A
fiscalização feita pela Intendência Geral do Reino, aos negócios do principado,
foi uma grande contrariedade para o Príncipe; pelo momento e, acima de tudo,
pelo conteúdo. O relatório reduz a pó a imagem, artificialmente criada, de um
principado transparente.
Ciente
dos impactos negativos que o relatório poderia provocar, o Príncipe tratou de
conter os danos externos: desvalorizou o relatório e reforçou a propaganda.
Começou por classificar as irregularidades como coisas menores, que já tinham
sido ou estavam a ser corrigidas, e tratou de maquilhar a coisa internamente,
com um toque aqui e outro acolá, mexendo nos regulamentos, mas deixando tudo na
mesma, como interessa. Para tal, ordenou ao Pança que pusesse a Seródia a
trabalhar forte na propaganda da imagem de transparência e marcasse uma reunião
urgente com a Secretária-Geral.
Não
foi fácil, ao Pança, marcar a dita reunião. Nesta época, o Príncipe tem a
agenda sobrecarregada com as visitas necessárias para se mostrar ao povo, e a Secretária-Geral
está sempre enrolada no seu emaranhado de formalidades e ocupada com os seus
afazeres privados. Passado algum tempo, o Pança lá conseguiu sentar os dois à
mesa; mas, como a coisa não avançava foi necessário chamar uns amanuenses mais
instruídos para engendrar uma forma de dar resposta formal às irregularidades
e, ao mesmo tempo, manter os esquemas que a Secretária-Geral impõe aos serviços
com cobertura do Príncipe.
Como
os intervenientes e os súbditos mais atentos sabem - e o relatório expõe -, os
esquemas estabelecidos na contratação pública, nomeadamente nos ajustes
directos e avenças, servem para entregar os contratos aos amigos. A Secretária-Geral
sabe bem como actuar, para agradar; e sabe que, agradando, beneficia. Vai daí,
protege-se muito nas formalidades, mesmo que isso comprometa a funcionalidade
dos serviços e exponha os vícios do sistema. Do que ela não abdica é do cumprimento
das formalidades. Logo, não deixa avançar formalmente os processos sem a
existência de três propostas. Mas como é difícil obter três propostas para um
ajuste directo que já se sabe a quem vai ser entregue - mesmo solicitando ao
escolhido que arranje as propostas - os processos ficam bloqueados e os
serviços emperrados. Nalgumas situações (exemplo: eventos com data fixa), o
serviço começa a ser executado antes da adjudicação formal. E depois lá anda o
comprador e o escudeiro a pedir propostas para encobrir as irregularidades.
Algumas entidades amigas – as mais beneficiadas - já resolveram este problema
formal - o limite do montante adjudicado por entidade – criando várias
entidades com os mesmos sócios (como o relatório assinala). O tuga é
especialista a contornar leis, e abomina a transparência.
Miguel Saavedra
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