27 de abril de 2024

Canções de Abril #27

 


Depois da Revolução, Portugal assiste a uma explosão músical. O regresso dos músicos exilados inunda o país de espetáculos, nascem canções, peças de teatro, a poesia está na rua – como titulava Vieira da Silva num dos seus quadros. A Canção "Somos Livres", também conhecida como "A Gaivota” é composta em 1974, interpretada pela atriz Ermelinda Duarte.
O tema celebra a liberdade,  e é considerado um dos mais populares após o derrube da ditadura e fim da censura. A  foi Canção escrita pela própria Ermelinda Duarte, com arranjos de José Cid, e pertencia à peça de teatro "Lisboa 72/74".
Até aos anos 80, Ermelinda Duarte participa em várias peças de teatro, e ainda grava um single, em 1981, com duas marchas. Dedica-se então ao teatro infantil, e à dobragem de desenhos animados. 
Depois do 25 de Abril, a canção “somos livres” torna-se um símbolo para as gerações que cresceram nos anos 70 e 80. 

26 de abril de 2024

Canções de Abril #26

 

A marcha militar que precedia os comunicados do MFA entrou rapidamente no ouvido das pessoas por ser uma melodia alegre, cheia de energia e de fácil memorização. É uma adaptação de uma marcha militar inglesa, intitulada “A Life on the Ocean Wave”, do pianista inglês Henry Russel (1812-1900), a que José Niza agregou, sem grande sucesso, uma letra designada “Desta vez é que é de Vez”.

Na verdade, o que ficou mesmo no ouvido foi a bela marcha, por encarnar o pujante sentimento de libertação. Uma verdadeira música da Revolução.

25 de abril de 2024

Canções de Abril #25

 


No dia 25 de Abril de 1974, quando passavam pouco mais de 20 minutos do 'dia inicial, inteiro e limpo',  os passos de Francisco Fanhais (gravados em França, no exterior do castelo de Herouville) ecoaram no éter.  O Movimento das Forças Armadas (MFA) escolheu a Rádio Renascença para a transmissão da senha de confirmação da operação militar contra o regime. Ao microfone, o locutor Leite de Vasconcelos, autor do programa "Limite", anunciava primeiro os versos:

Grândola, vila morena

terra da fraternidade

o povo é quem mais ordena

dentro de ti, oh cidade 

Nessa noite, a  rádio divulgou duas senhas: a primeira era “E depois do adeus”, de Paulo de Carvalho, transmitida pelos Emissores Associados de Lisboa. A segunda seria a música de José Afonso, que a Rádio Renascença tocou. O primeiro sinal destinava-se a preparar as tropas para a saída, e o segundo ao início das operações. 

A canção foi composta em 1971, depois de uma visita de Zeca Afonso à Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense de Grândola, no Alentejo. A canção integrou o álbum Cantigas do Maio, dirigido por José Mário Branco, em França.

Há 50 anos, a cantiga era uma arma e a revolução estava na rua.

Viva o 25 de abril. Viva a liberdade!

23 de abril de 2024

Canções de Abril #24



A 8 de março de 1974, Paulo de Carvalho ganha o Festival da Canção com “E Depois do Adeus”, uma canção romântica com música de José Calvário e letra de José Niza. A canção ficará em penúltimo lugar no Festival da Eurovisão, mas ficará para História por outros motivos.

Sete semanas depois é escolhida para 1.ª senha do Golpe de Estado, transmitida pelos Emissores Associados de Lisboa, às 22h55 de 24 de abril, por ser uma canção conhecida e sem conteúdo político, servindo, assim, para dar o sinal de alerta e prontidão sem levantar suspeitas, podendo o golpe ser cancelado se os líderes militares concluíssem que não estavam reunidas as condições para avançar. Não foi o caso. 

A bela canção de amor cumpriu a sua missão.

Intervenções da “oposição” na reunião da “junta” (II)

As intervenções da dita oposição na reunião da “junta”, ontem, roçaram a indigência mental. É difícil dizer qual dos dois esteve pior. Na nulidade não há distinção.  



O dotor Luís, na ausência de melhor assunto, agarrou-se a uma discreta indirecta do dotor Pimpão sobre um assunto do PS, falta de médicos, para retorquir não ao assunto em si, mas para expressar azedume pela suposta limitação da liberdade de expressão manifestada pelo dotor Pimpão. E perguntou pelo estado de uma rotunda prometida. Não vem mal nenhum ao mundo que o dotor Simões não saiba distinguir liberdade de expressão de direito ao contraditório e à crítica – expressão maior da liberdade expressão. Mas é um ultraje à política que um político os perverta. 

A doutora Odete quis conhecer o orçamento das próximas festas do bodo. Falou da coisa com a dotora Gina como duas adolescentes falariam no intervalo para recreio. Pelo que se ouviu (e tem ouvido) nem uma nem outra tem noção nenhuma do que é e para que serve um orçamento. 

Qualquer pessoa com dois neurónios a funcionar, que oiça aquilo, percebe que o dotor Simões não tem noção nenhuma do que é e de como se faz política. E a dotora Odete é um caso ainda pior: em duas décadas de actividade política não aprendeu nada.

Ao pé destes imberbes políticos o dotor Pimpão até parece político. Como gosta muito de festas e eventos e detesta actividades executivas, poderia entregar as reuniões da “junta” à dotora Gina. Ou dispensar, sem perda de senha, os vereadores da oposição; evitando-lhes, assim, a sistemática má-figura. 

Intervenções da "oposição" na reunião da "junta"

 


Canções de Abril #23

 


A 24 de fevereiro de 1969, Simone de Oliveira ganhava o Festival com uma canção que fintou a censura. Versos como "quem faz um filho fá-lo por gosto" foram ouvidos demasiado tarde pelos guardiões da moral e dos bons costumes. A Desfolhada, poema de José Carlos Ary dos Santos e música de Nuno Nazareth Fernandes, chegaria à Eurovisão com todos os holofotes apontados. De melodia revigorante e lirismo aglutinador, era considerada a melhor letra pelos jornais estrangeiros”. Mas esbarrou num assumido europeísmo anti-Portugal, numa altura em que a guerra em África ia longa e sangrenta.
Na vasta carreira de Simone, a Desfolhada haveria de tornar-se um símbolo, também pelo facto de coroar a maior finta à censura, ombreando apenas com a Tourada, de Fernando Tordo, em 1973. 
Em 1968, um tema de Zeca Afonso tinha sido afastado da competição, o que aliás se tornaria prática recorrente para um leque de artistas incómodos. O título da canção de Zeca Afonso era tão só "Vejam Bem".

Poucos saberão que esta canção não foi escrita para Simone de Oliveira, mas para Elisa Lisboa, uma jovem atriz do Teatro Experimental de Cascais. A poucos dias do  festival, Elisa desistiu, apresentando razões pessoais e um atestado médico, com diagnóstico de 'laringotraqueíte'. E assim se chamou Simone de Oliveira. Depois de vencer o festival, partiu da estação de Santa Apolónia, em Lisboa, em direcção a Madrid, pela rota ferroviária de duas ditaduras, alimentando grandes expetativas.  Ao longo do percurso, milhares de pessoas acenavam, exibindo cartazes de apoio.
Mas o  enorme sucesso da "Desfolhada" em Portugal não teve o mesmo resultado no Teatro Real de Madrid, palco do Festival Eurovisão de 1969. A canção seria atirada para um penúltimo lugar, apenas com quatro pontos. Para o público nacional, de pouco importou: Simone foi recebida em apoteose, à chegada a Lisboa. Curiosamente, até o Estado Novo lavraria o seu desencanto por "tamanha injustiça à música nacional". Em protesto, Portugal não se faria representar no Festival Eurovisão da Canção do ano seguinte (1970).
A verdade é que, 55 anos volvidos, a canção ainda hoje anda nas bocas do povo.

22 de abril de 2024

Canções de Abril #22


O disco “Venham Mais Cinco” de José Afonso é uma obra prima. Gravado em 1973, todas as suas letras e músicas são da autoria de José Afonso, muitas delas escritas na prisão de Caxias. Os arranjos são de José Mário Branco e conta com a participação de músicos com origens e formações muito diversas. O tempo das baladas de Coimbra já tinha ficado, definitivamente, para trás. O que José Afonso propõe neste disco é de uma inovação e genialidade raramente vistas no Portugal de então.

O tema que dá nome ao álbum foi a primeira escolha do Capitão Santos Coelho para senha do 25 de Abril. Acontece que, já com tudo preparado, descobriu-se que essa música estava proibida pela Rádio Renascença, tendo a escolha alternativa recaído sobre "Grândola, Vila Morena". O resto é história.
 
"Venham Mais Cinco" é uma música icónica do trabalho de José Afonso. Ela expressa, de forma clara, a opção estética do autor, ao recorrer a ritmos de inspiração africana numa música de raiz portuguesa. A letra era, obviamente, muito incómoda para o regime fascista. Aparentemente, o poema refere-se a um conjunto de amigos que pedem mais cinco copos numa taberna. Acontece que, nesse ano, tinham passado cinco anos do início da "Primavera Marcelista", que prometia alterações políticas que nunca chegaram a acontecer. O famoso refrão - “Não me obriguem a vir para a rua gritar, que é já tempo d'embalar a trouxa e zarpar” - era um apelo claro à urgência revolta e um convite ao ditador para partir, o que viria a acontecer quatro meses depois, aquando do golpe militar de 25 de Abril de 1974.  
 
A versão de Ildo Lobo para "Os Tubarões", gravada no memorável concerto "Os Filhos da Madrugada", a 30 de Junho de 1994, no Estádio de Alvalade, constitui uma belíssima homenagem à obra de José Afonso e à vontade que o artista sempre manifestou de colocar em diálogo ritmos africanos e portugueses. É também uma oportunidade para lembrar os cantores africanos que tiverem um papel importante no combate à ditadura, como Ildo Lobo, Ruy Mingas, entre muitos outros.

21 de abril de 2024

Canções de Abril #21


“As Balas” é uma bela e tocante balada de Adriano Correia de Oliveira, com letra de Manuel da Fonseca e arranjos e direcção musical de Fausto Bordalo Dias, do álbum ”Que nunca mais”, de 1975.

A canção tem tanto de magistral como de fraca divulgação. Aborda coisas simples e naturais da vida, colocando-as em contraste com a desgraça da guerra e da morte que marcaram a sociedade portuguesa (e das colónias) durante década e meia - mensagem bem vincada no refrão “As balas deram sangue derramado”.

20 de abril de 2024

Canções de Abril #20

 



Um poema de Sophia de Melo Breyner ganhou vida na voz do então padre Francisco Fanhais, integrando o único álbum que gravou: “Canções da Cidade Nova”, publicado em 1970 com o selo do programa Zip-Zip, da RTP.

Um ano antes, saíra o primeiro registo de Fanhais, um EP editado pela Orfeu com músicas suas a partir de poemas de Sebastião da Gama ou de João Apolinário e ainda um texto bíblico musicado por Pedro Lobo Antunes.

 

Em 1971, impedido de exercer o sacerdócio, Fanhais parte para França, onde participa nesse ano nas gravações do álbum “Cantigas do Maio”, de José Afonso. São também seus os passos que ouvimos em “Grândola, Vila Morena”, captados no exterior dos estúdios do Castelo de Hérouville, onde Zeca grava esse que era já o seu quinto álbum de estúdio. Fora algumas colaborações posteriores, desde logo ao lado de Zeca,  Francisco Fanhais não mais voltaria a gravar em nome próprio. Através da música tornou-se uma das mais ativas vozes dos chamados católicos progressistas que combateram a ditadura de Salazar.

19 de abril de 2024

PS - casa desgraçada, casa gozada

O PS1 e o PS2 finalmente juntaram-se. Para quê, perguntará o caro leitor? Para a diversão, para irem passear em Bruxelas.



A diversão é sempre uma boa ocupação, quando se pode fazê-la. Mas quando se faz a expensas de outros exige-se alguma parcimónia e algum decoro. Coisas que camaradas com aspirações burguesas ignoram e dispensam; porque o que verdadeiramente lhes interessa é aproveitar as mordomias concedidas pelo regime. A coisa tolerava-se, até por caído em rotina, se não tivessem o desplante parodiar o Zé e a Maria – os pagantes da coisa. Mas o que é se pode fazer, há muito que o juízo abandonou aquela casa.

Quando era alvo de interpelações chochas, D. Diogo costumava dizer, com desagrado e até algum desgosto, que a oposição não trabalhava, não pensava, era preguiçosa. Mal nem ele sabia (ou sabia!) que o pior estava a caminho: actualmente ninguém trabalha, e ninguém pensa, tanto na oposição como no poder (apesar de este ser pago para tal).

Os desvarios conduzem sempre à desgraça. Esta espécie de oposição já é uma desgraça. Mas terá vida curta. Falta pouco para o Zé e a Maria dizerem chega. É a vida!

Há vidas piores. Pois há…! 

Canções de Abril #19

 


“O que Faz Falta” é uma canção do álbum Coro dos Tribunais, com temas compostos antes do 25 Abril mas gravado no final de 1974, em Londres, já sem o aval da censura prévia. Todo o álbum corresponde a uma forte linha de intervenção e de desencanto em relação às falsas ilusões geradas pela designada primavera marcelista.

O Zeca gostava muito desta canção (mais do que do Grândola, que pelas razões conhecidas e desconhecidas se tornou celebre), talvez pela forte mensagem de mobilização popular que ela encerra. Interpretou-a pela primeira vez, antes da revolução do 25 de Abril, para um grupo de trabalhadores que se encontravam em protesto contra o lock-out promovido pelo patrão de uma fábrica. E, segundo José Jorge Letria, teria gostado de fechar o I Encontro da Canção Portuguesa, organizado pela Casa da Imprensa, a 29 de Março de 74, no Coliseu dos Recreios, onde esteve toda a geração de músicos de intervenção, com “O Que Faz Falta” ou “Venham mais Cinco” se a censura não as tivesse retalhado e cortado aos pedaços. Acabou por escolher o “Grândola Vila Morena”, que foi cantada em coro por todos os músicos e pelo público.   

Naquela época como agora,

“O que faz falta é avisar a malta

O que faz falta

O que faz falta é dar poder a malta

O que faz falta”.

18 de abril de 2024

Canções de Abril #18

Em 1971 foram publicados cinco dos mais importantes álbuns da música portuguesa: “Cantigas do Maio”, de José Afonso, “Os Sobreviventes”, de Sérgio Godinho, “Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades,” de José Mário Branco, gravados em França, e “Gente de Aqui e de Agora”, de Adriano Correia de Oliveira e “Movimento Perpétuo”, de Carlos Paredes, gravados em Portugal. Uma verdadeira revolução no panorama musical português. Para além disso, 1971 foi também o ano do primeiro Festival de Jazz de Cascais e do Festival de Vilar de Mouros. O ambiente era propício ao florescimento de ideias de mudança.

Por estratégia comercial da editora Sassetti, o álbum de Sérgio Godinho foi apenas lançado em 1972, evitando competir com trabalho de José Mário Branco (da mesma editora). O sucesso de “Os Sobreviventes” foi imediato, recebendo o Prémio da Imprensa, em 1972, e o Prémio Bordalo, entregue pela Casa da Imprensa, em 1973. “Que força é essa?”, a canção de abertura, é um apelo à consciencialização e à revolta dos trabalhadores injustiçados. Inspirado na situação dos emigrantes portugueses em França, Sérgio Godinho dirigia sua mensagem aos que viviam em Portugal sob o domínio da ditadura, enfrentando condições de trabalho mais adversas e com menos direitos laborais. O disco foi proibido pela Censura três dias após o lançamento.

Mais de cinquenta anos depois, esta música permanece como o hino dos que se recusam a aceitar as injustiças e se insurgem contra a submissão à ordem de obedecer e calar. A prova está nesta versão dos Clã, Filipe Sambado e Cláudia Pascoal, apresentada no Festival da Canção de 2021.

17 de abril de 2024

Canções de Abril #17

 


Pedra Filosofal, porventura por ser a mais ternurenta das canções de intervenção, tornou-se rapidamente uma espécie de hino de resistência contra a ditadura. Manuel Freire aproveitou a musicalidade do poema com o mesmo nome, de António Gedeão, publicado no livro Movimento Perpétuo, em 1956, para criar, em 1970, uma canção que entrou definitivamente na memória auditiva das pessoas e o catapultou para a fama depois da sua participação no popular programa de variedades Zip-Zip. 

O poema de António Gedeão é uma ode ao sonho como força de transformação pessoal e da realidade. A repetição dos versos 

“Eles não sabem nem sonham 
Que o sonho comanda a vida.”

reforça a ideia de que muitos não reconhecem o poder dos sonhos. No entanto, a música celebra aqueles que compreendem 

“que sempre que o homem sonha
o mundo pula e avança, 
como bola colorida 
entre as mãos de uma criança”.

Os ditadores não gostam de sonhos, mas para desgosto seu não os conseguem proibir. Manuel Freire, com a sua voz profunda e timbrada, acompanhado pela melódica sonoridade da viola, deu corpo e força ao sonho de mudança - coloco-o na mente das pessoas. 

16 de abril de 2024

Canções de Abril #16


 

“Trova do Vento que Passa”, de 1963, é uma “balada”, mais no género “trova”, de António de Portugal com poema de Manuel Alegre, celebrizada na voz de Adriano Correia de Oliveira. 

A canção rompe com o romantismo e o lirismo associado ao fado de Coimbra ao privilegiar o conteúdo poético em detrimento da instrumentação e ao versar a luta contra a ditadura e contra a guerra. Tornou-se rapidamente a primeira canção de clara contestação ao regime e uma espécie de hino da resistência estudantil, nomeadamente em Coimbra. Foi pela primeira vez apresentada ao público na festa de recepção aos primeiro-anistas da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, realizada no Hospital de Santa Maria. Nesse concerto, Adriano Correia de Oliveira é acompanhado por Rui Pato, José Afonso e António Portugal, cantando o tema que segundo Manuel Reis, autor do livro “Adriano Presente”, teve de ser repetido seis vezes, após o qual os estudantes saíram para a rua a cantar em coro.

O poema reflecte a condição de isolamento e resignação de quem era obrigado a emigrar, terminando com uma nota de indignação face a essa condição. A quadra final 

“Mesmo na noite mais triste 

em tempo de servidão 

há sempre alguém que resiste 

há sempre alguém que diz não”

tornou-se a mais evocativa. Manuel Alegre afirmou que se inspirou num episódio revoltante quando viu Adriano Correia de Oliveira a ser perseguido por agentes da PIDE.

Numa entrevista concedida em 1980, Adriano Correia de Oliveira afirmou que “Foi a partir do acolhimento de uma canção como a “Trova do Vento que Passa” que comecei a sentir o verdadeiro gosto por cantar, por fazer música e, sobretudo, por sentir que estava ao lado do justo, do lado antifascista”.

Uma canção imperdível para reviver e comemorar Abril.


15 de abril de 2024

Comemorar Abril - o corriqueiro não engrandece

O dotor Pimpão - a “junta” - decidiu atribuir a medalha de honra do município ao capitão Salgueiro Maia, a título póstumo. 

Quando se comemora os 50 Anos da Revolução de Abril de 74 - iniciada com o Golpe do MFA - todas as homenagens aos “capitães” de Abril são justificáveis e merecidas. Mas existindo tanto capitão de Abril ainda vivo, a merecer um gesto de gratidão, porquê a repetida insistência na homenagem ao Salgueiro Maia? 



Convém recordar, para que tudo não seja ainda mais desvirtuado, que o Golpe Militar de Abril de 74 não foi um golpe conduzido por um militar aureolado, como foi, por exemplo, o Golpe de Maio de 1926, protagonizado pelo general Gomes da Costa; foi um golpe planeado e conduzido por um vasto conjunto de oficiais intermédios (capitães, majores e tenentes-coronéis), com liderança partilhada (Operacional; Estratégico-política e Comunicação), onde uns tiveram papel liderante e/ou relevante, e outros papel operacional e/ou secundário.

Cumprir Abril 74, nomeadamente quando se comemora oficialmente a data, deveria compelir os decisores políticos a respeitarem o espírito do momento e o papel dos diferentes protagonistas, não engalanando uns ignorando outros. Reparando, por exemplo, a profunda ingratidão do país com Melo Antunes. Mais isso talvez seja pedir muito… 

É verdade que para muitos Salgueiro Maia é herói do golpe - o herói romântico. O que se compreende: foi o elemento mais mediatizado e foi protagonista de um momento crítico que o fez passar de mártir a “herói” num ápice - por acções e razões que pouco dependeram dele. Mas não foi o herói nem elemento decisivo do golpe, nem poderia sê-lo… Por circunstâncias várias, Pombal adoptou-o como o seu herói de Abril (assinalando uma ligação à terra que não existiu) para tornar corriqueiro homenageá-lo. Mas o corriqueiro não engrandece os distintos, só dá protagonismo ao culto do inerte.

Canções de Abril #15

 

No dia 6 de Maio de 1975, um ano depois da revolução, uma mulher fez parar o trânsito no cruzamento da avenida Miguel Bombarda com a 5 de Outubro. Chamava-se Teresa Torga, tinha 41 anos, fora corista e atriz do teatro de revista. Mas os ventos de liberdade e criação que sopravam no país não a arrastaram para o sucesso. Atirada para uma depressão, saiu para a rua despida.

 

“No centro a da Avenida

no cruzamento da rua

Às quatro em ponto perdida

Dançava uma mulher nua”

 

Por ali passava o repórter fotográfico António Capela, que registou todo o episódio: "Que aproveitando a barbuda/ Só pensa em fotografá-a/ Mulher na democracia não é biombo de sala".

O caso foi notícia nos diários da capital. E Zeca Afonso imortalizou-o, contando ao detalhe toda a história de Teresa Torga, num registo ímpar de humanidade. Há uma versão imperdível de Lúcia Moniz e Diogo Leite, em 2017, numa homenagem da Sociedade Portuguesa de Autores a Zeca Afonso. E nestes 50 anos do 25 de Abril, Mariza LiZ e Júlio Pereira oferecem-nos uma nova interpretação. 

14 de abril de 2024

Canções de Abril #14

 

 José Barata Moura ficou mais conhecido pela sua produção discográfica infantil do que como cantor de intervenção. O maior sucesso deste cantautor (que também é filósofo e professor catedrático) foi mesmo o "Fungagá da Bicharada", embora do seu trabalho se tenha destacado, logo em 1970, a canção "Olha a Bola, Manel".

Mas houve muitas outras músicas na obra de José Barata Moura, e sobretudo canções de intervenção e de combate ao regime. Exilado em França, Barata Moura gravou inicialmente em francês, também em 1970, o EP "Bidonville". Ainda antes do 25 de Abril grava em português.

O álbum "Caridadezinha" foi editado em 1973, com 12 canções. "Vamos Brincar à Caridadezinha" revelava-se uma crítica mordaz aos que praticavam, à época, a caridadezinha, num país profundamente desigual. 

13 de abril de 2024

Farpa Oferecida – Poema ao 25 de Abril de 1974


            De Rodrigues Marques - comentador proscrito, mas seguidor e leitor assíduo. 

            Cumprir Abril

Canções de Abril #13

“Queixa das Almas Jovens Censuraras” é uma das canções do álbum “Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades”, de José Mário Branco, gravado em Paris em 1971, e conta com um belíssimo poema de Natália Correia.  O título sugere um lamento dos jovens a quem impedem de ser livres. O poema é altamente metafórico e denuncia um regime que perpetua uma educação castradora e sufocante. 

Este magnífico álbum foi o responsável por revelar José Mário Branco, na época um ilustre desconhecido no país. Já a autora da letra era uma figura de grande destaque na cultura portuguesa. Açoriana, poeta, antifascista, Natália Correia afrontou Salazar ao honrar a tradição erótica e satírica portuguesa. A sua “Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica”, de 1966, foi censurada pelo fascismo e valeu à autora uma condenação por "consciente e pública ofensa do pudor, da decência e da moralidade pública". Natália é a responsável pela publicação da obra “Novas Cartas Portuguesas”, de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa (as “três Marias”), em 1972. O livro é proibido pelo regime três dias após o lançamento, que o considerou “pornográfico e contrário à moral e aos bons costumes”. O adultério, a violação, o aborto e a subordinação da mulher, eram temas proibidos pelo Estado Novo, que via as mulheres como cidadãos de segunda, não lhes concedendo o direito de votar ou a possibilidade de sair do país, abrir conta bancária ou tomar contraceptivos sem a autorização do marido. Um livro urgente nos dias de hoje, onde muitos parecem ter saudades de um tempo em que a "família tradicional" era sinónimo de discriminação da mulher.

12 de abril de 2024

Canções de Abril #12

 


Em 1970 o jovem Hugo Maia Loureiro destacou-se no VII Grande Prémio TV da Canção Portuguesa. Nesse ano a RTP decidiu não participar no Festival da  Eurovisão, ainda mal refeita das expetativas goradas do ano anterior, com a Desfolhada de Simone de Oliveira.

“Canção de Madrugar” ficou classificada em segundo lugar, num concurso em que se sagrou vencedor Sérgio Borges, com o tema “Onde Vais Rio que eu canto”. Mas ficou no ouvido de todos o tema cantado por Hugo Maia Loureiro, um poema de Ary dos Santos, com música de Nuno Nazareth Fernandes.

Esta canção é uma obra poética, dividida em duas partes quase antagónicas. Na primeira, a alusão ao linho e aos nardos sugerem a preparar para algo sagrado. A segunda parte é marcada por uma entrega dolorosa, numa cadência de elementos negativos: nem 'choros', nem 'medos', nem 'uivos', nem 'gritos', ‘nem farpas nem farsas’…

A “canção de madrugar” termina sem a realização desse amor, mas com a persistência do desejo. O que à época foi um arrojo, e um desafio à censura. Ao longo dos anos muitas foram as versões que conheceu: Carlos do Carmo, Sérgio Borges, Conjunto Académico João Paulo, e mais recentemente Susana Félix, no projeto “Rua da Saudade”.

Foi banda sonora da série “E depois do Adeus”, da RTP, dedicada ao drama dos “retornados”.

Hugo Maia Loureiro morreu em fevereiro deste ano, afastado dos palcos. Canção de madrugar foi o seu maior sucesso. 

11 de abril de 2024

Canções de Abril #11


Canta, canta, amigo, canta
Vem cantar a nossa canção
Tu, sozinho, não és nada
Juntos temos o mundo na mão
 
Cinco mil pessoas, em coro, entoaram o refrão de “Erguer a Voz e Cantar” no I Encontro da Canção Portuguesa, que decorreu no Coliseu dos Recreios em Lisboa no dia 29 de Março de 1974. Na presença de um forte aparato policial, o público manifestava, dessa forma, a sua impaciência para ouvir os artistas que raramente tinha possibilidade de escutar: José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire, José Jorge Letria, José Carlos Ary dos Santos entre outros. A canção tinha sido gravada quatro anos antes por António Macedo e, de imediato, se tornou um hino de resistência, adoptado por milhares de jovens em todo o país. O público que, nesse dia, enchia por completo o Coliseu era sensível à mensagem da canção, que apelava à solidariedade e à participação cívica activa.  
 
A singeleza musical e a mensagem simples e directa fizeram desta canção património da geração dos “filhos da madrugada”, ficando no imaginário popular de todos quantos viveram a Revolução dos Cravos. E se antes do 25 de Abril de 1974 a canção era cantada em festas privadas, reuniões estudantis e partidárias, depois da revolução passou também a fazer parte do cancioneiro litúrgico, cantada por muitos jovens em inúmeras igrejas do país. Na verdade, de todas as músicas de intervenção, “Erguer a Voz e Cantar” ou “Canta, Amigo, Canta”, como ficou conhecida, é talvez aquela que se pode dizer que se tornou verdadeiramente popular.

10 de abril de 2024

Canções de Abril #10



Nos últimos 20 anos do Estado Novo, estima-se que mais de 1,6 milhões de pessoas emigraram para diversos países da Europa e da América.  Mas o fluxo migratório acentuou-se na segunda metade da década de 60, essencialmente para França, como é disso exemplo o concelho de Pombal. E continuou nos primeiros anos da década de 70, com cerca de 300 mil a abalarem de Portugal. Depois do 25 de Abril, a emigração (legal) reduziu consideravelmente, mas ainda rondou as 100 mil pessoas até ao final da década.

Em 1970, o poema da galega Rosalia de Castro (1837-1885), escrito no século XIX, encontrou no Portugal do Estado Novo toda a atualidade. Desgraçadamente, em muitos momentos da nossa história manteve-se atual. José Niza musicou-o, e entregou este marco da música de intervenção à voz de Adriano Correia de Oliveira. Se fosse vivo, Adriano teria completado ontem 82 anos. 

A beleza triste desta canção perpassa também nas cordas da viola de Rui Pato e da flauta de Tiago Velez. "Cantar da Emigração" é do álbum 'Cantaremos', editado pela Orpheu em 1970. A canção marca o início de uma intensa colaboração entre Adriano e o compositor José Niza - com quem viria a gravar 'Gente daqui e de Agora', no ano seguinte. 

9 de abril de 2024

Canções de Abril #9

“Caio Guembo, 4 de Abril de 1972. Querida: Já é certeza, amanhã vou para Luanda, portanto não te preocupes. Já estou livre de perigo, agora é só aguardar o dia quinze para dizer adeus a esta Angola que não me deixa saudades algumas. Portanto fica descansada. Se Deus quiser no dia dezasseis já estou ao pé de ti. Adeus até ao meu regresso.”

O primeiro-cabo atirador Carlos Cândido da Silva Neves, que tinha partido para Angola a 18 de Fevereiro de 1970 a bordo do paquete Uíge, regressou à “Metrópole” no dia 16 de Abril de 1972, estando à sua espera, na estação de Faro, a sua madrinha de guerra e futura esposa, Rosa Maria Santos de Matos, com toda a sua família. Final diferente tiveram os mais de 100 mil civis e os 10 mil militares portugueses que faleceram Guerra Colonial, para além dos mais de 20 mil ficaram inválidos. Cerca de 90% da população jovem masculina de Portugal foi mobilizada para uma Guerra que durou 13 anos e só acabou depois da Revolução de Abril de 1974. Portugal era um país criticado pela comunidade internacional, isolado, “orgulhosamente só”, persistindo num esforço de guerra que chegou a consumir mais de 40% da despesa nacional, o que diz bem da demência do ditador e de toda a corja que governava o país.

“Menina dos Olhos Tristes", escrita por José Afonso para a voz de Adriano Correia de Oliveira por volta de 1963, é uma das muitas canções anti-guerra gravadas nessa altura. Com um poema de Reinaldo Edgar de Azevedo e Silva Ferreira (poeta português radicado em Moçambique, falecido em 1958 e filho do famoso Repórter X), a mensagem remetia abertamente para as Rosas de olhos tristes, que não viam os seus soldadinhos voltarem do outro lado do mar.  A Censura rapidamente proíbe o disco, mas não consegue apagar a música. Aliás, essa como muitas outras canções cruzaram o oceano e chegaram aos soldados, que as cantavam e adaptavam à realidade que viviam. Exemplo disso, é o chamado Cancioneiro do Niassa, uma colectânea canções centradas na vida dos militares portugueses colocados na região do Niassa, Moçambique, durante a Guerra Colonial, nos finais da década de 1960. 

No vídeo podemos ouvir a versão que José Afonso gravou para a Orfeu, em 1969, acompanhado pela viola de Rui Pato, e ainda as canções “Ronda do Soldadinho” e “Pedro Soldado”, interpretadas, respectivamente, por José Mário Branco e Manuel Freire.

8 de abril de 2024

Canções de Abril #8


O ano 1961 foi muito complicado para o regime de Salazar. Em Janeiro deu-se o assalto a um dos maiores paquetes portugueses, o "Santa Maria", por um comando liderado pelo capitão Henrique Galvão, o que constituiu um escândalo internacional. A 4 de Fevereiro, a insurreição do povo angolano marca o início das guerras coloniais. A 12 de Novembro, na farsa eleitoral para a Assembleia Nacional, a totalidade dos deputados eleitos pertence à União Nacional, o que desencadeou várias manifestações. Numa delas, em Almada, o operário Cândido Martins foi barbaramente assassinado pela polícia enquanto gritava "Não há medo". Tinha 28 anos. No dia 4 de Dezembro um grupo de dirigentes comunistas foge da prisão de Caxias no carro oficial de Salazar. A 18 de Dezembro as forças indianas invadem Goa, Damão e Diu, iniciando a derrocada do império colonial português. 
 
Tudo corria mal ao ditador. Em desespero, dá ordens para que a PIDE intensifique os métodos repressivos e de vigilância. No dia 19 de Dezembro, às oito horas da noite, José Dias Coelho, artista plástico na clandestinidade, militante do Partido Comunista Português e responsável sector intelectual do partido, é detectado pela brigada da PIDE. Um tiro à queima-roupa, em pleno peito, deitou-o por terra; o outro foi disparado com ele já no chão. Os assassinos meteram-no num carro e só duas horas mais tarde, quando estava a expirar, o entregaram no Hospital da CUF. «De todas as sementes deitadas à terra, é o sangue derramado pelos mártires que faz levantar as mais copiosas searas»: esta foi a legenda que José Dias Coelho deu à sua última gravura, dedicada a Cândido Martins. Hoje, esta frase encontra-se inscrita no mesmo lugar onde foi assassinado. 

Em 1972, José Afonso, no seu disco "Eu vou ser como a toupeira", dedica-lhe o magnífico tema "A morte saiu à rua". É a voz do poeta que escutamos nesta versão.

7 de abril de 2024

Canções de Abril #7


“Dia Não” é uma canção composta em 1965 e editada em 67 no primeiro disco da trilogia “La Poésie Portugaise de nous jours et de toujors”. É uma bela balada com poema forte de José Saramago que aborda a força da palavra e do “não”.

“Que o poema se desnude

De tais roupas emprestadas

Seja seco, seja rude

Como as pedras calcinadas

 

Que não fale em coração

Nem de coisas delicadas

Que diga não quando não

Que não finja mascaradas”

O vídeo mostra Luís Cília numa actuação ao vivo no Palau de Sant Jordi, Barcelona, 1993.

6 de abril de 2024

Canções de Abril #6


A editora Orfeu é uma referência incontornável no panorama musical português das décadas de 1960 e 1970. Fundada em 1956, no Porto, por Arnaldo Trindade, a etiqueta prosperou apostando sempre nos novos valores da cena musical portuguesa, muitos deles ligados à chamada canção de protesto. Adriano Correia de Oliveira, primeiro, e José Afonso, depois, estabeleceram uma relação duradoura com a empresa, sem que esta impusesse condições à sua criatividade musical.

Um exemplo paradigmático das edições da Orfeu é o álbum “Fala de um Homem Nascido”, de 1972, uma opereta em duas partes composta por José Niza (trabalho iniciado enquanto alferes-médico em Angola), com encenação musical de José Calvário e baseada em poemas de António Gedeão. Os intérpretes escolhidos foram Duarte Mendes, Carlos Mendes, Samuel e Tonicha que, no ano anterior, tinha ganhado o Festival da Canção com "Menina", uma música de Nuno Nazareth Fernandes com letra de José Carlos Ary dos Santos. Um dos poemas musicados nesse disco, “Lágrima de Preta”, escrito em 1961, continua a ser, ainda hoje, um dos mais magníficos hinos à igualdade. Tornou-se conhecido na voz de vários cantores. A canção foi proibida pela censura, até à revolução de Abril de 1974.

A versão aqui partilhada não é das mais conhecidas. Interpretada por Duarte Mendes, capitão de Abril e vencedor do primeiro Festival da Canção em liberdade, tem um arranjo lindíssimo de José Calvário. A título de curiosidade, refira-se que Sam The Kid usou um sample deste arranjo no seu "Até Um Dia", do álbum “Beats Vol 1: Amor”. 

5 de abril de 2024

A mentira tem perna curta…

O povo costuma dizer que a mentira e a manipulação - seu parente próximo - têm perna curta. Mas correm rápido, e custam a apanhar.

Numa das suas “notícias”, o Jornal de Leiria desta semana titulava “Tribunal Constitucional dá razão a Independentes de Pombal”. E acrescentava logo no primeiro parágrafo: “Dois anos após o pedido de um eleito municipal do PSD de Pombal da perda de mandato na assembleia municipal contra Luís Couto, eleito pelo Oeste Independentes, por, alegadamente, ter concorrido em duas listas nas autárquicas de 2021, o Tribunal Constitucional (TC) concluiu não haver violação da lei eleitoral”.


Quem lê a “notícia” fica convencido que o Tribunal Constitucional se pronunciou sobre a regularidade do caso do independente do oeste que concorreu por duas listas de independentes e que o denunciante e/ou o presidente da Assembleia Municipal levou o caso até à última instância, ao Tribunal Constitucional. Ora, tanto uma coisa como a outra são redundantemente falsas. A CNE pronunciou-se nos seguintes termos: “Embora possa suscitar dúvidas o âmbito de aplicação desta norma, concluiu o TC, no seu acórdão n.º 508/2013, que... a limitação aqui instituída ser válida apenas relativamente ao mesmo órgão autárquico”. Só mentes muito crédulas ou muito perversas podem retirar estas ilações que a notícia refere.

O Farpas acompanhou este processo e teve conhecimento da decisão da CNE. Por achar o assunto pouco relevante e por seguir o critério de não dar relevância ao que é irrelevante deixou o caso na gaveta. Até porque sabemos do efeito perverso que a “publicidade”, mesmo se negativa, tem para agentes irrelevantes.

Por tudo isto, desconfiei da “notícia”. Achei pouco verosímil que o Professor de Direito tivesse embarcado na litigância compulsiva contra um pobre coitado, irrelevante e isolado nestes meandros, que nestas e noutras coisas deixa sempre alguma coisa a dever à ética política. Mas que um jornal com alguma reputação na região se preste a estas coisas é demais. Mas neste panorama informativo já se compreende quase tudo.   

Canções de Abril #5


Em 1963, uma música do álbum Baladas de Coimbra (o mesmo que inclui o icónico "Os Vampiros"), intitulada "Menino Do Bairro Negro", emergiu como obra seminal da canção de protesto, marcando uma ruptura significativa com o fado coimbrão tradicional. Esta canção, além de expressar temas de desigualdade e esperança, carrega consigo os traços distintivos das músicas de resistência à ditadura portuguesa. Acompanhada magistralmente pela viola de Rui Pato, esta balada de Coimbra revelou-se de uma eficácia surpreendente, tendo a simplicidade musical contribuído para realçar a mensagem do belíssimo poema de José Afonso.  

José Afonso afirmou que a negritude de que fala a canção não diz respeito à cor da pele, mas à condição dos meninos explorados nos bairros da cidade do Porto: "Tudo aquilo me chocou de uma maneira espantosa. A primeira vez que cheguei ao Porto depois de várias boleias era de noite. Num dos bairros da Ribeira, vejo quatro tipos a urinar para dentro de uma lata. Era uma cena altamente surrealista, mas muito tripeira. Lembro-me de ter visto os meninos que pululavam por aquelas ilhas. Foi uma coisa que eu pensei que só existisse nos filmes...". O "carácter subversivo" da canção não passou despercebido ao Secretariado Nacional de Informação (SNI) que se apressou a apreender "urgentemente os invólucros do disco de 45 r.p.m. da autoria do dr. João (sic) Afonso que contem (sic) as canções "Menino do Bairro Negro" e "Os Vampiros" e a solicitar ao Director dos Serviços de Censura que "se digne promover à acção conjunta para obviar aos malefícios provocados pela divulgação das referidas canções." A bem da nação!

A canção do “Zeca” sobreviveu ao SNI. A prova da sua intemporalidade é evidente na versão que aqui partilhamos, interpretada por Rita Dias, com acompanhamento de Miguel Pimenta.

4 de abril de 2024

O estranho caso do eleito do PS que é do PSD

 


O caso é comentado há meses entre Albergaria dos Doze, São Simão e Santiago de Litém: Ricardo Francisco, eleito pelo PS na Assembleia de Freguesia daquela União de Freguesias, filiou-se no PSD. A decência mandaria que o rapaz - cabeça de lista dos socialistas nas últimas eleições autárquicas - abandonasse o cargo e fosse à sua vida. Em caso de lhe faltar esse valor, impunha-se que o partido lhe retirasse a confiança política. Porque o partido sabe disto há exactamente os mesmos meses em que o assunto é comentado. Mais: foi tema num plenário de militantes. 

Não há muito a esperar de um partido que se permite ser humilhado sistematicamente por um presidente de junta (o da Redinha), que usa as cores e os meios do partido apenas quando quer voltar a ser eleito. Que não fora a denúncia, aqui no Farpas, de que se preparava para abalar da freguesia, teria feito as coisas à laia de regedor. 

Mas quando o caso incomoda até os eleitos de outros partidos - como aconteceu na semana passada, quando Maria José Anastácio, da CDU, tornou o caso público - chegamos ao ponto de não retorno. O que espera o PS para lhe retirar a confiança política? De o ver num evento público do PSD, a apoiar o líder? Ah, espera, já aconteceu.  


Canções de Abril #4

 


Se Abril trouxe a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, Setembro desse 74 ficou marcado como o mês da luta dos trabalhadores do Jornal do Comércio, que viria a contar com um aliado importante: o GAC - Grupo de Acção Cultural -  Vozes na Luta. Fundado por José Mário Branco, o colectivo de cantores e músicos politicamente empenhados nasceu um mês depois da revolução, e contava com nomes como Fausto, Afonso Dias e Tino Flores que se encontraram numa sessão de canções revolucionárias em Almada. 

A canção que se tornou hino dos trabalhadores do Jornal do Comércio é 'narrada' por JMB. Em Abril de 1974, o matutino contava com mais de 120 anos de história. Em Agosto, começara a greve, exigindo o saneamento do director, Carlos Machado. Durou 46 dias, ao som da cantiga que foi uma arma. 

3 de abril de 2024

Canções de Abril #3



“Meu País” é a canção de abertura do primeiro álbum de Luís Cília* - “Meu País”-, gravado em 1964, em Paris. O primeiro disco de resistência de uma geração de músicos exilados em França, pioneiro de uma nova canção popular de protesto entre nós.   

A música é simples e harmoniosa na relação da voz com a guitarra e deixa todo o protagonismo para a palavra, um poema de Daniel Filipe que canta a esperança na libertação do país amordaçado e oprimido.

A versão aqui reproduzida foi gravada em 1974.

 

*Luís Cília foi o primeiro cantor de intervenção que no exílio, de forma explícita, cantou e denunciou a guerra colonial e a falta de liberdade em Portugal. Nasceu em Angola (Huambo), em 1943; em 1960 veio estudar para a metrópole e envolveu-se logo nas lutas estudantis. É preso pela PIDE em 1962; e em 1964 foge para Paris, onde estuda guitarra clássica e composição e convive com importantes cantautores franceses, como G. Brassens e L. Ferré, e com músicos e poetas portugueses também exilados em França.

Na contracapa do primeiro disco (“Meu País”), escreveu: “Pode-se humilhar um povo, condená-lo à miséria, metê-lo em prisões. Mas não se pode reduzi-lo ao silêncio”. Mote para toda a sua produção artística.  

2 de abril de 2024

Canções de Abril #2


Vozes ao alto, vozes ao alto
Unidos como os dedos da mão
Havemos de chegar ao fim da estrada
Ao Sol desta canção!
 
"Jornada", composta por Fernando Lopes-Graça em 1945-1946, é talvez a mais emblemática de entre as suas "Canções Heróicas", em grande parte devido ao poema de José Gomes Ferreira que a acompanha. Estas composições musicais assumiram um significado profundo no contexto da oposição ao Estado Novo, em particular no seio do Movimento de Unidade Democrática (MUD). O movimento, criado em 1945 para reorganizar a oposição e mobilizá-la para eleições, foi rapidamente ilegalizado por Salazar e as "Heróicas" proibidas pela Inspecção Geral dos Espectáculos. A "Jornada", descrita pela própria PIDE como o hino não oficial do MUD, passou a ser apenas cantada em convívios privados, em colectividades recreativas e associações estudantis. Na verdade, o poema de José Gomes Ferreira era demasiado provocatório para um regime opressivo, prepotente e para um ditador bacoco e provinciano.
 
Esta versão resulta de um projecto colectivo entre o Coro Polifónico Eborae Mvsica, o Coro da Universidade de Lisboa, o Grupo Coral ViVa Voz, o Grupo Coral Laudamus, alunos da Escola de Música Nossa Senhora do Cabo, o Coro Cardif a plein tubes, entre outros. Antes de "Jornada" pode ouvir-se "Acordai", outra das "Heróicas" de Lopes-Graça e José Gomes Ferreira.

1 de abril de 2024

Canções de Abril #1

 


Zeca Afonso adaptou-a de uma canção tradicional da beira alta. Gravou-a pela primeira vez em 1969, no disco "Menina dos Olhos Tristes", e o tema  tornou-se um dos principais hinos de luta durante o fascismo, incluindo nas cadeias, onde  frequentemente lhe eram incorporadas outras estrofes, como "pára-raios na igreja/é para mostrar aos ateus/que o crente por mais que o seja/não tem confiança em Deus".

Na plataforma Spotify aparece sobretudo a versão de Maria da Glória, a cantora alentejana de voz grave, que editou o seu último disco em 1974. 



30 de março de 2024

Ana Cabral no topo dos bombeiros

Meio Pombal regozija com a cooptação da dotora Ana Cabral para presidente dos bombeiros. E o Farpas não poderia desassociar-se deste feito. É lindo ver uma bombeira atingir o topo da organização. Mas na verdade, a novidade é só no género – no resto tem sido esta a regra.

A dotora Ana é uma criatura amorosa. E os bombeiros devem estar carentes de amor. Eis a mulher certa, no lugar certo, no tempo certo. Eis a felicidade no seu esplendor.

 


28 de março de 2024

Sobre ingenuidades e grandolândias

A Citrinolândia foi à reunião da “junta”. Sabe o que é, caro leitor? Não, com certeza. Não se importe. Ninguém sabe… Mas é por esta e por outras que Pombal continua a ser o campeão das futilidades e irrelevante no essencial.

Nada descompõe melhor uma tolice que uma ingénua observação (ou pergunta). O dotor Simões possui aquela ingénua esquisitice mental que, neste novo mundo da realidade ilusória e da virtual realidade, se tornou um atributo necessário para toda a figura pública fazer figura. Se ele não tivesse feito a ingénua observação sobre a Citrinolândia a coisa passava despercebida, e a tolice maior ficava escondida. 

Perante a ingénua observação, o dotor Pimpão, manhoso, saltou fora da conversa e passou a palavra à dotora Marto - um bom-cristão não atira uma criatura indefesa, que prende a língua e choca com as palavras quando tenta usar termos caros, para o martírio. Para nós, meros espectadores desta comédia de província, é sempre um deleite assistir à estratégia, à ciência, à investigação e ao palavreado que estas criaturas, politicamente impreparadas, colocam na justificação do seu voluntarismo estéril. 

Ora ouçam...


27 de março de 2024

O irreal social


 *créditos do fotógrafo Mário Cantarinha

Este ano a excursão à feira de Nanterre voltou a ser uma ocasião de grande convívio, desta vez alargado a meia dúzia de presidentes de junta. Estou em crer que foi a forma que o Pedro arranjou de zelar pela felicidade de seus autarcas, proporcionando-lhes uma visita à cidade-luz. Alguns dos autarcas exibiram, contentes (pois claro) as suas fotos nas ruas de Paris, by night. 

Estranhamente, nas redes sociais do presidente e da Câmara - que são a mesma coisa - nem um sinal da presença na feira/festa da comunidade emigrante. Talvez porque esta visita foi demasiado relâmpago: Pimpão arrancou mesmo antes da sessão de encerramento, deixando o stand entregue a Ana Fernandes, técnica da Adilpom que já está habituada a estas lides.

Diz-se na Câmara que este presidente governa a autarquia a partir do facebook. Aqui no Farpas acreditamos que era perfeitamente dispensável aquele alargado gabinete de comunicação, pois que ele mesmo escreve, fotografa, filma e partilha as coisas mais inusitadas. Se a realidade fosse o Instagram ou o Facebook, estaríamos perante um caso de dedicação e trabalho árduo. O problema é que as obras e os projetos ainda não acontecem a partir do ecrã. Mas não percamos a esperança. A página do Município de Pombal já responde às pessoas, quando sujeita a críticas. É preciso acreditar. De resto, isto é mais ou menos como o refrão que cantavam os Ban, no final dos anos 80 : "Não me dês moral, dá-me um ideal irreal social popular"

26 de março de 2024

Dotora Gina na corda-bamba

Já se sabia que o clima na “junta” andava agitado, entre os vereadores e o dotor Pimpão – problemas de coordenação e de excesso de felicidade. Mas recentemente soubemos - e comenta-se nos “mentideiros” locais – que o dotor Pimpão quis substituir a dotora Gina pelo seu ajudante de campo - Marco Ferreira. Para tal, preparou o terreno e as contrapartidas: tentou convencer a dotora Gina das vantagens mútuas da sua renúncia; e prometeu-lhe colocação numa empresa municipal.  

A dotora Gina, confrontada com a delicada situação e a contrapartida, mostrou abertura e ficou de dar resposta na segunda-feira seguinte. Mas, depois de pensar e se aconselhar, recusou. 

Agora estamos assim: com uma “vereadora” (que nunca o foi) materialmente demitida... Trapalhadas de “junta” - de rapaziada.





PS: Toda a espécie de comunicação social que por aqui ainda existe conhece este relevante facto político, mas não informa porque não quer incomodar o poder.

25 de março de 2024

O 25 de Abril na Ilha

 



O café Lanheiro estava à pinha: novos e velhos reunidos para ouvir "histórias do25 de Abril nas tabernas", naquela que terá sido a mais genuína iniciativa das comemorações dos 50 anos da revolução -  testemunhos de quem a viveu, sob diversas formas. Durante a tarde de domingo, esteve ali tudo:  o povo e a forma como vivia, sem paz, pão, habitação; os privilegiados da Guia (Artur Carreira e Amândio Neves assumiram-no e contaram-no com grande generosidade, desde a campanha de Humberto Delgado às lutas estudantis em Coimbra), os que não conseguiram escapar à guerra e combatiam contra a vontade, os que foram vítimas do processo de descolonização. E os que cresceram a ouvir as histórias dos pais e avós, que já nunca conheceram a ditadura mas têm consciência e valorizam as portas que abril abriu. Ao fundo, uma fotografia antiga dos homens que criaram a primeira Comissão de Melhoramentos da Ilha, essa terra especial onde o tempo fez cinza da brasa. Um mão cheia deles. 

"Estes homens sofreram muito. Ninguém imagina. O povo vivia mal". As palavras da Ti Preciosa, viúva de um desses homens, avó da Patrícia, que agora gere o Lanheiro (antiga taberna) vão ecoar-me por muito tempo. O medo. O medo de falar, de agir, de ser "chamado a Pombal", à Câmara, ou ao capitão Gonzaga. Os pides infiltrados entre a populaça, controlados pelos homens poderosos da terra. As diferenças tão vincadas entre uma aldeia como a Ilha (que podia ser a minha Moita do Boi) e a Guia, "que ao pé de nós era uma cidade". As diferenças tão vincadas na sociedade. E a declaração emocionada de António Moderno, professor jubilado: "Ninguém imagina a alegria que eu sinto em olhar à minha volta e ver que o neto do sapateiro é engenheiro, que toda a gente tem instrução, quando naquela altura havia três ou quatro licenciados. O 25 de Abril foi o dia mais feliz da minha vida".

A ilha é uma terra especial. Dali sempre brotou intervenção pública, sobretudo cultural. E ontem, ao ver aquele encontro de gerações e de interesses (que terminou com a brilhante atuação dos músicos André Ramalhais e Evandro Capitão, a acompanhar a declamação da poesia de Ary dos Santos pela Lina Oliveira), tive a certeza de que ali se cumpriu Abril. 

Só nos faltava agora que este Abril não se cumprisse.