Às onze horas da manhã de sexta-feira, 7 de Fevereiro de 2014, o meu (e Vosso) Amigo Gonçalo Santos, do alto da Rádio Cardal onde há tantos anos trabalha tão bem, tirou uma fotografia que vale por todo um depoimento palavroso. Tal imagem vale bem e justifica bem as mil palavras que possa suscitar. Não se vê humana mosca na Avenida. Ninguém. Às onze da manhã de um dia útil, nem uma alma. Uns carros estacionados. Alguns lugares disponíveis para mais. Árvores magras sem uma sombra de folha. Nuvens carregadas a Oriente sublimando a invernia corrente. É uma gravura tremenda: porque dela ressuma o deserto, a desertificação, o despovoamento, a aridez – e a solidão gravosa de toda a província que se deixou comer pela soda cáustica da famigerada globalização. É preciso ter coração de pedra para não ficar com um nó na garganta e outro no peito. Onde está a humanidade desta nossa charneira? Que é feito do vulgar cidadão que ia ali às Finanças tratar do problema dele? Que é feito da senhora que à montra do Mário “Pneu” estudava uma mobília de quarto para a filha que se vai casar, em Agosto naturalmente, com um rapaz ali do Barrocal que se fez engenheiro em Coimbra? Que é feito do polícia em tranquila ronda? O David “Jornaleiro” tinha mesmo de ir para Abiul? Não há ninguém que aceite companhia para uma bica no Esquina? Por que não passa nenhum táxi? Caramba, é esta sexta-feira – e a vida sempre foi melhor às sextas, que me lembre.
Não se vê um cão público com suas pulgas privadas. Não se vê o bom Diogo Mateus acompanhadíssimo de investidores sul-americanos como os que nos foram prometidos nas abébias de campanha. Não se vê o bom Adelino Mendes a resgatar o PS de um buraco maior do que aquele que o senhor Carrilho anda a abrir há duzentos e trinta e sete anos na Sicó. Não se vê o furtivo António Jorge Calvete a abrir (mais) um colégio como quem escancara portas a (mais) um bazar chinês. Não se vê o sempre magnífico Adelino Leitão a refundar a Internacional Moscovita entre o Ramiro do Shopping e o Tó Mota da Viúva. Não se sente sequer a torrente oratória do civilizado doutor Armindo Carolino suspeitando (com razão) de que o buraco da Sicó não é local decente para a sede do PS. Nem sombra há do impecavelmente trajado doutor Luís Garcia a caminho do Arlindo da 2000 para ali usufruir da sempre perigosa proximidade de cavalheiros como o bom Alfredo Faustino e o engenheiro Francisco Faro. Não se vê nadinha, a ponto de eu me perguntar se isto não é, afinal, a terra de nascimento do José Feliciano, do Andrea Bocelli e do Stevie Wonder.
Podereis pensar que me estou a rir enquanto
escrevo isto. Não estou. Muito pelo contrário. A fotografia do Gonçalo tirou-me
as ganas de gozão. Ainda me aparece o Alegria-2 às canelas e/ou o Tarantola às
lapelas – e depois é que são elas. Ando assim (sorumbático, encolhido, mirrado,
enxovalhado quase) desde que o ti’ Ilídio fechou a Cardigo. Eu ia lá às sextas. Antes e depois de lá ir, era uma
alegria. O Cardal ainda tinha gente. O João Faria ainda não pensava na
Associação de Pais do Agrupamento da Secundária. O David ainda não tinha ido
para Abiul. O Pedro “Chita” ainda tinha o Matrix
e nem por sombras pensava em atacar os cordões à mochila e emigrar. E o Alfredo
já era o “27” porque com facilidade havia mais 26 na rua.
As coisas estão a mudar para muito pior.
Afinal o futuro era isto. Sempre quero ver o que é que a anunciada Pombal TV vai filmar. Se for filmar a
pedreira, que se despache, que a serra é capaz de não chegar ao Natal. Se for
filmar assuntos aqui mesmo farpeados,
compromete a sua própria “credibilidade”,
que é uma coisa que preocupa muito um jota
veterano da nossa (triste) praça. Se calhar, o melhor mesmo é esse novo
projecto (que aqui saúdo como boa-nova que é) se dedicar tão-só a registar as
reuniões mensais da Assembleia Municipal. Com as devidas excepções, sempre
seria dar coerência ao vazio: nem que seja pela cabal amostragem,
salvaguardadíssimas as justas e honrosas excepções, deste ou daquele camelo,
que é alimária que nunca falta em deserto que se preze. Ou a si mesmo se
despreze, coisa que a fotografia do Gonçalo faz ver até ao Feliciano, até ao
Bocelli e até ao Stevie Wonder.
Daniel amigo, e a tristeza maior, é que desertificação não se passa somente em Pombal. É no País inteiro. Os jovens com formação bateram com a porta e fizeram como o Barroso, o Guterres, o Alvaro. os que ficaram ficam sós e abandonados. Alguns resistem lutando contra os moinhos de vento. Mas para uns Srs. que se reuniram no passado fim de semana em Lisboa Portugal está melhor.... e riram-se a bom rir. Cambada de cretinos sem alma.
ResponderEliminarA CORAGEM DE CONSEGUIR ESCREVER AQUILO QUE OUTROS NAO CONSEGUEM FAZER.
ResponderEliminarTenho por habito gostar de ler "Abrunheiro" essa da terra do nascimento de Jose Feliciano do Andrea Bocelli e do Stevie Wonder esta para mim no topo. Eis a razao porque o principe
foi coroado rei pelos "pombalones".
O Adelino Mendes (tenho andado surdo dos meus ouvidos) vai aparecer quando faltar 2 meses para as eleicoes para ser ser eleito o Perfeito da Perfeitura Pombalone
Continua Daniel gosto muito de ler.
EA
Meus amigos, este mal há muito anda por Pombal, claro que está que o que o povo diz é que é consequência da crise, acredito que também tenha a sua parte de culpa, mas o que é certo é que Pombal nunca foi uma cidade bairrista e as pessoas que lá vivem são movidas por modas, eu fui proprietário de alguns sítios que davam vida á noite de Pombal e que ao mesmo tempo faziam com que os mais velhos saíssem para ver as modas e levassem os netos a passear até ao jardim e víamos jovens de 60/70 anos sentados nos bancos a conversarem, os que não podiam frequentar os bares, jogavam á estrada, á bota ao cinto e ao bate o pá, essas eram as nossas telenovelas e os nossos computadores da altura. Fico triste, porque apesar de ter emigrado, gosto muito da minha terra " Pombal" e tenho a certeza que num futuro breve tentarei remar contra a maré e tentar fazer alguma coisa para que nunca mais se repitam fotografias como esta. Um abraço a todos.
ResponderEliminarEis a realidade, dura e crua como ela afinal é...
ResponderEliminarMuito infelizmente, constata-se de que é um muito bem conseguido retrato descrito. Acontece quando as palavras dão complemento a uma imagem, já por si, com imensas palavras de um vazio, de algo que partiu, mas na esperança que volte.
Muitos Parabéns, e muito obrigado pelo artigo o qual contemplei e que mais uma vez apreciei tal escrita.
Bem haja.
Uma fotografia que traduz, na minha opinião, aquilo que fielmente se passa a nível nacional, e não somente aqui entre paredes: cinzentismo. Apatia geral.
ResponderEliminarAté o chão, semi-seco, entre-a-próxima-chuvada-que-promete, nos indica que nem carne, nem peixe. Parece um chão de ombros desfalecidos. Resignado.
Onde antes teríamos sérias dificuldades em estacionar um automóvel que fosse em tempos idos (não muito distantes!) , agora temos (contei eu na imagem) 5 lugares disponíveis! Será que começamos a andar de bicicleta para o trabalho? Mesmo que debaixo de uma promessa forte de chover??
Onde está o Sol que nos prometem, mas que insistem em tapá-lo com nuvens carregadas de promessas postiças?
Onde estão as massas que outrora circulavam? Nem as erróneas ali estão!
Mais triste que um deserto, é desertificar o indesertificável ! Quem o conseguiu? Merece um busto ao lado do Marquês, para podermos fazer relativizações.
Boa tarde amigos e companheiros. Esta também pode ser a terra de gente que por cá anda, a escritora e pintora Ercilia, do coleccionador e fotografo Nelson Rocha, do Pedro Roma e do ciclista Mota, de gente boa e outra que se atura com paciência como aqui o ilustre escriba deste texto. E dos filhos do Tó Silva.
ResponderEliminarNão vou mais do que 2 ou 3 vezes por ano a Pombal. Recordo um dia, há cerca de 30 anos, na altura do mês de Agosto, de ter entrado em Pombal, penso que ainda não era cidade, e momentaneamente fiquei com a impressão de que estava numa cidade francesa, perto da Alemanha, pois só via carros com matriculas de lá. Foi há muito tempo! e... os tempos mudaram, infelizmente.
ResponderEliminar"Ainda me aparece o Alegria-2 às canelas e/ou o Tarantola às lapelas – e depois é que são elas."
ResponderEliminarEsteja descansado que a mim, não me apetece.
Mas olhe que dava pano para mangas (dálpaca)
As mangas "dálpaca" concretizam as anunciadas "caneladas"...
EliminarAo ver esta foto do amigo Gonçalo, lembrei-me do recentemente apregoado pela nossa n.º 2 "inconseguimento frustracional". O país tem sido, é, e pelos vistos vai continuar a ser mal governado... mas isto de falar mal dos políticos é como tens no título "clamar no deserto". Devíamos ter os melhores a gerir o país, mas infelizmente isso não acontece e quando a sociedade volta as costas à vida política a consequência é acabar governado por pessoas pouco competentes. Isto não é geral, há gente muito competente entre os nossos políticos, mas infelizmente essa não é a regra...
ResponderEliminarPS: num texto com a qualidade literária que sempre imprimes, nem devia ser permitido um apontador de números vir aqui intrometer ideias... na próxima escrevo menos e revejo antes de publicar. :)
Abraço
Caro Sr. Daniel
ResponderEliminarO Tarantola, aqui no seu casulo, com a teia devidamente estruturada, tinha todo o prazer em urdir um texto com a qualidade do teu, não o faz, não quer entrar na disputa para o melhor texto contigo para não ficar mal visto, têm consciência que ia perder, portanto, resta-lhe farpear sempre que oportuno,
Entendo que a tua entrada no Farpas é uma mais valia literária, lei -o sempre os teus textos duas e três vezes para encontrar surpresas e aprender algo sobre o nosso bonito português, sim, o português português de seu nome verdadeiro, não aquele que confunde fatos com factos que de bom português apenas têm " aqueli docinho né " que se confunde com bombom, este último da doçaria do shoping e não o da " minina né.".
Gosto muito do nosso português porque não confunde o pretuguês com a língua mãe " cê " sabe bem transmitir os valores literários da nossa língua
O Daniel escreve sempre muito bem, mas, nos últimos tempos, este foi um dos textos mais deliciosos que li dele, como já tive oportunidade de lhe dizer pessoalmente.
ResponderEliminarUm texto extraordinário, Daniel!...
Soubéra eu assim escrever e ainda mudava de profissão.
Grande abraço!...