1 de março de 2017

Que trata da reprimenda do Príncipe ao Pança

O Pança nunca remoeu a perda da pasta da propaganda. Vai daí, tratou de fazer a vida negra à escriba Serôdia e mostrar serviço na praça pública. Rivaliza aí com a primeira-dama pela láurea da defesa do Príncipe. Mas, como é destravado e talhado para a asneirola, quando se empolga, espalha-se; e, em vez de ajudar, prejudica. Informado disso, o Príncipe sentiu necessidade de conter os danos nesta fase crítica. Chamou o Pança para o admoestar.
- Senta-se, Pança – ordenou o Príncipe. Temos que ter uma conversa séria sobre o papel de um fiel escudeiro. Reconheço que tens sido um bom companheiro nos bons e maus momentos; e um servente empenhado no trabalho sujo de preparo das armas, na ajuda no campo de batalha e no enterro das vítimas. Mas, nos últimos tempos, usurpastes funções com pendências desnecessárias e penalizantes no campo da propaganda e da governação. Dize-me Pança: quem te manda meter nessas pendências, para as quais não estais preparado?
- Faço aquilo a que sou obrigado como fiel escudeiro: defender Vossa Mercê dos ataques dos inimigos – respondeu, magoado, o Pança.
- Hás-de compreender, Pança – avisou o Príncipe –; que as pendências que de onde não se pode sair bem delas, não se deve entrar, porque a valentia que entra por temeridade é mais loucura que fortaleza.
- Percebo, Senhor – anuiu o Pança. Mas o exercício de proteger Vossa Mercê, que abracei com paixão, não me deixa ficar quedo, não sou capaz de ver Sua Alteza ser atacado e não dar na cabeça a essa gente.
- Não percebeis – alertou o Príncipe – que andais a dar troco a gente plebeia e ordinária, que deve ser ignorada ou desterrada deste condado cristão.
- É verdade o que dizeis, Senhor meu Amo. Mas a vossa Dulcineia também o faz – observou o Pança.
- Cala-te, Pança – sentenciou o Príncipe, com voz muito desmaiada —; cala-te, repito, e não digas blasfémias, e não te compares a uma Senhora letrada e distinta que sabe como conduzir uma polémica com astucia e eficácia - rematou o Príncipe.
- Não estou para responder, nem para ofender — tornou o Pança. Estou só a observar o que os meus olhos vêem todos os dias…
— Ó homem que tens mais de bruto que de pessoa de juízo, cala-te — tornou o Príncipe, exaltado. Não vedes que para te meteres em polémicas com letras é preciso ter caneta. Não reparas, desgraçado, que se virem que és um vilão grosseiro, ou um mentecapto divertido, pensarão que eu sou algum ichacorvos ou algum Príncipe de empréstimo? Irra; que não percebes!
-Não se agonie Vossa Mercê comigo — tornou o Pança — que me não criei na corte, nem estudei em Coimbra, para saber se aumento ou tiro alguma letra aos meus vocábulos. Valha-me Deus! Parece que falo com o rabo…
- Com a boca ou o rabo, é o mesmo… Quando a cólera se apodera de ti, não há quem te segure a língua, nem há freio que a corrija – disse o Príncipe.
- O senhor aí não me dá exemplos – contrapôs o Pança.
- Andais a pôr-te a jeito, Pança. Mas olha que ainda agora, por muito menos do que fazeis e me dizeis, despedi um mandatário. Se não ganhais juízo, ponho-te a andar…- rematou o Príncipe em tom de ameaça.
O Pança, com a raiva a subir-lhe do coração à cabeça, pensou mas não o disse: - desventurado escudeiro que serve fidalgo vicioso com alma de cântaro. E saiu amachucado e cabisbaixo.

                                                                                                                        Miguel Saavedra

5 comentários:

  1. Dinamene, novos tempos, novas vontades,
    Muda como ser, já não tens confiança;
    Todo o mundo é composto de mudança,
    E nos teus escritos destilas maldades

    Continuamente escreves novidades,
    No teu caderninho negro de esperança;
    Do mal ficam as mágoas na lembrança,
    E do bem, não há nenhumas saudades.

    O tempo dissolve as letras como um manto,
    Gélido qual como o ódio de neve fria,
    Chora agora porque já perdeste o doce canto.
    (Luíza Vaz)

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  2. Estes escritos do Miguel Saavedra deveriam ser censurados. Não se faz....

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    1. Caríssimo têm toda a razão, como diz o ditado: palavras leva-as o vento

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  3. Miguel Saavedra devia de receber uma medalha no próximo dia 11 de Novembro ou então Candidato ao Nobel da Literatura

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  4. Tais crónicas, são, deveras, obras-primas. E, desta, diga-se que, também andou muito bem o "Kingopiniofarper". ;)

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