Eu
já fui professor do então denominado 8.º Grupo B do ensino secundário.
Aconteceu noutro século. Nesses já remotos anos, a minha Escola era o
louriçalense Instituto D. João V. E a vida era boa como cerejas frescas. E dava
para pôr um “V” antes do segundo “E” de “cerejas”. Adiante.
Entre
1989 e 1993, a minha Escola era, como disse, o louriçalense Instituto D. João
V, estabelecimento então muito menos famoso do que agora, mas por boas razões:
os professores davam aulas, os alunos tinham-nas e a Associação de Pais local
era uma remota eventualidade mais do foro da ficção científica do que da
pragmática quotidiana do regular funcionamento lectivo. Mas adiante de novo.
Aconteceu
que, em 1990 primeiro e logo depois em 1991, este V. cronista foi convidado
pelo Conselho Directivo da Escola Secundária de Pombal a vir à estimada e
prestigiosa instituição que tantos bons frutos deu já à Pátria e até a Vermoil.
Aceitei. Motivo do convite: palestrar e aconselhar os então
décimo-segundo-anistas relativamente à famigerada PGA (Prova Geral de Acesso,
espécie de funil artificioso com que o ME de então queria justificar o numerus clausus do acesso ao Superior). Disse
que sim e vim. Fui muito bem recebido, tanto em 90 como em 91. Tenho até dois
certificados carimbados e tudo que atestam que V. não aldrabo. Acho que os
miúdos aproveitaram alguma coisa. Eu também. E pronto: num fósforo, já lá vai
um quarto de século quase. Pelos meus 30 anos, deixei o ensino como ganha-pão e
ingressei no jornalismo. Asneiras da juventude, que hoje amargo com
língua-de-palmo. Ou não. Mas adiante ainda, que o bingo ainda não é aqui.
Estabelecido o contexto nos
primeiros parágrafos, ataco agora o assunto que deveras aqui me trouxe. E o
assunto que deveras aqui me trouxe – é o da balbúrdia que pela mesma Secundária
pombalense parece andar (e anda) grassando e desgraçando quase tudo e quase
todos, do mais ínfimo bicho-careta ao mais autoproclamado
senhor-doutor-da-mula-ruça-dá-lhe-o-xarope-para-que-ela-não-tussa.
Garanto-vos que em 1990 não era
nada disto: professores eram professores, pais eram pais, directores eram
directores, alunos eram alunos – e a mais, ninguém se sentia obrigado. Agora,
nada disso. Agora há professores que querem ser pais e professores ao mesmo
tempo e na mesma Escola. Praticamente, moram lá, só devem ir a casa escovar os
dentes e mudar a areia ao gato. Parece-me que secundária, para eles, é a missão
educativa, porque primária é a tentação de mandar alguma coisita, já que se
calhar em casa não mandam nada. Ou então, se calhar, esta zaragata de vespas,
por assim dizer, nasceu da mesma confusão originada pelo abate/fusão de
freguesias. De freguesias e de agrupamentos. Puseram, por exemplo, o
agrupamento da Marquês a chuchar – e agora é o que se vê: uma cacofonia de
tachos vazios tão grande, que ele é alumínio amolgado por tudo quanto é sítio.
Alumínio e até casais casados tão bem habituadinhos a mandar naquilo que, até
por lei, nem é deles.
(Abro aqui parêntesis por
necessidade de clareza, teatrice de àparte e injecção de piadola. A coisa vai
em maiúsculas como se eu estivesse no palco do Teatro-Cine a mandar bojardas
gilvicentinas para gáudio da geral plateia: ENTÃO E SE O JOÃO FARIA TIVESSE
FEITO E TIDO E MANTIDO FILHOS? PODERIA O BOM JOÃO CONCORRER, ELE TAMBÉM, À
ASSOCIAÇÃO DE PAIS DA SECUNDÁRIA? HUM? PODERIA OU NÃO PODERIA? OU TAMBÉM LHE
DIRIAM QUE ELE NÃO TINHA LÁ CABIDELA PORQUE NÃO TEM CURSO SUPERIOR E PORTANTO
NEM SABE FAZER ACTAS NEM PODE DAR RELIGIÃO E MORAL? HUM? Fim de parêntesis.)
Ora, como vos dizia, tudo isto me
cheira ao mesmo esturro da politiquice baixa tão à moda e ao gosto da cena
pombalense. Cheira-me, até, a cera fria de sacristia, um não-sei-quê de saiotes
à Opus Dei fantasmando vigaricezitas em nome do
é-tudo-por-Deus-mas-começa-por-mim. Cheira, cheira. E por me cheirar a essa
ímpia e falsa piedade, dou-lhe de machado. Claro. (Até já estava a demorar o
trocadilhozito, não estava? É mais ou menos por esta altura que por exemplo o
Zé Gomes Fernandes se começa a rir, esse meu Amigo que tão calado tem andado em
relação à ETAP desde que os maiorais de lá também foram mudados.) Mas o bingo é
ali em frente e não há-de ser ele a vir a nós. Vamos pois nós a ele com
esforço, dedicação e devoção, que a glória é certa, a acreditar no Sporting.
Eu não lhe chamo ilegal, mas
chamo-lhe imoral, até regimentalmente. A quê? A quem? Ora, a ser prof. e pai e
tudo ao mesmo tempo – nem que seja para que mais ninguém o possa ser. E acho
perfeitamente tenebroso que a Educação deixe de ser efectiva e genuína causa
comum para ser apenas a gamela onde refocilam lavagens uns quantos bacoritos
ávidos de projecção social que nem sequer desconfiam que, lá ao fundo dos 40, 50,
60 anitos está a moléstia à espera de nos tornar a todos clientes da Guida da
Funerária. E que a vida é curta. E que a vida é preciosa de mais para ser
desperdiçada nestas questiúnculas de auto-afirmação sempre (MAS SEMPRE) em
detrimento dos outros. E que nem nos próprios filhos pensam, ocupados que estão
na ilusão de, em vez de um Opel Corsa a cair aos bocados como agora, virem a
ter na garagem nem que seja uma terça parte dos calhambeques de luxo como os
Madamas, esses campeões do sorteio das facturas, pois assim foi que juntaram
tanto Ferrari, ó bom Deus!
Se eu posso dizer isto?
Posso –
porque sei o que digo, sei do que falo – e porque, referindo-me afinal a toda a
gente, particularizo ninguém. Não é assim, ó meu bom Amigo Manuel António, que
em vez de andares sossegadinho lá pela nossa Guia ainda te dás ao triste luxo
de ensinar a gente que estas coisas do poder são muito lindas mas têm de ser
legítimas. Que para se ser bom docente, decente há que ser também. Que os
Conselhos Gerais têm precisamente de ser isso – Gerais, não propriedade privada
de meia-dúzia de malacuecos que fazem
vista-grossa à incontornável obrigação de a barcarola da Educação ser remada
por todos e na mesma direcção, de professores a alunos, de pessoal não docente
a pais, com uns pós de Câmara (mas não muitos, caso contrário lá me cheira
outra vez a sacristia politiqueira), de entidades locais e… do João Faria, que
mesmo, ao que se saiba, não sendo pai, nem sabendo redigir actas à “doutor”,
também no meu tempo ia ao Instituto do antigo Louriçal mostrar aqueles
calhauzitos carregadinhos de sinais dinossáuricos.
Como
dinossáurica também me parece, à pombalense moda, esta afinal ridícula
trauliteirice de uns zés-marias-afinal-ninguéns que, sem ao menos uma
associaçãozita de pais, nenhuma marca deixariam.
Nem pela
tal PGA passariam com aproveitamento. Pela PGA ou por mim, que também fui
professor, que também sou pai mas nunca me dei à triste sina de querer
mentirosamente parecer o que o ser verdadeiramente me nunca deu.
Ite,
missa est. Ide em paz.
Amigo e companheiro Daniel Abrunheiro, boa noite.
ResponderEliminarLi e fico triste.
Abraço