O
Pança nunca remoeu a perda da pasta da propaganda. Vai daí, tratou de fazer a
vida negra à escriba Serôdia e mostrar serviço na praça pública. Rivaliza aí
com a primeira-dama pela láurea da defesa do Príncipe. Mas, como é destravado e
talhado para a asneirola, quando se empolga, espalha-se; e, em vez de ajudar,
prejudica. Informado disso, o Príncipe sentiu necessidade de conter os danos nesta
fase crítica. Chamou o Pança para o admoestar.
-
Senta-se, Pança – ordenou o Príncipe. Temos que ter uma conversa séria sobre o
papel de um fiel escudeiro. Reconheço que tens sido um bom companheiro nos bons
e maus momentos; e um servente empenhado no trabalho sujo de preparo das armas,
na ajuda no campo de batalha e no enterro das vítimas. Mas, nos últimos tempos,
usurpastes funções com pendências desnecessárias e penalizantes no campo da
propaganda e da governação. Dize-me Pança: quem te manda meter nessas
pendências, para as quais não estais preparado?
- Faço
aquilo a que sou obrigado como fiel escudeiro: defender Vossa Mercê dos ataques
dos inimigos – respondeu, magoado, o Pança.
- Hás-de
compreender, Pança – avisou o Príncipe –; que as pendências que de onde não se
pode sair bem delas, não se deve entrar, porque a valentia que entra por temeridade
é mais loucura que fortaleza.
-
Percebo, Senhor – anuiu o Pança. Mas o exercício de proteger Vossa Mercê, que
abracei com paixão, não me deixa ficar quedo, não sou capaz de ver Sua Alteza ser
atacado e não dar na cabeça a essa gente.
- Não
percebeis – alertou o Príncipe – que andais a dar troco a gente plebeia e
ordinária, que deve ser ignorada ou desterrada deste condado cristão.
- É
verdade o que dizeis, Senhor meu Amo. Mas a vossa Dulcineia também o faz –
observou o Pança.
- Cala-te,
Pança – sentenciou o Príncipe, com voz muito desmaiada —; cala-te, repito, e não
digas blasfémias, e não te compares a uma Senhora letrada e distinta que sabe como
conduzir uma polémica com astucia e eficácia - rematou o Príncipe.
- Não
estou para responder, nem para ofender — tornou o Pança. Estou só a observar o
que os meus olhos vêem todos os dias…
— Ó
homem que tens mais de bruto que de pessoa de juízo, cala-te — tornou o Príncipe,
exaltado. Não vedes que para te meteres em polémicas com letras é preciso ter
caneta. Não reparas, desgraçado, que se virem que és um vilão grosseiro, ou um
mentecapto divertido, pensarão que eu sou algum ichacorvos ou algum Príncipe de
empréstimo? Irra; que não percebes!
-Não
se agonie Vossa Mercê comigo — tornou o Pança — que me não criei na corte, nem
estudei em Coimbra, para saber se aumento ou tiro alguma letra aos meus vocábulos.
Valha-me Deus! Parece que falo com o rabo…
- Com
a boca ou o rabo, é o mesmo… Quando a cólera se apodera de ti, não há quem te segure
a língua, nem há freio que a corrija – disse o Príncipe.
- O senhor
aí não me dá exemplos – contrapôs o Pança.
-
Andais a pôr-te a jeito, Pança. Mas olha que ainda agora, por muito menos do
que fazeis e me dizeis, despedi um mandatário. Se não ganhais juízo, ponho-te a
andar…- rematou o Príncipe em tom de ameaça.
O Pança, com a raiva a subir-lhe do coração à cabeça, pensou
mas não o disse: - desventurado escudeiro que serve fidalgo vicioso com alma de
cântaro. E saiu amachucado e cabisbaixo.
Dinamene, novos tempos, novas vontades,
ResponderEliminarMuda como ser, já não tens confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
E nos teus escritos destilas maldades
Continuamente escreves novidades,
No teu caderninho negro de esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, não há nenhumas saudades.
O tempo dissolve as letras como um manto,
Gélido qual como o ódio de neve fria,
Chora agora porque já perdeste o doce canto.
(Luíza Vaz)
Estes escritos do Miguel Saavedra deveriam ser censurados. Não se faz....
ResponderEliminarCaríssimo têm toda a razão, como diz o ditado: palavras leva-as o vento
EliminarMiguel Saavedra devia de receber uma medalha no próximo dia 11 de Novembro ou então Candidato ao Nobel da Literatura
ResponderEliminarTais crónicas, são, deveras, obras-primas. E, desta, diga-se que, também andou muito bem o "Kingopiniofarper". ;)
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