10 de maio de 2018

Onde se dá conta da nova e mui valorosa empreitada do Pança

O Príncipe atazanou e atormentou tanto a Ana que esta afracou e abaixou. Vendo-se com a folclórica Feira da Floresta nas mãos e à porta, mandou de imediato chamar o Conde do Oeste. Mesmo sem contrato, ordenou-lhe que metesse rapidamente mãos à empreitada, que os papéis seriam tratados depois. O conde faz bem o cerimonial, mas não está - nunca foi- habituado a ritmos acelerados. Preocupado…; chamou o Pança.

- Pança? Vinde aqui…

- O que desejais, Alteza? – acudiu o Pança.
- Tenho uma mui valorosa empreitada para vós, onde podereis mostrar, mais uma vez, a vossa raça e desenvoltura: a Feira da Floresta – afirmou o Príncipe.
- Agradeço muito o obséquio, Alteza; mas vem a destempo: ando mui desacorçoado e mui atolado em afazeres, não aguento com mais carga… 
- Aguentas, Pança; sois escudeiro teso e de costas largas …- reforçou o Príncipe.
- Já o fui…, Alteza; mas agora sinto-me enfraquecido, e desagradecido. Acreditai-me, Alteza: mui gostaria de por mãos em tão prestigiante empreitada, mas faltam-me as forças e o ânimo – desabafou Pança com ar desolado.   
- Deixai-vos disso, Pança; e fazei das fraquezas forças…
- Por minha fé, senhor meu Amo; entendei-me: doí-me perceber que muito tenho dado e pouco tenho recebido das companhias em que tenho andado – afirmou o Pança, condoído.
- Pança, não sejais desagradecido: fiz-vos escudeiro famoso, e já prometi – e havei de cumpri-lo, se não me falhardes – fazer-vos cavaleiro – afirmou o Príncipe.
- Começo a ficar farto de promessas…Sou um moiro de trabalho, trabalho para muito Senhor, todos me dão ordens, é “Pança para aqui”, é “Pança para ali”,…, mas no final, é sempre a mesma coisa: um pontapé no rabo e vai dar uma volta! - desabafou o Pança.
- Não estou a perceber, Pança – retorquiu o Príncipe.
- Não estais, Alteza! Se mo permitirdes, explico. Como sabeis: fizeram-se escolhas no partido… Contava concorrer; não o fiz porque não tive apoios, nomeadamente de onde mais contava…
- Não me incomodes com pendências partidárias, Pança. Se vos sentíeis maltratado, deveis resolver a questão com o vosso irmão – ele é que é o cozinheiro desse cozinhado requentado – afirmou o Príncipe.
- Bem sei, Alteza, bem sei... Os nossos são sempre os primeiros a trair-nos. Já me desentendi com ele...Mas Vossa Mercê também me defraudou um pouco – se me tivésseis dado um pequeno empurrão, talvez hoje fosse eu o mandante – e o Senhor dormiria mais descansado…
- Sois mais necessário como escudeiro, Pança – retorquiu o Príncipe.
- Mas eu não quero ser escudeiro a vida toda…Escolheram o Manel. Dizei-me, Alteza: o que é que o Manel tem a mais do que eu? Trabalho não, e vitórias também não! Não é caso para uma pessoa se sentir desagradecido? E pior, Alteza: chutaram-me para um lugar decorativo…Há ingratidão maior? perguntou o Pança.
- A arte da política é muito ingrata, Pança. Devíeis sabê-lo; não vedes a ingratidão de sou alvo todos os dias? – replicou o Príncipe.
- Bem o sei, Alteza; e bem o sinto…!
- Tendes que ultrapassar essas mágoas, Pança; preciso que vos atireis à Feira da Floresta com ganas – afirmou o Príncipe.
- Não consigo, Alteza; vede bem: continuo atolado em afazeres: ainda não consegui desmontar o Festival das Favas (está tudo por aí espalhado); a governação do condado absorve-me muito tempo; aqui uma pessoa nunca tem descanso, ninguém me ajuda: a nova manceba já abaixou, o tira-retratos só faz aquilo - não consigo tocar tanto burro…
- Não vos reconhecei, Pança; já não quereis ser escudeiro? - perguntou o Príncipe.
- Quero, Alteza; mas entendei-me: não posso ser pau para toda a obra; a empreitada da Feira Florestal é responsabilidade do ministro Jota e do seu pajem...
- Já devíeis saber, Pança, que ministro Jota e o seu pajem só servem para as brincadeiras com a rapaziada…
- Sim, ainda estão moços… - anuiu o Pança
- A empreitada da Feira da Floresta é deveras importante, expõe-nos, tem que ser conduzida por vós, que sabeis fazer acontecer as coisas – decretou o Príncipe.
- Mas como é que eu me desdobro, Alteza!?
- Desdobras…Eu mando limpar os destroços do teu Festival das Favas; e tu atiras-te a esta empreitada com como cão a bofes; entendeis?
- Se for assim…- aquiesceu o Pança.
E lá saíram, Amo e escudeiro, felizes e contentes.
                                                                                                   Miguel Saavedra

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