“Traidores. Traidores. Traidores do Oeste. Traidores. Traidores. Traidores do Oeste…”; gritava ele, sobressaltado, e sempre em crescendo até à aflição; parecia que acordava no final da agitação, mas logo caia num sono profundo; de onde saia, passados uns instantes, noutra e noutra agitação, noites a fio, há muitas noites…
Lá em casa já se tinham apercebido, e compreendido, que tamanho abalo se devia ao afastamento do Amo; a quem nunca se fartara de servir, sem olhar a maus dias e a piores noites, sempre atrás do aspirado e prometido título de cavaleiro, e depois a Conde ou a Marquês de uma província qualquer; que depois, dizia ele, “saberei torná-la independente, e reiná-la a meu belo prazer, e fazer do meu conchego rainha e dos meus rebentos infantes”.
Nos últimos tempos, acordava sempre com o fígado aziado e a mioleira inchada de tanto magicar, e não acreditar, que usança de agradecido, entre Amo e escudeiro, fosse quebrada de modos tão nunca vistos nem pensados, por um Amo tão poderoso. E pior ficou quando percebeu que o desafiador era da sua linhagem, e não lhe dera cavaco nem abrigo, por estar comprometido com os fidalgos do Oeste.
Na passada semana, murmurou o seu plano com o lacaio, que lhe franziu o cenho untoso, como se falasse consigo próprio: “veio-me, Deus sabe a razão, o desejo de me vingar daqueles velhacos”.
Dito e feito, escrevinhou meia dúzia de afrontas e fê-las chegar ao governador do Oeste, arqui-inimigo dos seus inimigos. Tinha aprendido com o seu Amo que, nisto da canalhice (política), inimigo do nosso inimigo é nosso amigo. Mas logo a coisa chegou ao Farpas, que a fez correr.
Quando o aspirante a príncipe - o Profecta da Boa-Vontade - deste reino demonizado foi alertado para a canalhice, por um seu mancebo, dissimulou à sua maneira desconhecimento da traição, e mandou chamar o Pança.
O Pança chegou calado e fez-se quedo.
- Diz-me, irmão, se o que se diz nos mentideiros, sobre a tua afronta aos nossos companheiros e amigos do Oeste é mentira ou verdade? – perguntou o Profecta da Boa-Vontade
- É verdade – respondeu o Pança.
- Endoidaste, irmão, ou andais fora de conta! – exclamou, de repente, o Profecta da Boa-Vontade; e acrescentou: - Não te deixes cair em desgraça, como o teu Amo.
- Na desgraça já eu estou - caí de um cavalo e não me deixam montar no que julgava certo – retrocou o Pança.
- Se o estás é por tua sandice. Agora, que te poderia dar estado, esbardalhas-te todo…!
- Sei bem que às vezes me desmando, digo e faço coisas que não vêm a pelo, mas as minhas intenções sempre as dirijo para bons fins, e até Deus e o Diabo já escreverem direito por linhas tortas – retorquiu o Pança.
- Esta rixa, irmão, não é uma rixazinha; é uma rixa que poderá desgraçar-nos num momento – alertou o Profecta da Boa-Vontade.
- Desgraçado já eu estou – retrocou o Pança -; perdi o meu Amo e a confiança dos da minha linhagem. Mas digo, e juro-o, e podeis crê-lo ou não, que é tão certo como Deus ser Santo e Cristo ser Deus: farei campanha contra todos os causadores da minha desgraça.
- Irmão, não há motivo para te vingares de ninguém, nem isso é de bom-cristão e de bom-escudeiro. Bem sabeis que é feio agir por ódio e tomar cabal vingança – profetizou o Profecta da Boa-Vontade.
- Sei bem por que assim falais, mano; estais mui comprometido com o conde e os fidalgos do Oeste, esses traidores, que conspiraram a teu favor, e muito demandaram contra o seu Senhor natural e a Pátria … - retrocou Pança.
- São nossos companheiros e irmãos, irmão; acalma-te e pede perdão – suplicou o Profecta da Boa-Vontade.
- São hereges, maus cristãos e maus companheiros… – retrocou o Pança. O pior deles é o dito conde, que uns valentes açoites merecia, ou prendê-lo e fazer-lhe justiça segundo as culpas dele.
- Irmão!; na empreitada que temos pela frente, todos contam, todos são importantes…
- Contam, mas não são de confiança nem da tua linhagem; e se traíram os da sua linhagem mais depressa trairão um filisteu, que bem diz o rifão: cada ovelha com a sua parelha – asseverou o Pança, já irritado.
- O poder fez-te mal, irmão; ainda não foste apeado e já trazeis cara de desgovernado. Toma um pouco de ruibarbo; purga essa cólera; talvez, assim, reencontres as energias positivas - aconselhou o Profecta da Boa-Vontade.
- Tenho que me vingar dos traidores à Pátria e à nossa Majestade – sentenciou o Pança.
- Diz-me, irmão, como bom-cristão e bom-escuteiro, conheceis os Mandamentos do Evangelho e a Lei da Alcateia?
- Conheço… – respondeu o Pança.
- E qual a é tua divisa, que juraste cumprir?
- Servir “(me)”.
O Oeste será sempre um barril de pólvora para os sangue azul do Cardal e para o Conde. Aquela agregação ainda não foi digerida pelo povo. O Conde tem poder no laranjal, assim como o Manel Escuteiro, mas o povo deixou de acreditar neles. Desta vez o Pança tem razão e o Gonçalo é o potencial vencedor das próximas eleições.
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