa. E, parece-me, não hesitaria em fazer uso da mesma desinformação institucional que Sócrates fez, em nome de um "bem maior"...

    PS: Gosto do blog, vou passar a visitante regular. Boa sorte.

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