20 de março de 2009

Grande depressão

Não é só a vontade com que uma pessoa fica quando se apercebe dos caminhos que o mundo anda a levar, seja em termos económicos, sociais ou políticos, que mais parecem uma repetição dos anos 30, bastante mais sofisticada, claro. Grande depressão é perceber que o centrão já assumiu a sua perfeita incapacidade de regenerar seja o que for e que tornou os partidos políticos em meras agremiações de contagem de votos, onde o poder é a única ideologia que conta. Por vezes já é a curiosa mistura dos anos 30 com as décadas finais da monarquia portuguesa, onde a alternância reinava e onde se mudava o essencial para ficar tudo na mesma. Em alturas de crise, vê-se a fibra dos líderes mas também se vê a fibra do povo. E vê-se, não numa lógica de tudo partir, mas de querer mais, melhor e, sobretudo, diferente. De exigir responsabilização, fiscalização, consciência social, exercício de direitos com respeito por deveres. Não peço uma revolução, pedia antes uma sociedade civil, daquelas que soubesse que nem tudo é política, no sentido de política partidária, daquelas que se fizessem respeitar. Daquelas que não se contentem em ser figurantes de uma tragicomédia em que apenas de 4 em 4 anos se manifestam, por exemplo. Daquelas que gostassem de saber onde o dinheiro dos seus impostos é gasto e como é gasto, por exemplo. Daquelas que não achassem normal que contra factos ou números é legítimo responder com argumentos ad homine, por exemplo. Daquelas que achassem que discutir política é muito mais que discutir um mero jogo de futebol. Daquelas que não tivessem medo de ser razoáveis e exigir o impossível...

9 comentários:

  1. Dr. João Alvim, boa tarde.
    Concordo, quase na totalidade, com o que escreveste.
    Todavia, na minha opinião, a questão não pode ser centranda no centrão.
    Vejamos.
    Reconheço que a coluna vertebral da economia é o sector financeiro.
    Reconheço que os partidos políticos, mercê de vários vectores (uns a apontar para cima, outros para baixo e outros, ainda, mais cartezianos que ordenados) têm estado dependentes mais do sector financeiro do que do económico.
    Reconheço que a economia real tem sido o parente pobre do tacho do Bordalo Pinheiro.
    Reconheço que a nossa economia se tem apoiado 20% na economia real (o tangível) e 80% na especulação (o intangível), quando deveria ser ao contrário.
    Reconheço que os nossos banqueiros entram no sistema como bancários e saem como ilustres (?) banqueiros.
    Reconheço que o sector financeiro se estatelou no chão, partiu a cara, está a tentar levantar-se (com a ajuda dos nossos dinheiros) mas disposto a fazer o mesmíssimo caminho, sem nada aprender com a queda.
    Reconheço que passei a vida a trabalhar para o sector financeiro e tenho a sina de continuar até que a morte me leve.
    Dr. João Alvim, mui ilustre entendido: Arranja-me uma solução.
    Abraço.

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  2. Meu caro Eng, é sempre um prazer!

    Mas antes de mais, não sou entendido de nada, ou melhor, em nada. Apenas constato uma realidade bastante tangível de que sem uma sociedade civil atenta, activa e exigente, não se pode quebrar a espinha ao que existe.

    Arranjar soluções? Podemos começar por uma lei que responsabilize os políticos pelas suas soluções/ideias que só prejudicam (não era o Eng que queria processar o PR da altura, Dr Jorge Sampaio, a propósito da Lei do Arrendamento?).

    Poderíamos começar por limpar os partidos das excrescências, evitando profissionais da política, mas acredita mesmo que como eles estão o permitam?

    Poderíamos exigir a reestruturação do sector estatal, de modo a evitar que 48% da riqueza fosse consumida pelo sector público, detonando serviços que não servem para nada (as DRE's, por exemplo, centrando competências para algumas questões na 5 de Outubro em meia-duzia de funcionários apoiados em servidores e dando autonomia às escolas, por exemplo).

    Equacionar uma flat tax em termos de impostos que implicasse uma simplificação do sistema fiscal.

    Canalizar reformas na Justiça para aquilo que é primordial nesta fase: cobrar dívidas. Fosse com meios humanos, materiais, o que fosse - cobrar dívidas. Permitir que quem não paga fosse imediatamente, após vencimento da dívida, intimado a pagar.

    Mais soluções? Concerteza que as há. E mais estruturadas e mais consistentes.

    Mas não fazem sentido sem o básico: sociedade civil. E esta, se não é incompatível com partidos, muito pelo contrário, não se cria por decreto nem por mero acaso. É uma questão de civismo, de participação. De educação.

    Voltando ao "seu" problema: acredita que uma sociedade civil sã se conformava com o regabofe do BPP e do BPN? Não exigiria saber porquê, como e onde se gasta o dinheiro. Não questionaria negócios da CGD?

    Não posso, até por questões de "produção" continuar a esticar-me, mas pode crer que quero soluções. E sim, o centrão pode ser o culpado. Afinal, o sistema bancário não vive em simbiose com o centrão?

    Abraço

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  3. Caro João Alvim, estou inteiramente de acordo consigo. No entanto acho que o nosso maior problema é termos uma sociedade civil que não tem cultura de exigência. É o “deixa andar”, “isso é lá com eles”, “depois logo se vê”. Permita-me que lhe dê um exemplo de como a nossa sociedade é pouco exigente: como é que é possível que, em praticamente todas as grandes obras públicas, se gaste sempre mais, mas muito mais, do que o orçamentado e ninguém seja responsabilizado por isso? A quem é que esta situação interessa? Porque é que os contratos que o estado assina são permissíveis a estas situações? Será que os técnicos encarregados de orçamentar as obras são sempre incompetentes? Haverá sempre situações imprevisíveis e dificuldades técnicas? Porque é que os prazos nunca são cumpridos? Qual é o motivo de o estado pagar mais caro as suas obras que os privados? Porque é que existem sempre “trabalhos a mais”? Será que não devia de haver uma fiscalização em tempo real, dia a dia, para prevenir estas situações? Há duas coisas de que não tenho dúvidas: alguém ganha com a situação e alguém deixa que a situação aconteça e se arraste…

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  4. Caro anónimo, é isso mesmo que me enoja. A desresponsabilização completa. Quem faz sabe que não é fiscalizado, quem não critica espera chegar ao sítio em que não é fiscalizado, quem não se preocupa quer é saber do resultado da jornada... E no meio disto milhares de euros gastam-se em devaneios e na manutenção de uma corte podre, imbecil e acéfala ou nas trezentas e tais reproduções dessa realidade. Houvesse o poder real dos eleitores de responsabilizar politica e economicamente os políticos pelas suas decisões e seguramente muita coisa seria diferente.

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  5. João,
    Obrigada por trazeres à discussão este assunto, que é, também no meu entender, o âmago de todo o problema e que me amargura tanto, por olhar para uma nova geração, que não nasceu num regime político que lhe ofuscasse as vistas, que teve oportunidades de educação e de formação, que nasceu e cresceu num regime democrático, que tem ao seu dispor, mais do que nunca, a democratização no acesso à informação, as bases para poder exercer uma melhor cidadania, e global até, mas que vive alheada do seu dever de contribuição para a melhoria da nossa organização social. Bem compreendo que a preocupação com o emprego, com a casa e com o carro é absorvente. Também para mim o é, mas há que encontrar um meio termo.
    A origem do problema das instituições políticas é o défice de cidadania! De quem continuamente culpa o poder, mas à primeira oportunidade, tira vantagens das relações com o poder. De quem gosta de aparecer na foto ao lado dos protagonistas do poder, só por ser prestigioso. De quem critica os corruptos, mas elege-os. De quem condena os que enriquecem à custa da exploração, mas logo que pode beneficiar dessas teias, aproveita. De quem critica a falta de fiscalização, mas desvia-se da lei sempre que pode. De quem só passa a vida a criticar, sem fazer o mínimo esforço por se informar e esclarecer sobre os assuntos que critica. Falta de tempo para isso? Sim, todos vivemos com falta de tempo, mas há também a falta de o saber aproveitar. A falta de contrariar a atitude passiva perante o lixo televisivo que entra olhos e ouvidos adentro de tanta gente. A falta de ler, de procurar uma informação mais detalhada, alternativa, de procurar outras opiniões. Acho que a simples mudança de uma atitude passiva para activa perante a informação, já faria a diferença.

    A maior crise que vivemos é a crise de valores. E por mais paradoxal que pareça, acho que essa crise se agrava precisamente quando estão garantidos os direitos fundamentais aos cidadãos. Só quando as pessoas se vêem ameaçadas nesses direitos de cidadania, percebem o quão importante é praticar os deveres.
    Pela história recente da Europa Ocidental, e Portugal é um bom exemplo disso, podemos ver que foi essencialmente dos momentos de crise política que emergiram grandes líderes. Temos actualmente falta de verdadeiros líderes, com ideais, com coragem e estratégia para subverterem o jogo das máquinas partidárias e dos poderes económicos.
    Mas não esperemos que eles apareçam do nada. Enquanto as bases não os exigirem, não passaremos do nosso muro das lamentações.

    Dina Sebastião

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  6. Caro João Alvim,

    Eu peço uma Revolução. O ser humano tem alguns graves defeitos de fabrico que nos levarão possivelmente a uma extinção precoce.

    Para evitar que o Planeta nos expulse, será necessário em primeiro lugar que todos compreendamos esses defeitos de fabrico, chamemos-lhe o DOS ou património biológico. As elites maximizam esses defeitos em seu próprio proveito, benefeciando boa parte da classe média dos países ocidentais (isto está a mudar).

    Com consciência desses defeitos poderíamos então começar a Revolução de mentalidades, condição fundamental, para se iniciar a revolução económica, energética e ambiental.

    Pessoalmente, como estou em estado revolucionário, vou tentar passar a mensagem revolucionária com tranquilidade...

    João Leitão

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  7. Dr. João Alvim, boa noite.
    Mais doutor, menos engenheiro, já sabes o que é que eu penso do nosso País de doutores e de engenheiros.
    Olha só para Cuba. Noventa por cento dos jovens são licenciados. E daí? Fazem o quê? Contrariamente aos países do Leste que exportam jovens, com cursos profissionais, facilmente equadráveis em equipas em Portugal, onde dão provas de saber fazer e, outros, ainda, de saber saber.
    Falas, e muito bem, em criação de postos de trabalho. Criação de riqueza. A chave está aí.
    Relativamente a eu querer processar o antigo Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, afirmo-te que é mais do que uma verdade de Mr. de La Palisse.
    E isto por ele ter demitido o então Primeiro Ministro Pedro Santana Lopes que se propunha fazer aprovar uma Lei do Arrendamento justa.
    Verificamos, agora, que a lei aprovada pelo PS nada resolveu.
    E é bom, também, dizer-se que a gota de água da demissão de Pedro Santana Lopes foi quando o Dr. João Salgueiro (PSD), enquanto Presidente da associação dos banqueiros, acompanhado de outros banqueiros/bancários foram a Belém dizer ao Presidente Jorge Sampaio: Ai Jesus, acuda-nos que o Governo quer impor regras ao sector financeiro. E já lá vão não sei quantos anos.
    Abraço.

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  8. A "classe politica" perdeu completamente a vergonha!
    Estamos a ser "governados"por politicos incompetentes e desonestos. E, não é só de agora, já alguns anos que esta situação se pepete, sem que o povo possa fazer alguma coisa para mudar o rumo da situação.
    É o descrédito total! Eles, controlam tudo. Os tribunais, as empresas públicas, a administação pública, tudo o que move influência, eles lá estão.
    São ministros, e nessa qualidade fazem negociatas com empresas privadas e, assim que saem do governo vão direitinhos para a chefia dessa mesmas empresas com quem negociaram milhões dos nossos impostos.
    Se não é empresa privada é para empresas públicas com ordenados milionários, empresas essas, que dão milhões de prejuizos.
    Pergunto: alguém se lembra dum gestor público ser punido de alguma maneira, por ter gerido uma empresa que deu milhões de prejuízo? Não, pelo contrário, saí daquela e vai para outra, auferir um vencimento ainda maior. É o prémio da sua incompetênçia!
    Pensam que estou a ser injusto? que isto não é verdade? Querem que vos dê exemplos? Claro que não precisam. Todos sabemos que isto é literalmente verdade, só que não falamos porque,ou não vale a pena, ou até, porque temos "medo" destes poderosos, cuja justiça(?)está sempre ao lado deles.
    Eu, já perdi a esperança de viver num país justo, onde todos temos direitos e obrigações!
    O pombalense.

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