Daniel Abrunheiro*
Pergunta-me um amigo se vi pela TV a entrevista do primeiro-ministro. Disse-lhe que não. Não vi por uma questão de higiene. Mental. Minha. Muito minha e muito mental. Não vi. Não quero saber. Não sou um jornalista ao serviço dele. Nem dele nem de ninguém.
À hora da dita entrevista, estava eu em casa muito sossegadinho a ler o meu dicionário da Porto Editora, escrito ainda sem a porcaria ortográfica pró-brasuca que aí vem. “Higiene mental: ramo da higiene destinado a manter a saúde mental e a assegurar a profilaxia das neuroses e das psicoses, combatendo os factores nocivos (excessos de tabaco, choques emocionais, intoxicações, alcoolismo, etc.)”. Tirando a parte do alcoolismo, percebi tudo.
Como não rimo “jornalista” com “acólito”, não assisti, nem de joelhos nem de cócoras, à tal entrevista. Tinham-me dado uma rica garrafa de tinto maduro, a mulher tinha trazido broa e bacalhau desfiado, num frasco de vidro grosso havia azeitonas perfumadas de alho e coentros em sal também grosso. Comemos e bebemos à saúde um da outra. Nem ela nem eu vimos a entrevista do senhor. Não vimos. Cheira-me que também não vamos ver a próxima.
A minha mulher também é muito higiénica. Por dentro e por fora. Foi uma riqueza que me aconteceu, a minha senhora. Às vezes, estamos na cama e rimo-nos muito. Eu digo o nome de um ministro (um qualquer) e ela desata-se a rir, contagiando-me irreversível e inelutavelmente. Depois, ela diz o nome de outro (outro qualquer) e eu desmancho-me, contagiando-a inelutável e irreversivelmente. De modo que somos felizes assim, felizes com a desgraça dos outros portugueses que já não se riem. Podia dar-nos para pior.
O amor é assim: nenhuma TV e um fio aromático de coentros cortando a espuma roxa de um tinto para esquecer.
*Convidado....Mais farpas para 2009!
Com este texto do escritor/cronista Daniel Abrunheiro – o primeiro de muitos que aqui contamos publicar – está em marcha um plano de maior abertura deste blogue à digníssima sociedade civil, tal como já aqui ficara expresso o desejo, no ano que findou.
A par desta novidade que é a colaboração do Daniel, aguardamos a qualquer momento o primeiro post de um novo “farpista”: Adelino Leitão, him self.
Não digam que o ano não promete…
"E na epiderme de cada facto contemporâneo cravaremos uma farpa: apenas a porção de ferro estritamente indispensável para deixar pendente um sinal."
8 de janeiro de 2009
Higiene, coentros e maduro
3 comentários:
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Como elemento da sociedade civil, agradeço ao Daniel Abrunheiro por me ter feito rir e aos editores do Farpas pela abertura, precisamente, à sociedade civil. Cá voltarei mais vezes...
ResponderEliminarJoão Leitão
Se já era bom ficou ainda melhor! O ano promete sim senhor!
ResponderEliminarObrigado pelo serviço.
Pedro Moreira
Nem o Benfica conseguia uma aquisição deste calibre. Um ano promissor...
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