27 de abril de 2019

O que disse Inês Gonçalves no jantar do Farpas

“Era uma vez um pequeno inferno e um pequeno paraíso, e as pessoas andavam de um lado para o outro, e encontravam-nos, a eles, ao inferno e ao paraíso, e tornavam-nos como seus, e eles eram seus de verdade. As pessoas eram pequenas, mas faziam muito ruído. E diziam: É meu o inferno, é meu o paraíso. E não devemos malquerer as mitologias assim, porque são das pessoas, e neste assunto de pessoas, amá-las é que é bom”.
Estas palavras não são minhas. Quem me dera que assim fosse. São do poeta Herberto Helder e podem encontrá-las no livro “Os passos em volta”.
E escolhi começar com estas palavras porque elas nos remetem diretamente para uma componente que por desleixo, habituação ou interesses acaba por ser deixada de lado na política: falo das pessoas.
Eu não sou poeta e por isso não sei descrever de forma tão bonita o quotidiano das pessoas. Por isso, quando me convidaram para vir aqui falar eu avisei imediatamente que neste momento podia apenas falar no papel que tenho desempenhado nos últimos anos: o papel de desertora. Nasci e cresci em Pombal mas há 6 anos que não vivo aqui. Não penso voltar porque acho que o mundo é grande e eu ainda vi tão pouco. Mas ao mesmo tempo tenho visto muito e também por isso me dói mais,  cada vez que volto.
Dói-me vir à cidade e ver as ruas vazias.
Ver que os únicos lugares que ainda têm movimento são frequentados principalmente por população envelhecida.
Dói-me falar com gente da minha idade que resolveu regressar ou nunca ir embora e ouvi-los dizer que “Não esta cá ninguém”.
Entre a crise, a emigração e busca de melhores oportunidades em outras cidades do país fomos ficando sem gente. Mas como resposta política não vimos nem medidas que procurem fazer regressar essa gente à terra, nem medidas que melhorem a vida dos que cá escolhem ficar. Bem sei que iniciativas microescópicas têm sido lançadas para freguês ver. O dia disto, o evento daquilo, vai foto no Facebook e mais uma capa do Jornal cá da terra.
Floreamos, floreamos e fugimos ao cerne da questão: o concelho precisa urgentemente de investimento de maior escala. É certo que esse tipo de investimento não se encontra debaixo das pedras. No entanto, tenho trabalhado muito na área e se há coisa que sei é que em muitos raros casos nos vem bater a porta a perguntar “É neste concelho que querem que instale o meu negócio?”. E nisto já vamos tarde. Que muitos concelhos, até mesmo com a mesma cor política que o nosso,  já se adiantaram e já andam por aí a mostrar os seus diferenciadores.
Há pacotes de medidas que devem ser criados mas mais que isso devem ser publicitados nos locais corretos.
O problema é que para isso acontecer tem que existir uma estratégia de crescimento económico para o concelho. E para isso há algumas perguntas que tem que ser feitas:
O quê: Em que áreas queremos e temos potencial de crescimento?
Qual é o nosso diferenciador?
Como? Apoiando as empresas que já existem? Procurando novo investimento? Temos que qualificar a mão de obra existente dando mais bolsas de estudo para o ensino superior, e profissional? Temos que buscar nova mão de obra qualificada? Temos que alinhar a criação de cursos profissionais nas escolas a essa nova oferta?
 Quem?: temos que determinar que actores serão parte da estratégia para garantir uma implementação rápida e eficaz.
Onde?: a mim não me incomodaria nada que a comitiva internacional que recentemente andou a distribuir a selfie e o beijinho por terras francesas, aproveitasse por exemplo este tipo de viagens para fins de maior impacto para o concelho.

Temos que definir urgentemente onde queremos ir e como queremos chegar.
Porque o que eu vejo cada vez que venho a cidade é um concelho sem rumo para as suas gentes: líderes e oposição que vão lançando uns projectos, mais umas obras, mais umas requalificações, mais betão. Mas pouco pensamento estratégico que faça com o que o concelho cresça efectivamente. A falta de uma estratégia de gestão é para mim o maior problema dos executivos que têm passado pela câmara nos últimos anos e denota-se de forma transversal em tudo o que metem a mão.
Vejamos alguns pequenos exemplos: considero que temos um concelho bem dotado de infraestruturas - todos nos recordamos da febre dos campos de futebol e associações em tudo quanto é aldeia durante os tempos de Narciso Mota, que hoje pouco são utilizadas pela população. Há escolas primárias fechadas sem destino. Mas vamos ao mais pequeno exemplo: temos uma cafeteria no ponto de maior atração turística do concelho que aos domingos fecha às 6 da tarde.
Um Sistema de transporte que não está desenhado para a população activa e que por isso é ineficiente. É preciso pensar se as rotas estão bem desenhadas, se a determinadas horas deveriam existir conexões diretas de determinados pontos da cidade ao centro. 
Há eventos que se fazem para cumprir calendário: continuamos a festejar o Bodo da mesma maneira há não sei quantos anos, temos aqui bem perto o exemplo de Cantanhede que tem claramente uma estratégia de crescimento para as suas festas, e que todos os anos se bate por fazer melhor que no ano anterior.
Em Pombal, quando há um evento ja nem precisamos de ir porque já sabemos como vai ser: seja bodo, comemoração ao do 25 de abril, feira medieval, inauguração da primavera ou feira de natal: vai ser igual ao ano anterior ou pior. Nunca melhor. E é esse desleixo, essa falta de interesse, esse para quem e’ isto e’ suficiente” que me enerva. Esse desrespeito pelos que vão lutando para ficar por aqui.
E os que ficaram por aqui não estão só no centro da cidade. O concelho vai da serra ao mar como tanto gostam de anunciar e os que ficaram, velhos e novos, estão espalhados pelos 620 km2 de área que temos. Essa gente não precisa só que lhe alcatroem as estradas, depois de muito chorarem.  Precisa de medidas que não os deixem esquecidos.
 Principalmente os mais idosos que são população mais vulnerável e que muitas vezes não tem cá ninguém que os cuide porque os filhos foram embora.
Por último eu queria deixar uma mensagem à população: eu não acredito naquele ditado de cada um tem o que merece porque levamos tantos anos habituados a esta dinâmica que a verdade é que não conhecemos melhor. Mas hoje em dia há lugar para ser mais curioso, para ser mais exigente, para pedir que nos prestem contas, tanto o executivo como a oposição.  Felizmente e fruto do dia que se celebra amanhã,  se foram criando espaços como este, do Farpas. O farpas é um blog mas cada vez mais  também é o único meio de comunicação fiável e também a única oposição sólida que o poder vai encontrando, e que vai sendo uma lufada de ar fresco na comunidade.
 e criando lugar para um debate mais formal e exigente que de outra forma se vai perdendo em lamentos de café, que fazem pouco mais que alimentar o ego de uns quantos.
Herberto dizia que uns vêem o paraíso e os outros o inferno. Sei que chegar ao paraíso de que fala talvez seja uma utopia mas neste momento já me contentava com que fossemos planeando sair do purgatório.
Inês Gonçalves, natural da Ponte de Assamaça,  especialista em marketing digital

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