15 de dezembro de 2016

Onde se dá conta da continuação da reunião das delegações

Terminada a rusga da PJ e tomadas as acções de contenção, o Príncipe retomou o plano no ponto onde o tinha interrompido: delegação de atribuições aos ministros. Ordenou ao Pança que os reunisse, o que este fez com o desembaraço e o gozo conhecido. Desta vez nem o ministro Videira se atrasou!
O Príncipe foi directo ao assunto (os seus múltiplos cuidados obrigam-no a poupar tempo e a libertar tempo). Ordenou:
- Pança; apontai e passai, depois, ao escrivão-mor.
- Às ordens, Alteza – anuiu o Pança, com a solicitude conhecida.
- No ministro das Obras-Tortas delego a segurança nas obras e a substituição do Príncipe na sua ausência.
- Desculpe, Alteza; são empreitadas demais para um ministro enfraquecido. Dispensai-me da representação de Sua Alteza e demais atribuições. Seria loucura tentar semelhante desígnio, neste período delicado – rogou o ministro das Obras-Tortas.
- Faze-te forte – reforçou o Príncipe. A arte da governação está reservada para os distintos ou para os que querem sê-lo. E para sê-lo, é preciso passar bons ou maus sucedimentos. Lembrai-vos que nas desgraças sempre a ventura deixa uma porta aberta para remédio.
- Agradeço as suas sábias palavras, Alteza – disse de forma sentida o ministro das Obras-Tortas. Mas concedei-me esta dúvida: que lhe aproveita a Vossa Mercê conceder-me a sua insigne representação?
- A mim pouco, ou nada, mas é uma oportunidade para exercitardes a arte de representar e reinar. Ficareis melhor habilitado para concorrerdes ao governo de Terras d`Almagra - referiu o Príncipe.
- Eu estou mais é para abandonar este, do que para ficar ou meter-me noutro – disse, pesaroso, o ministro das Obras-Tortas. Pesa-me, só, o remorso de que poderei prejudicar Vossa Excelência. Nisto que nos agora aconteceu — tornou o ministro — tenho sido muito fustigado; arrependido estou de ter trocado os artefactos pelo que julgava ser vida-boa; quisera eu ter tido este entendimento quando Vossa Excelência me convidou e tinha evitado muito desgosto.
- Deveríeis saber que a vida de ministro não é só fama e bom passadio, está sujeita a mil perigos, afrontas e desventuras, sei bem do que falo – lembrou o Príncipe.
- Pouco me importa se são desventuras ou afrontas; o que me importa são as dores delas, e a forma como ficarão impressas na memória – reforçou o ministro.
- Não há lembrança que não se gaste com o tempo, nem dor que por morte não desapareça – lembrou o Príncipe.
- Será verdade, Alteza – anuiu o ministro. Mas que desgraça pode haver maior — acrescentou - que a que só o tempo cura, e só a morte acaba? Se este nosso contratempo fosse daqueles que se curam com uma confissão e uma boa penitência…
- Ajuda; deveis consultar o Cura Vaz – aconselhou o Príncipe. Mas tereis, também, que fazer das fraquezas forças.
- Elas faltam-me Alteza. E faltam-me apoios – disse o ministro com ar entristecido.
- Dize-me o que queres que por ti faça? - Perguntou o Príncipe.
- Nada Alteza. Eu é que preciso de saber o que hei-de fazer de mim – retorquiu o ministro.
- Sois uma criatura esforçada, popular e bom cristão; mas talvez isso não chegue para dar um bom ministro – concluiu o Príncipe.
- Pois aí é que a porca torce o rabo. Cada qual é como Deus o fez, e talvez não me tenha feito para isto – anuiu, conformado, o ministro das Obras-Tortas.
- Agora sim — disse o Príncipe — agora é que bateis no ponto que confirma o meu já resolvido intento. Termina esta empreitada o melhor que puderdes – rematou o Príncipe.
- Não digo que seja impossível, mas tenho-o por dificultoso. Nas mãos de Deus me entrego – disse o ministro.
- Que Deus te acompanhe e te dê um bom destino. Pelo muito que por vós fiz, imploro-vos que me deis o vosso favor e amparo, agora que tanto deles preciso.
- Eu cá não sou desagradecido; contai com a minha devoção.
- Que o Senhor nos acompanhe – desejou o Príncipe.
Ámen - disseram todos.
                                                                                                            Miguel Saavedra

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