9 de dezembro de 2016

Onde se dá conta da reunião do Príncipe com os seus ministros

O Príncipe sabe que para conquistar os súbditos tem que se aproximar deles; e para isso, tem que sair do convento de Santo António, tem que procurar o povo e misturar-se com ele – cousas onde não é muito versado. Mas, para o poder fazer, sabe (agora) que tem que se libertar dos seus muitos afazeres, das minudências em que se deixou enrolar e entreter; distanciando-se, ainda mais, de súbditos e, até, dos ministros; não se dando sequer conta do que não fazem, do que fazem mal, e - pior - do que andam a fazer. Chamou o Pança e ordenou-lhe que convocasse os ministros para uma reunião. O Pança perguntou: - Todos ou só os nossos, Alteza?
O Príncipe corrigiu logo a pergunta: - Fazes bem perguntar, Pança; mas fazes mal a pergunta! Sabes bem que são todos nossos; mas para este fim, só quero os que têm pasta atribuída.
- Percebido Alteza, - rematou o Pança.
No dia seguinte, à hora marcada, o Príncipe perguntou ao Pança se já tinham chegado todos, ao que este respondeu favoravelmente. Mal tinha o Príncipe acabado de se sentar, apareceu à porta, atrasado, o ministro Videira. Pediu desculpa pelo atraso - tinha-se descuidado no envio de uma encomenda.
O Príncipe, depois de fazer uma alocução alargada sobre o momento político e da necessidade que tinha de se libertar dos seus muitos afazeres para poder procurar a sua fortuna, e a deles (ou pelo menos de alguns deles); advertiu os ministros que esperava deles mais empenhamento, e que lhes iria delegar mais competências.
A cara dos ministros era de espanto e por todos perpassava uma interrogação: se quis concentrar tudo; porque delega, agora?
O Príncipe mandou o Pança apontar as atribuições a distribuir por cada ministro. E começou por dizer:
- Começo pelo ministro Videira, por ser o mais folgado. Delego-lhe a competência para emprestar os campos da bola.
- Não posso assumir mais atribuições, Alteza – reagiu incomodado o ministro Videira. Preciso é que Sua Alteza me liberte totalmente das que tenho.
- Libertado tendes estado, estes anos todos - retorquiu o Príncipe. Não acheis que seria melhor, que neste final de mandato, fizésseis alguma coisa, para justificardes o cargo? 
- Agora já não vale a pena, Alteza – contrapôs o ministro Videira. Falta-me tempo e querer; tais são as empresas em que estou metido.
- Empresas? Que empresas? – Interrogou o Príncipe.
- Várias, Alteza. Com a família e o negócio dos pines a crescer; e querendo tornar-me governador da junta, não tenho tempo para mais atribuições. E que lhe aproveita Vossa Mercê dar-me mais atribuições se não as exercitarei?
- Muito me surpreendeis: nunca governardes nada, como quereis ser governador? Quem te havia de dar uma junta para governardes? E logo a maior? Não vedes que há homens mais hábeis e esforçados do que tu para governador?
- Governo o meu negócio. - Refutou o ministro Videira.
- Tenho que mandar avaliar as incompatibilidades desse negócio.
- Não tem nenhuma incompatibilidade, Alteza. Não falto ao trabalho; faço-o aqui dentro, para outro público!  - contrapôs o ministro Videira.
A estupefação incomodou todos. Percebendo-o; adiantou-se o Pança para conter o imbróglio: - depois esclarecemos esses negócios…?
E o Príncipe interrompeu a reunião para almoço. Segue dentro de momentos.

                                                                                                                    Miguel Saavedra

1 comentário:

  1. O Ministro Videira é que a sabe toda, naquela seu ar de "porreiraço" consegue sempre levar a agua ao seu Moinho. Passa sempre pelos pingos da chuva sem grande contestação, ao contrario do Ministro das Obras e do Príncipe que parecem que trazem o Rei na barriga e que têm nojo do povinho.

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