Ontem, ao final do dia, o Príncipe entrou na sala grande dos paços, meio composta, com algum atraso, e com cara mais de desgovernado, que de governador, para fazer a apresentação da hasta pública das escolas do reino, mandadas construir pelo estadista de Santa Comba Dão.
A sala encontrava-se meio composta, ou menos de meia, o que desagradou ao Príncipe, o que se percebia pelo nervoso miudinho do Pança. Mas que quer ele, deve ter pensado o Pança, com tanta baixa nos serviços, e no seu gabinete - sem ovos não se podem fazer omeletes.
Eram esperados representantes de diversas entidades, figuras mui principais, fidalgos galantes, burgueses abastados, escribas de cá e de fora. Mas não apareceram. Marcaram presença a marquesa Prada e o ministro (des)Humano, os regedores do reino, um ou outro escrivão da casa, um ou outro mordomo, a porteira e este mal-visto escriba. O Pança recebeu todos com a honra e a cortesia que lhe é característica.
O Príncipe, depois de obsequiar os presentes com votos de boas-vindas, embalou para uma arenga mui elaborada sobre as miudezas em causa e sobre as potencialidades do reino para atrair visitantes e capitalistas. A seguir, interveio um pajem da corte, rapaz mui sabedor e de muito crédito na arte de atrair pés-descalços, que se esforçou, com o jeito que o Senhor lhe deu, para insuflar esperança e confiança num futuro risonho aos que se quisessem aventurar a viver da riqueza dos ditos.
Apesar do grande fastio e vagar da coisa, os regedores do reino aparentavam contentamento, talvez por verem nesta cartada a solução milagrosa para o ressurgimento dos seus condados. Um ou outra curiosa quis saber quem suportaria o investimento em edifícios muito degradados; coisa de somenos para o potencial da coisa, atestaram o perito e o Príncipe, e apontaram um ou outro caso de sucesso em condados vizinhos.
À parte do evento propriamente dito, muito estranhou este pobre escriba, que segue com muita curiosidade e interesse as intrigas, as invejas, as traições, os jogos de poder e de saias, deste malfadado reino, e as leva quentes aos seus leitores, que a marquesa Prada, ministra do reino com o pelouro do Turismo e afins, senhora licenciada e de muito bom saber nas matérias da atracção de visitantes, da cultura e das técnicas de venda, não tenha participado na apresentação da referida hasta, e tivesse sido remetida para um indigno lugar no meio do público.
No final do evento, quando todos trocavam comprimentos e se despediam, este pobre escriba abeirou-se discretamente do Pança, e, por entre os dentes, perguntou-lhe: “já foram retirados os pelouros à marquesa?”. Ao que o Pança respondeu, também por entre os dentes: “que eu saiba ainda não”. Por onde vai partir a coisa?
Miguel Saavedra
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