Terminada
a rusga da PJ e tomadas as acções de contenção, o Príncipe retomou o plano no
ponto onde o tinha interrompido: delegação de atribuições aos ministros.
Ordenou ao Pança que os reunisse, o que este fez com o desembaraço e o gozo
conhecido. Desta vez nem o ministro Videira se atrasou!
O
Príncipe foi directo ao assunto (os seus múltiplos cuidados obrigam-no a poupar
tempo e a libertar tempo). Ordenou:
-
Pança; apontai e passai, depois, ao escrivão-mor.
-
Às ordens, Alteza – anuiu o Pança, com a solicitude conhecida.
-
No ministro das Obras-Tortas delego a segurança nas obras e a substituição do
Príncipe na sua ausência.
-
Desculpe, Alteza; são empreitadas demais para um ministro enfraquecido. Dispensai-me
da representação de Sua Alteza e demais atribuições. Seria loucura tentar
semelhante desígnio, neste período delicado – rogou o ministro das
Obras-Tortas.
- Faze-te forte – reforçou o Príncipe. A arte da governação
está reservada para os distintos ou para os que querem sê-lo. E para sê-lo, é
preciso passar bons ou maus sucedimentos. Lembrai-vos que nas desgraças sempre
a ventura deixa uma porta aberta para remédio.
-
Agradeço as suas sábias palavras, Alteza – disse de forma sentida o ministro
das Obras-Tortas. Mas concedei-me esta dúvida: que lhe aproveita a Vossa Mercê
conceder-me a sua insigne representação?
-
A mim pouco, ou nada, mas é uma oportunidade para exercitardes a arte de representar
e reinar. Ficareis melhor habilitado para concorrerdes ao governo de Terras
d`Almagra - referiu o Príncipe.
-
Eu estou mais é para abandonar este, do que para ficar ou meter-me noutro –
disse, pesaroso, o ministro das Obras-Tortas. Pesa-me, só, o remorso de que
poderei prejudicar Vossa Excelência. Nisto que nos agora aconteceu — tornou o
ministro — tenho sido muito fustigado; arrependido estou de ter trocado os
artefactos pelo que julgava ser vida-boa; quisera eu ter tido este entendimento
quando Vossa Excelência me convidou e tinha evitado muito desgosto.
- Deveríeis saber que a vida de ministro não é só fama e bom
passadio, está sujeita a mil perigos, afrontas e desventuras, sei bem do que
falo – lembrou o Príncipe.
-
Pouco me importa se são desventuras ou afrontas; o que me importa são as dores
delas, e a forma como ficarão impressas na memória – reforçou o ministro.
-
Não há lembrança que não se gaste com o tempo, nem dor que por morte não
desapareça – lembrou o Príncipe.
- Será verdade, Alteza – anuiu o ministro. Mas que desgraça
pode haver maior — acrescentou - que a que só o tempo cura, e só a morte acaba?
Se este nosso contratempo fosse daqueles que se curam com uma confissão e uma
boa penitência…
- Ajuda; deveis consultar o Cura Vaz – aconselhou o Príncipe.
Mas tereis, também, que fazer das fraquezas forças.
- Elas faltam-me Alteza. E faltam-me apoios – disse o
ministro com ar entristecido.
- Dize-me o que queres que por ti faça? - Perguntou o Príncipe.
-
Nada Alteza. Eu é que preciso de saber o que hei-de fazer de mim – retorquiu o
ministro.
-
Sois uma criatura esforçada, popular e bom cristão; mas talvez isso não chegue
para dar um bom ministro – concluiu o Príncipe.
- Pois aí é que a porca torce o rabo. Cada qual é como Deus
o fez, e talvez não me tenha feito para isto – anuiu, conformado, o ministro das
Obras-Tortas.
- Agora sim — disse o Príncipe — agora é que bateis no ponto
que confirma o meu já resolvido intento. Termina esta empreitada o melhor que
puderdes – rematou o Príncipe.
- Não digo que seja impossível, mas tenho-o por dificultoso.
Nas mãos de Deus me entrego – disse o ministro.
- Que Deus te acompanhe e te dê um bom destino. Pelo muito
que por vós fiz, imploro-vos que me deis o vosso favor e amparo, agora que
tanto deles preciso.
- Eu cá não sou desagradecido; contai com a minha devoção.
- Que o Senhor nos acompanhe – desejou o Príncipe.
Ámen - disseram todos.
Miguel Saavedra
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