7 de janeiro de 2018

Onde se dá conta dos preparativos para a pendência sobre a corporação florestal

Antes de partir para fim-se-semana, o Príncipe chamou o Pança para lhe passar empreitada premente.
- Pança? Vinde cá, meu servo diligente.
- Que me ordena Vossa Grandeza?
-  Que ponhais em prática empreitada mui valorosa, neste fim-de-semana – afirmou o Príncipe.
- Às suas ordens, Alteza. Só espero que não seja muito volumosa – advertiu o Pança. Como sabeis: agora, tenho, também, que dar atenção ao meu condado, e não me posso descuidar, que nisto de governos tudo está no começar bem.
- Pança; sabeis bem quais são as tuas obrigações como escudeiro…, não me obrigues a relembrar-tas…
- O Senhor meu Amo poderá ficar descansado – bem sei que ficar às ordens de Vossa Alteza é meu dever de escudeiro…
- Temos que entrar na pendência pela corporação florestal, apear o Ferrador e arranjar alguma coisa para ir ocupando a condessa das Cavadas – ordenou o Príncipe.
- O apeanço do Ferrador só peca por tardio; mas achai Vossa Mercê que a corporação florestal é lugar para a condessa das Cavadas? – Perguntou o Pança, surpreendido com os planos do Príncipe.
- Não sei, nem isso importa para a circunstância; porque perguntas, Pança? Sabeis bem que ela teve a pasta das florestas, e parecia gostar daquilo…
- Vossa Mercê sabe muito bem que ela parece gostar de tudo o que lhe dão – se há defeito que não tem, é ser esquisita. Mas se Vossa Mercê a quer presentear com alguma coisa de valor, por que não a mete a presidir à Escola? O doutor meteu aquilo numa rebelião tal, e num emaranhado de processos judiciais, que não tem fim à vista. Como Vossa Mercê sabe, a condessa é uma boneca de génio mole que derrama doçura; talvez acalmasse aquilo…
- Pança; não te metas a dar pareceres a quem não os pede… A conquista da corporação florestal permite apear o velhaco do Ferrador – um vilão de duas faces, que se diz connosco mas está apegado aos nossos inimigos – e ocupar a condessa.
- Mas acha, Vossa Mercê, que a condessa quer aquilo: uma incumbência que só dá trabalho e chatices?
- Enganas-te, Pança; também dá proventos, e não são despiciendos; conheço bem as contas – sou o guarda-livros – e as artimanhas do Ferrador…
- Já não está cá quem falou…Lembrei-me, agora, que também participei numa reunião onde falaram disso, e fizeram ameaças…- recordou o Pança.
- Digo-te mais, Pança: a condessa ficará por lá pouco tempo, porque brevemente substituirá a marquesa Prada, que já deveria ter renunciado, mas continua a engonhar e a criar-me desavenças desnecessárias.
- Percebi, Majestade. Mas dizei-me: com quem posso e devo contar para empreitada tão dificultosa?
- Tens muito por onde recrutar, anda por aí muito vassalo ávido de poder – afirmou o Príncipe.
- Tem razão, Alteza; anda por aí muito vassalo desavindo com as lutas pelo poder - nunca vi o partido tão partido…
- Para quem domina a arte de reinar, nada melhor – lembrou o Príncipe.
- Pois; mas Vossa Mercê dá-me cada empreitada mais dificultosa…. Pensa, Vossa Mercê, que o trabalho de manejar ódios e encadear vinganças, para o mesmo propósito, é rendilhado simples...
- Não é, Pança; mas é campo onde cavalgas sem rédea. 
- Sim, mas dizei-me, Alteza: o Senhor acompanha-me? E com quem posso contar para esta refrega?
- Estou fora dessas brigas… Deixo isso para os vassalos desavindos se guerrilharem. Vieram, também, convidar-me para tomar conta do partido…Rejeitei. Chega-me o poder que já tenho; e gosto de ver, de fora, essas guerrilhas menores.
- Compreendo, Alteza; mas sem o Senhor esta conquista fica mais difícil. Preciso que me arranje cavaleiros valorosos…
- Tens-te a ti, Pança; a condessa, agora liberta de ofícios; o trinca-ferros, sempre disponível por brigas pelo poder; o beato Ilídio, que quer aparecer para não ser esquecido; …
- Fraca tropa, Alteza! A macieza que o beato Ilídio tem a mais, tem o trinca-ferros a menos. Já não falando do mau agouro que o trinca-ferros transporta - quando entra nestas pendências, onde é preciso contar votos, geralmente perdemos…
- A quem o dizes... Mas deixa-te dessas lamúrias, Pança. Bastará aparafusardes a vossa coragem até ao ponto máximo, para que não falhemos.
- Eu dou sempre tudo pelo meu Amo; e tanto me atiro a eles de frente como a rebolar…
- Acredito; mas não te esqueças, Pança, para vencer a malícia, malícia maior tendes que ter – alertou o Príncipe.
- Ficai descansado…Sou escudeiro que aprendeu depressa, com Vossa Mercê, os artifícios da malícia.
- Faze bem esta incumbência, que tenho mais para ti – prometeu o Príncipe.
- Darei tudo…Mas Senhor meu, tende sempre mão em mim…
                                                                                            Miguel Saavedra 

2 comentários:

  1. O Nobre povo estava hoje em reunião com um Conde do Oeste, estariam a serrar algo de novo ? Ou a Ferrar alguma ?

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  2. Com tão viçosos produtores florestais, há esperança para a floresta pombalense.

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