15 de julho de 2019

É a cultura, estúpido!


Quando entrei no Café Concerto, na última terça-feira, um rol de gente enchia o espaço. Estavam em círculo, como nas reuniões ou grupos de auto-ajuda, enquanto o mastro Paulo Lameiro explicava ao que vinha: a candidatura de Leria a capital europeia da cultura em 2027, a importância dos municípios se envolverem em trabalharem em rede (lá está), num trabalho que deve começar pela base, entre os diversos 'agentes culturais'. E bom, chegamos então ao cerne da questão: aquilo era uma reunião de agentes culturais - como horas antes me avisara o responsável da PMU, sabendo-me parte do Gang da Malha, que ali se reúne precisamente às terças, desde há cinco anos. Não raras vezes, as tricotadeiras são a única clientela do espaço, para mal dos resultados financeiros do CC. 
Espantei-me com o cenário: não conhecia uma boa parte das pessoas que ali estavam, não reconhecia ali a cena cultural dominante. Faltava ali muita gente, a começar pelos rapazes do Ti Milha (o festival que é mesmo uma Ilha), o pessoal da ADAC, e tantos agentes culturais individuais e colectivos que vão fazendo coisas, teimando em dar à terra aquilo que ela nem sempre merece.
A certa altura, o Paulo quis perceber melhor o que somos e quem somos, culturalmente falando. E foi aí que o circulo se abriu, desaguando entre um muro de lamentações e um bailado de graxa à Câmara, que ali estava representada pela vereadora da Cultura, Ana Gonçalves. 
Foi uma cena bizarra, aquela: ranchos e filarmónicas, grupos de música popular e barroca, músicos vários, professores, assalariados e assessores, dirigentes e afins, num espaço público sem público. A maioria não se conhece. 
E no meio da discussão, a lembrança da casa Varela. Aquela que foi comprada para ser berço das artes, em Pombal, que assim se mostrou ao público num Bodo, e que agoniza, sem rei nem roque. Que motivou certa vez uma reunião de outros agentes culturais, ao estilo pretensioso de D. Diogo, com muita parra e pouca uva. Pior: chegou a pedir trabalho a um grupo mais restrito desse naipe, para nada.
De modo que a intenção do Paulo Lameiro é boa (mesmo que Pombal não tenha sido seleccionada para os prelúdios que aconteceram noutros pontos do distrito), mas faria muito mais sentido se esta casa estivesse arrumada: se os nossos agentes culturais (seja lá isso o que for) se conhecessem, pelo menos. Se isto não fosse um saco de gatos em que o rancho inveja o subsídio da banda, em que há filhos e enteados para o poder, em que isso se traduz na importância maior ou menor que cada um assume. Porque nos falta, também na cultura, o de sempre: sociedade civil. Que não fique à espera das migalhas que hão-de ser aprovadas por quem não distingue uma clave de sol de uma roda de bicicleta, uma noite de fados de um projecto musical, um artista de um chico-esperto. 
Para nossa felicidade, temos alguns (bons) exemplos. Mas a maioria não estava ali. Fica-me a dúvida: não foram porque não quiseram ou porque simplesmente não foram convidados? Tenho para mim que isto de ser agente cultural aqui na terra é mais ou menos como a mulher de César, mas de forma mais apurada: mais do que ser, é preciso parecer. 

3 comentários:

  1. Amiga Paula Sofia, um post que, embora por desconhecimento da matéria versada e dos vários assuntos apontados eu faça questão de nada opinar, têm o mérito de ser crítico na substância muito mais do que nos putativos responsáveis.
    Para mim esta é a receita certa para que as opiniões e críticas aqui expostas sejam consideradas dado estarem expurgadas da habitual preferência invetiva sobre a "fidalguia do costume" invariavelmente na berlinda.
    Embora eu possa até ter opinião diferente do que se defende gostei da exposição serena e acertiva, até porque sou daqueles que gostam de se informar na pluralidade das opiniões.
    Contudo isto não passa de uma opinião também passível de critica.
    Mas fica o meu contributo.
    Cumprimentos.

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  2. Amigo Serra,

    Compreendo essa sua forma de ver a política, ou o debate político, centrado unicamente, ou essencialmente, nas opções e decisões. Mas nós temos outra, mais vasta, talvez mais profunda, que inclui, também, as motivações e os comportamentos.  

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  3. Amigo Malho, faça-me a justiça da não me considerar tão estreito de vistas.
    Apenas quis enaltecer a forma como o artigo está escrito, que aponta assuntos, causas, responsáveis e interessados, bem como suas diversas expectativas, sem deixar o estilo mordaz e critica típica das convicções da autora.
    Apenas tentei dar ênfase ao facto de ao se evitar misturar uma certa prosa caricatural se ganha em respeito e atenção pela opinião escrita.
    Ou seja, se é para caricaturar então use-se a dita, pura e dura, que o nosso incógnito Miguel Saavedra utiliza sendo o seu efeito essencialmente satírico.
    Agora, misturar sátira com análises de assuntos de interesse faz com que a primeira roube atenção á segunda, logo sendo menos eficaz.
    É a minha opinião sem quaisquer pretensões.
    Um abraço

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