23 de abril de 2024

Canções de Abril #23

 


A 24 de fevereiro de 1969, Simone de Oliveira ganhava o Festival com uma canção que fintou a censura. Versos como "quem faz um filho fá-lo por gosto" foram ouvidos demasiado tarde pelos guardiões da moral e dos bons costumes. A Desfolhada, poema de José Carlos Ary dos Santos e música de Nuno Nazareth Fernandes, chegaria à Eurovisão com todos os holofotes apontados. De melodia revigorante e lirismo aglutinador, era considerada a melhor letra pelos jornais estrangeiros”. Mas esbarrou num assumido europeísmo anti-Portugal, numa altura em que a guerra em África ia longa e sangrenta.
Na vasta carreira de Simone, a Desfolhada haveria de tornar-se um símbolo, também pelo facto de coroar a maior finta à censura, ombreando apenas com a Tourada, de Fernando Tordo, em 1973. 
Em 1968, um tema de Zeca Afonso tinha sido afastado da competição, o que aliás se tornaria prática recorrente para um leque de artistas incómodos. O título da canção de Zeca Afonso era tão só "Vejam Bem".

Poucos saberão que esta canção não foi escrita para Simone de Oliveira, mas para Elisa Lisboa, uma jovem atriz do Teatro Experimental de Cascais. A poucos dias do  festival, Elisa desistiu, apresentando razões pessoais e um atestado médico, com diagnóstico de 'laringotraqueíte'. E assim se chamou Simone de Oliveira. Depois de vencer o festival, partiu da estação de Santa Apolónia, em Lisboa, em direcção a Madrid, pela rota ferroviária de duas ditaduras, alimentando grandes expetativas.  Ao longo do percurso, milhares de pessoas acenavam, exibindo cartazes de apoio.
Mas o  enorme sucesso da "Desfolhada" em Portugal não teve o mesmo resultado no Teatro Real de Madrid, palco do Festival Eurovisão de 1969. A canção seria atirada para um penúltimo lugar, apenas com quatro pontos. Para o público nacional, de pouco importou: Simone foi recebida em apoteose, à chegada a Lisboa. Curiosamente, até o Estado Novo lavraria o seu desencanto por "tamanha injustiça à música nacional". Em protesto, Portugal não se faria representar no Festival Eurovisão da Canção do ano seguinte (1970).
A verdade é que, 55 anos volvidos, a canção ainda hoje anda nas bocas do povo.

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