16 de novembro de 2015

"É como se estivesse no Outeiro e um kamikaze tivesse ativado o cinto no Louriçal"

foto: Reuters

Pela primeira vez nas nossas vidas, conhecemos pessoas que podiam ter morrido num atentado e que, felizmente, sobreviveram. Pela primeira vez nas nossas vidas, conhecemos pessoas que perderam familiares, amigos mais ou menos próximos, num atentado. Pela primeira vez na minha vida, um atentado com kamikazes aconteceu aqui, à porta de casa, a minutos de onde vos escrevo, como se estivesse no Outeiro do Louriçal e um kamikaze tivesse ativado o seu cinto no Louriçal.
Pela segunda vez nas nossas vidas, passámos duas noites difíceis, perturbadas pelas horas passadas a ver em direto os canais de informação e a ler atentivamente o que as pessoas descreviam no Twitter: relatos de mortos, de feridos estendidos no chão, e rumores, vagas contínuas de pânico um pouco por toda a capital.
As primeiras intervenções do Presidente francês não me convenceram, a primeira decisão do PrimeiroMinistro aniquilou-me : hoje, segunda-feira, sabemos que as forças armadas francesas já bombardearam a cidade de Raqqa, na Síria. Outros sinais não auguram também nada de bom: houve desacatos durante uma manifestação anti-migrantes em Pontivy e um movimento de pânico na Praça da República provocado pelo lançamento de petardos. Isto adicionado a algumas teorias da conspiração e/ou informações que saíram e reforçam cada vez mais o que o governo francês tinha iniciado com as suas primeiras tomadas de posição: a divisão.
Se é verdade que, na última sexta-feira, muitos parisienses abriram as suas portas, ajudaram e esconderam as vítimas e reuniram-se na Praça da República, antevê-se o mesmo cenário do início do ano 2015: cada um vai olhar por si e pelos seus, fazer como se nada tivesse ocorrido, fazer pela sua comunidade, pela sua etnia, pela sua religião, pelo seu meio social. Os mesmos jornalistas e políticos polémicos vão inundar as televisões, brincar com o fogo, tentar criar o que os terroristas sempre sonharam: uma guerra civil.
Mas também não somos ingénuos. Sabemos que o fim dos bombardeamentos na Síria não iria tornar as nossas vidas mais seguras, mais pacatas, mas apenas dar «uma razão/um argumento» a menos aos terroristas para nos atacar pois sabemos que é quase impossível desradicalizar quem se radicalizou como é muito complicado tornar menos racista quem já o é.
Não temos, por enquanto, medo de morrer. Mas talvez, sim, medo de ter medo de morrer. Por uma razão injusta, por uma guerra que não apoiamos, uma das muitas guerras que a França trava e travou sem consultar o seu povo previamente. Uma das guerras que faz ironicamente também «viver» o país a nível económico (a França bateu o seu recorde de vendas de armas em junho de 2015) e ocupar um lugar de destaque no cenário mundial (ver a importância do Canal de Suez e do transporte/comércio de petróleo na região.

Mickael Oliveira, Lusodescendente, filho de emigrantes do Outeiro do Louriçal. Mora em Saint Denis, perto do local onde três kamikazes se fizeram explodir.

2 comentários:

  1. Olá Mickael Oliveira,
    Primeiro que tudo, e como um dos d`Casa, obrigado pelo teu testemunho, próximo mas distanciado, que tenta olhar para o quadro todo e não só para graves atentados em si, com realismo e sem moralidade oca.
    Na verdade, nunca existiu grande ordem no mundo, a humanidade e, por conseguinte, a civilização ocidental nunca esteve salva ou a salvo de riscos significativos: a globalização não nos torna globais, a liberdade não nos torna livres, a fé não nos salva – por muito que muitos acreditem nisso.
    Mas não era necessário acicatar conflitos, despertar ódios, confrontar antagonismos inconciliáveis. Nada justifica os bárbaros atentados, mas como bem dizes era dispensável a declaração e a guerra contra o Estado Islâmico. É uma precipitação incompreensível. Não sei se os atentados são uma resposta aos ataques, mas sei que os ataques terão consequências graves na segurança dos franceses e dos europeus.
    Respeito toda a diversidade, mas, quando temos valores e princípios antagónicos e inconciliáveis – e sejamos claros, é o caso com os islamitas – cada um no seu lugar. Só assim se previnem conflitos graves.

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  2. Tudo isto é resultado da Cimeira do Atlântico, que basicamente serviu para acabar com uns quantos governos e tomar posse dos países. Faltava a Síria, que teimava em não embarcar na onda da Primavera Árabe. Vai daí decidiram fomentar a criação do agora famigerado Estado Islâmico, para combaterem o governo sírio. Mergulha-se assim o país no caos, mas para surpresa dos mesmos, o EI toma a iniciativa e alarga a sua esfera de influência. Isto torna-se então um grande incómodo porque os criadores terão de matar o seu monstro.

    A Velha e humanizada Europa, vê-se agora com um grave problema nas mãos, pois mais nenhuma zona do mundo quer ou não tem capacidades para o resolver. A maior parte destes migrantes vão ter graves dificuldades em se integrar na nossa forma de vida e nós Europeus também não estávamos preparados para tamanha tragédia. Temos no entanto de perceber que a grande maioria destas pessoas fogem do medo, da fome e da morte. Deve ser um pesadelo nunca saber quando vão acabar os bombardeamentos e as atrocidades nesses Países.

    A Europa como está instituída; Espaço de livre circulação de pessoas e bens; está mal construída para enfrentar estes novos problemas, pois não tem capacidade de controlo nas suas fronteiras e corre vários riscos de destabilização social grave em vários pontos, como se pode verificar com os últimos acontecimentos.

    Esta organização Europeia terá que passar irremediavelmente pela sua restruturação, ou se parte para a Federação de Países ou esta Europa de livre circulação não tem Futuro e vai acabar por se desmembrar e voltarem novamente as fronteiras entre os povos.

    A Europa tem de ser um “todo” e não um conjunto de partes, ou seja tem de se partir para a ultima fase Europeia: Um Governo único, eleito por todos os Europeus por método directo; Um parlamento único; Uma moeda única; Uma política externa única com uma força militar única, pois não podemos andar mais tempo a tolerar e dar aval á politica externa dos Estados Unidos. Só assim a Europa tem hipóteses de sobreviver e tornar-se um bloco sólido que garanta a paz em todo o mundo, pois enquanto formos os “paus mandados” do “Tio Sam” estamos sempre a defender os interesses dos U.S.A e não o projecto Europeu.

    O mundo precisa de uma Europa forte, unida e com capacidade de decisão nos grandes conflitos mundiais.

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