25 de abril de 2009

O nascimento de um país no feminino

Segundo o eminente sociólogo Boaventura Sousa Santos "só comemoramos o futuro. O que, num dado momento, se comemora do passado é o que se elege para o futuro". Cabe-nos hoje comemorar os 35 anos da revolução de 25 de Abril de 1974.

As revoluções, todas as revoluções, contém em si elementos de ruptura e de continuidade. Hoje, ao comemorar a revolução, estamos principalmente a comemorar a ruptura entre a sociedade actual e aquela que existiu no passado. O discurso apologético da ruptura tende, muitas vezes, a esquecer as continuidades. No entanto, elas existem e a sua referência é cada vez mais usual na boca do cidadão comum. É muito frequente ouvir, nos dias que correm, em pessoas de todos os quadrantes políticos, um discurso que enfatiza as continuidades. Para a direita, o Salazar não era tão mau como o pintavam e a sociedade não era tão amorfa como se possa fazer querer. Para a esquerda, as pessoas que hoje exercem o poder são as mesmas "do antigamente" e, como tal, a sociedade actual é igualmente injusta e autoritária.

Um antigo deputado municipal do PSD do nosso concelho afirmou publicamente que "o 25 de Abril marcou o início da destruição de Portugal". Façamos então um flashback até ao seu glorioso Portugal de então. Quem não se lembrar e preferir uma visão poética da mesquinhez que era o nosso país em vésperas da revolução de Abril de 1974, convido-o a ler Alexandre O'Neill, poeta já referido neste blogue. Não é necessário, no entanto, convocar os poetas! A inexistência de luz eléctrica a 2 km de Pombal, por exemplo, era uma realidade bem mais prosaica. Os 300 alunos do ensino secundário em todo o concelho aliados à maior taxa de analfabetismo de todo o mundo civilizado contribuíram para que todos nós tenhamos uma deficientíssima relação com a cultura e com a educação. Cinquenta anos de um regime que encarou a cultura e a educação como meros instrumentos para servir o próprio regime, tiveram o condão de "deitar ao lixo" sucessivas gerações. Vivia-se num país de 10 mil habitantes e não num país de 10 milhões, como hoje se pretende! Quem acusa o actual sistema de ensino (e com muita razão, na maioria das vezes), não se pode esquecer desse pormenor. Hoje queremos educar 10 milhões; ontem só queríamos educar 10 mil. Provavelmente ainda estamos a aprender como é que se faz.

Mas uma das maiores conquistas de Abril foi a de alterar radicalmente o papel da mulher na sociedade. A ditadura apenas confiava às mulheres a função de ser “a ânfora maravilhosa onde a vida se renova”. Num artigo publicado no Eco em 2003, referi que, segundo o código civil de então, "a administração dos bens do casal, incluindo os próprios da mulher e os bens dotais, pertence ao marido, como chefe de família". O conceito de chefe de família faz hoje parte do passado e o papel subalterno da mulher é inaceitável para as novas gerações. Enquanto a ideologia salazarista tudo fazia para que a mulher sentisse a sua inferioridade como um privilégio, quase uma benção divina, os ideais democratas pugnam pela igualdade e pelo respeito mútuo.

Viva o 25 de Abril! Vivam todas as portuguesas! Um beijinho para a Paula Sofia :-)

10 comentários:

  1. Oh Adérito, desculpe lá? Então não é necessário convocar os poetas? Oh Adérito, todos e dias e por todos os motivos devemos convocar os Poetas. Olhe que a poesia é ciência. Os poetas vêem o que nós deviamos ver e não vemos, e vêem melhor o que nós vemos. Os bons poemas de bons poetas ficam para sempre e são sempre actuais(*). Os nossos textos, mesmo os muito bons com é este seu caso, são circunstânciais, não resistrão ao ao tempo, serão um testemunho concerteza, tem o seu valor e o seu tempo. Não serão como os poemas do O`Neil, de quem trouxe aqui um.
    (*)Porque o dia é de festa de homens e de mulheres, veja só estes pedacinhos:
    "(...)
    Se a meus seios o leite ainda viesse,
    Meu ventre ainda emprenhasse, ah como iria.
    Veloz, sem vacilar, render-me aos braços
    De um homem outra vez (...)"
    ----/----
    "A morte não é um bem
    Os próprios deuses o sabem
    Eles preferiram viver...

    Safo, 630-570 a.C.

    Não trata de ironia mas de amor e de vida. Foi escrito há mais de 2500 anos.

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  2. Amigo Aderito relembro tambem a mortalidade infatil que é dos maiores indicadores de civilizacao de um Pais e que antes de 74 encontavamo-nos junto dos Paises do terceiro Mundo.E hoje estamos nos melhores cinco.

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  3. Caro J.F.

    Claro que temos que convocar os poetas e, por maioria de razão, os excelentes poetas como é o caso do Alexandre O'Neil (e, já agora, da Safo). Apenas quis dizer que não era necessário procurar nas suas páginas as evidências da mesquinhez da nossa sociedade de há 35 anos.

    Mas, concordo consigo: as palavras dos poetas são eternas e, para lembrar o O'Neil, fica o "Estouvaca" dedicado a todos os que acham que estas coisas só acontecem às vacas...

    Deitada
    No meio da estrada
    A Malhada
    Vai ser atropelada
    Foi!

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  4. Jorge,

    Tens toda a razão. Mas, para quem lesse os jornais da altura, não havia mortalidade infantil nenhuma! O povo era saudável e feliz. Também não existia fome, nem crise, nem corrupção, nem violência doméstica, nem nada. Eramos um país de brandos costumes, um jardim à beira mar plantado.

    Grande abraço,

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  5. O Jorge Longo se tiveres o Leitão aí há mão, ele que emborque duas imperiais e que faça ele mesmo a figura do poeta e a metáfora de as beber por mim e. Juntamente com que todos, nelas pousaremos as nossas mãos e faremos juras fraternas de que esta hora será eterna.
    J.F.

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  6. Correição e acrescento de pois de falar com Faustino

    Oh Jorge Longo, se tiveres o Leitão aí há mão, ele que emborque duas imperiais e que faça ele mesmo a figura do poeta e a metáfora de as beber por mim. Juntamente com que todos, nelas pousaremos as nossas mãos e faremos juras fraternas de que esta hora será eterna.

    25 de Abril Sempre e para sempre.

    J.F.

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  7. Aí aquele "que". Que faz ele ali, aquele "que"?
    Edite ? Não! Maria de Lourdes Modesto, que essa bem cozinhava!

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  8. O texto está muito bom e representa perfeitamente o espírito de Abril. Pena que nem tudo tenha mudado, e as mulheres que o digam... Mas com o tempo tudo há-de ir mudando e um dia poderemos falar em igualdade.

    Parabéns pelo texto...

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  9. Dr. Jorge Ferreira, boa tarde.
    Com um atrazo inaudito e imperdoável, (não tenho tido tempo disponível) também gostaria de participar nessa tertúlia, com o Adelino Leitão, o Jorge Longo, o Vinhas, a declamar José Régio ou Nicolau Tolentino de Almeida, ou mesmo o seu vizinho e saudoso António Aleixo, acompanhada de boa cerveja, no Paulo, de preferência.
    Haveremos de...

    De cabeça:

    Vós que lá do vosso império
    Prometeis um mundo novo,
    Cuidai-vos que pode o povo
    Querer um mundo novo, a sério.

    Abraço.

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