14 de junho de 2018

Onde se dá conta da avaliação que o Príncipe e o seu escudeiro fizeram do Estado da Nação


A meio do ano, antes do período de descanso, o Príncipe decidiu avaliar o Estado da Nação, a fim de prevenir incómodos no regresso. No final da passada semana, antes de abandonar o trono, informou o Pança desse seu propósito; avisou-o que se preparasse convenientemente, durante o fim-de-semana, para lhe prestar contas, na primeira hora da semana seguinte, sobre as mui valorosas empreitadas de lhe tinha destinado.
O Pança não contava com esta incumbência de última hora. Depois de várias semanas em grande azáfama, que o obrigaram a desdobrar-se como nunca, tinha reservado o fim-de-semana para a família. Erro seu. Já deveria saber que escudeiro não tem outro Senhor nem ócios. Mas o pior nem era abdicar da família, que coitada já estava acostumada, era o muito trabalho que o esperava, toques e mais toques que era preciso dar, relações e compromissos que era necessário revisitar e avivar, depois de ter colocado as suas empreitadas em segundo plano para acudir às emergências do Príncipe.
Quando o Príncipe chegou, já o Pança estava no seu posto, e já tinha aproveitado o tempo de espera para fazer os contactos que não tinha conseguido fazer durante o fim-de-semana – sem sucesso. Assim que o Príncipe chegou ao cimo das escadas, avistou-o logo, e comunicou-lhe que se apresentasse daí a cinco minutos. O Pança estava nervoso; sabia bem que um exame político, com o Príncipe, é sempre imprevisível, e para este tinha sido apanhado de surpresa.
Quando o Pança se apresentou à porta do trono, o Príncipe ordenou de imediato:
- Entrai, Pança; não temos tempo a perder…Sentai-vos.
- Com licença, Alteza.
- Dizei-me, Pança: como vai o reino? E as nossas relações com os condados desalinhados?
- Bem, muito bem, Majestade. Reina uma paz absoluta; mérito, com certeza, da sua brilhante arte de governar. Oposição não tem, e a que tem serve, quanto muito, para mostrar aos súbditos que há Rei neste reino. Os condados desalinhados estão absorvidos, ou, pelo menos, em vias disso. Vossa Alteza tem, novamente, o poder absoluto. Viva o Rei.
- Deixai-vos desses adornos, Pança, são despropositados neste momento – avisou o Príncipe.
- Desculpai-me, Alteza; mas uma pessoa empolga-se com tanto sucesso, e não consegue guardar sempre a descrição que a solenidade de certos momentos exige – anuiu o Pança.
- Mas dizei-me, Pança: como vão as coisas pelo condado de Roda?
- Melhor do que alguma vez esperámos: o homem é nosso. Rompeu totalmente com o inimigo; assunto encerrado, parece tão confortável connosco que nem dispêndio nos vai exigir – afirmou, orgulhoso, o Pança.
- Bom trabalho… E a Oeste: como estão as coisas? – perguntou o Príncipe.
- Mais atrasadas, mas vem encaminhadas, Alteza. O Ramos é um rapaz de bem - se tal título se pode dar a um adversário que nos combateu e derrotou. Se não fosse a resistência da sua arisca escudeira, e as areias que o Conde-sem-condado e o Manel têm metido na engrenagem, já estava totalmente do nosso lado – afiançou o Pança.
- Não digo menos, nem o contrário disso, Pança – respondeu o Príncipe -; mas dizei-me: já conseguistes abafar a inspecção ao livro-de-contas?
- Ainda não, Alteza – afirmou o Pança. E acrescentou: - esse é o grande empecilho à pacificação …
- Mas dizei-me, Pança: o relatório é assim tão comprometedor para nós?
- É, Alteza. É como o de Abiúl, só que de maior grandeza. De tal forma que, se não fosse por saber que todos estes descômodos andam muito anexos ao exercício da política, aqui me deixara morrer de pura vergonha – afirmou, desgostoso, o Pança.
- Deixai-vos disso, e fazei das fraquezas, forças, Pança. Se em Abiúl – terra de toiros e toureiros – conseguimos abafar a coisa; ali, melhor haveis de o conseguir também – reforçou o Príncipe.
- Este contratempo não é daqueles que se passa bem para detrás das costas, ou se cura com uma prebenda avantajada, é uma rixazinha que poderá desgraçar-nos a reputação… - afirmou o Pança.
- Fazei como em Abiúl – ordenou o Príncipe, e acrescentou: - Sabeis, com certeza, arranjar maneira de meter o relatório na gaveta ou fazê-lo desaparecer.
- Claro, Alteza; temos que arranjar uma forma de o fazer desaparecer. Na última reunião conseguimos arregimentar a nossa malta mais influente (o Manel, o Ferrador e C.ª) e abafámos aquilo. Mas a coisa não está fácil, mesmo contando com a boa vontade do Ramos…
- Mas ele está, ou não está, connosco? Perguntou, meio irritado, o Príncipe.
- Está, Alteza; mas a estrada a percorrer é de via única – não cabem lá dois cavalos. O Conde-sem-condado quer recuperar o condado, ainda não percebeu que tem que abrir caminho…O Ramos sabe que se perder a face abre caminho ao Conde-sem-condado, ou a outro dos nossos.
- Costuma-se dizer, Pança, que cada qual é artífice da sua ventura. O Conde ficou sem condado, coitado, porque tem uma inclinação, que lhe vem de haver sido abastado no tempo da sua mocidade, que o leva a ser liberal e gastador. Foi pelo caminho mais fácil: seguiu a (des)governação do Manel, que eu já tinha denunciado há vários anos, mas não se deu conta que não possuía os dotes dissimuladores dele – afirmou o Príncipe.
- Tendes razão, Alteza; é sempre assim: para os vencidos muda-se o bem em mal e o mal em pior – atestou o Pança.
- Há mais algum problema no reino, Pança? - perguntou o Príncipe.
- Em Abizeude as coisas podem descambar. A governanta não é de confiança: muda de camisola ao ritmo que nós mudamos de humor. Agora anda alinhada com o inimigo (ou amigo, veio de lá): aprovou-lhe as propostas todas. Diz-se que está revoltada porque Vossa Mercê ainda não cumpriu o compromisso que assumiu com ela – afirmou o Pança.
- Deixai esse assunto comigo… Conheceis mais desavenças que urge conter? - perguntou o Príncipe.
- No condado de Vermoim as coisas também podem azedar. Como o Senhor bem sabe, o beato Ilídio não nasceu para ser desobedecido; e, naquele seu jeito languinhento, quer todos em concórdia consigo. Resultado? O gordo sente-se mais desgovernado do que governador – explicou o Pança.
- Aí, controla-se bem a coisa: fazemo-los passar pelo confessionário…- concluiu o Príncipe.
                                                                                                                  Miguel Saavedra

1 comentário:

  1. A Monarquia no Reino de "Palumbare" está a dar sinais de grande enfraquecimento. Serão 8 anos mas no Reino laranja as movimentações são no sentido da Restauração da República. do Reino de Palumbare, vai-se passar para a República Popular do Pimpas. A não ser que nas hostes de esquerda surja um D. Sebastião num dia de nevoeiro e volte a conquistar o Castelo e proclamar a República Social Socialista de Pombal.

    ResponderEliminar

O comentário que vai submeter será moderado (rejeitado ou aceite na integra), tão breve quanto possível, por um dos administradores.
Se o comentário não abordar a temática do post ou o fizer de forma injuriosa ou difamatória não será publicado. Neste caso, aconselhamo-lo a corrigir o conteúdo ou a linguagem.
Bons comentários.