9 de novembro de 2018

Uma história de vida, que mete touros

Há duas décadas, estava instalada no país a polémica sobre os touros de morte, por causa da morte do touro pelos barranquenhos durante as festas anuais. Sempre fui contra os touros de morte e, como normalista que sempre fui (agora menos), não percebia porque é que o Estado continuava a tolerar aquela excepção - se, naquela altura, houvesse facebook teria desancado forte nos políticos “fracos” que permitiam aquela violação da lei.
No verão seguinte, resolvi fazer um desvio na viagem da semana de férias no Algarve, e aproveitar para conhecer alguma coisa de Barrancos (daquele povo bruto que matava o touro e desafiava a autoridade do Estado). Almocei em Monsaraz (nas viagens para o Algarve aproveito sempre para desfrutar da cozinha alentejana) e continuei por estadas estreitas e com mau piso até Barrancos. Chegado ao centro da vila, no alto, deparei-me com uma praça pequena, com piso de rocha natural irregular, circundada por casario terreno, de pedra e telhados com telha de canudo, pobre e degradado; uma taberna/café no lado este; velhotes sentados nas lajes em frente às casas, no lado com sombra, agarrados ao seu cajado; e dois ou três garotos a dar pontapés numa pequena bola de plástico. Fui á taberna beber uma bebida fresca; dei uma pequena volta à pequena vila e parei por uns momentos junto ao carro, na praça, antes de retomar a viagem. Lembro-me como se fosse hoje: senti um arrepio que me contraiu a face, desceu e contraiu barriga (uma espécie de murro no estômago), e soou-me este grito na cabeça: fxxx-se, Adelino; estás errado! E este povo está certo! Este povo, que não tem quase nada, tem a dignidade suficiente para não abrir mão da sua cultura, da sua história, das suas tradições, dos seus laços. Percebi naquele momento porque é que aquelas festas se continuavam a realizar daquela forma, com aquele esforço e galhardia, com aquele sentido comunitário, onde o touro é lidado, morto, esfolado, cozinhado e comido pela pobre comunidade. Aquela gente não celebra a morte, celebra a vida e a alegria (talvez a única do ano); aquela gente não é bruta, é fraterna; aquela gente não é baixa, é Grande.
Parti, voltei atrás - porque junto à fronteira não existia estrada que ligasse ao Algarve -, atravessei a fronteira, andei muito até Huelva, entrei ao fim da tarde pela fronteira de Vila Real de Santo António com a garota pequena chateada porque tinha perdido uma das poucos tardes de praia que tinha para gozar. Mas eu recebi uma grande lição de vida.

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