2 de outubro de 2015

Aos que cá ficaram

Ao contrário do que dizem muitos dos que conheço, eu não acho que estas sondagens sejam forjadas. Acredito que a onda foi profissionalmente fabricada, numa campanha em que se chegou ao cúmulo de julgar as propostas do programa do PS (useiro e vezeiro em asneirar, nesta campanha) enquanto a coligação que nos (des)governou nos últimos anos passou entre os pingos da chuva. Ninguém melhor do que Pedro Marques Lopes traduziu tão bem o que nos aconteceu, desgraçamente, neste tempo eleitoral: "A coligação passou o tempo a anunciar que agora é que vai ser bom e confiou que as pessoas acreditam, mesmo sem lhes explicar qual é o plano. Escondeu o mais que pôde Passos Coelho (deve ser a primeira campanha em que não há cartazes com um candidato a primeiro-ministro) e concentrou-se no ataque ao PS. 
O Público de hoje retratou bem, num título e num texto, muito do que penso desde há quinze dias: "Coligação levada ao colo pelas sondagens mas sem onda na rua". E eu continuo a achar que as sondagens não foram forjadas. Há uma franja do país a quem a vida correu muito bem nestes últimos quatro anos, tão bem que fez engordar as estatísticas da riqueza de alguns em prol da miséria de muitos. Desses, tantos partiram. O cantar da emigração levou-me família e amigos como nunca pensei ser possível. Passados dois ou três anos, há meninos que perguntam todos os dias aos pais quando é que voltam para casa. Não voltam, mas ainda não sabem. Vejo todos os dias crescerem ao ritmo das sondagens as rugas na cara das avós, as mesmas que nunca verão os netos crescer, dizer a primeira palavra, perder o primeiro dente, ler as primeiras letras. Há colo que nunca terão pelo skype. Os que foram, revoltados com o país, com esta dolorosa separação, ainda não fizeram o luto. Acredito, por isso, que nem sequer votem. E por isso não entram nas sondagens. 
E os que ficaram? Olhemos à nossa volta: floresceram empreendedores como cogumelos. Gente bem sucedida, que usa roupas de marca e se passeia de copo de gin pelos bares, que fala das férias e das viagens, partilha imagens bonitas no facebook, e é todo um reflexo de como se viveu bem em Portugal, depois da Troika. Tudo muito tendry. A crise, essa senhora de costas muito largas, serviu na perfeição para asiatizar o trabalho e as condições em que se faz. Os gestores "cortaram as gorduras" das empresas, numa operação-limpeza que dispensou "os que eram mais caros" e conseguiu convencer as franjas de que era preciso reduzir, reduzir, reduzir. Muitos continuam ao leme das mesmas empresas, com uma folha de salário que totaliza, sozinha, o mesmo que o conjunto dos que ficaram. Dos que sobrevivem entre os 500 e os 700 euros (que luxo), em média, cujos filhos integram agora as listas da Acção Social Escolar, como nunca acontecera. 
Dos que perderam o emprego, dos muitos que conheço, conto pelos dedos de uma mão os que voltaram a conseguir um emprego por conta de outrém, e sempre para pior. Sobram-me dedos. Muitos voltaram a trabalhar em total precariedade. Mal poderão sustentar uma casa, quanto mais um sistema de segurança social. Quanto mais um país. Com o tempo, cansámo-nos todos de dar murros em pontas de faca. As manifestações de 2012 tornaram-se uma doce memória revolucionária, cada um tentou virar-se como pôde. Sobreviver. É mais uma etapa dessas que se joga na roleta das eleições, domingo próximo. A escolha é muito simples: entre os que estão bem assim e os que sonham com um país melhor, que esperam ainda viver, e não apenas sobreviver. Os que estão bem assim, continuarão a dar esmola aos pobrezinhos uma vez por ano, a vociferar contra os que recebem abono de família, contra os que não singraram na vida por incompetência nata. Ou como dizia um jovem quadro político de Pombal, aqui há dois anos, precisamente, "quem tem unhas é que toca viola". Pode ser à conta do aparelho, que a música até soa melhor. 
Olhemos à nossa volta. A operação-limpeza conseguiu afastar daqui muito desse empecilho que é gente sem trabalho, e ainda por cima a reclamar. Com tempo para pensar. Nos dois últimos anos, de acordo com o Observatório da Emigração, saíram do país pelo menos 220 mil compatriotas, maioritariamente jovens e com formação superior. "Uma debandada só tem paralelo com as décadas de 60 e 70, quando Portugal estava sob a mais longa e mesquinha ditadura da Europa. Agora, membro da União Europeia e em democracia (ou melhor, numa partidocracia minada e dominada pela predadora voragem neoliberal), o país continua a ver abalar os seus mais fortes braços e os seus melhores cérebros", citava um camarada jornalista, residente numa cidade da região centro, com a frase mais verdadeira, a resumir tudo: "Muitos dos que ficam desesperam para ganhar o pão de cada dia. E travam um combate doloroso para não perder a dignidade. O emprego, esse bem precioso, acaba de registar uma das maiores quebras dos últimos 30 meses". E por isso faz todo o sentido perguntar, ao país das sondagens:
Ainda haverá gente para votar no próximo domingo?

1 comentário:

  1. Eu vou votar "Nós, Cidadãos". Porque, a par do PDR e LIVRE, defendem a mudança REAL do sistema de voto, do sistema representativo decrépito.
    Aos demais, defendem tudo como está, sem quererem mudanças algumas. Porque isso iria de encontro aos interesses partidários instalados.
    Democracia? Temos, mas só de vez em quando...

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