12 de fevereiro de 2019

Descentralização, uma não-reforma

A descentralização em curso foi desenhada para ser ao gosto de cada um, como convém a quem gosta de mexer nas coisas para que tudo fique na mesma. É uma “não-reforma”: não acrescenta nada de relevante, entretém; não é a reestruturação de que o país necessita; nem agradará à maioria das autarquias – para umas é uma mão cheia de nada, para outras é uma mão de problemas. No final, a esmagadora maioria acabará por aceitá-la, com mais ou menos dificuldade, porque acrescentará mais uns euros aos orçamentos municipais e adocicará a partidarite com mais uns tachos para distribuir. Pelo meio, anuncia-se a próxima reforma: regionalização. Coitado do doente.
O processo de descentralização do Estado para as autarquias não tem obedecido a uma estratégia, a um plano, ou uma lógica sequer, que permita dotar o país de um modelo administrativo coerente, consistente e adequado à sua realidade socioeconómica. Cada governo faz as suas experiências, ao sabor de impulsos supostamente reformadores que têm resultado em mais entidades, mais assimetrias, mais entropia.
Portugal consolidou o seu território no final da reconquista e, logo de seguida, D. Dinis desenvolveu um modelo de administração assente no municipalismo, que se manteve até aos nossos dias. O municipalismo faz parte do código genético do país; logo, deve ser aprofundado e adaptado à realidade socioeconómica. Não faz sentido existirem freguesias com mais de 25.000 habitantes e concelhos com menos de 2.500. Logo, indispensável é a reformulação do mapa de concelhos de forma a dar massa crítica ao municipalismo dotando-os de capacidade para proporcionar condições de vida idênticas, nomeadamente ao nível dos serviços do Estado, mas nisto ninguém quer mexer; mexe-se no resto e estraga-se o que está enraizado e funciona.
O país não tem nenhuma tradição ou cultura regionalista - nem os distritos vingaram - e as nossas regiões sempre foram unicamente similaridades geográficas, nunca tiveram identidade ou autonomia política.
A estrutura administrativa do país não pode estar sempre em reformas e nunca reformada. Por isso comungo de Pessoa quando diz: “Se alguma coisa odeio, é um reformador. Um reformador é um homem que vê os males superficiais do mundo e se propõe curá-los agravando os fundamentais”. É o que se tem passado com as reformas da estrutura administrativa do país desde a Revolução Liberal – pelo menos!

2 comentários:

  1. No referendo sobre a regionalização pertencia á maioria que VOTOU NÃO, simplesmente porque o mapa foi riscado sem um critério bem defendido. Portugal é tão pequeno que no continente bastavam 7 regiões: Nordeste (Vila Real, Bragança, Guarda); Região Metropolitana do Porto (Braga, Viana e Porto); Centro (Aveiro, Coimbra, Leiria, Castelo Branco); Região Metropolitana de Lisboa ( Santarém, Lisboa); Alentejo(Setúbal, Portalegre, Évora, Beja) Algarve (Faro)

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  2. É bem verdade que a descentralização corresponde mais a uma mão cheia de problemas para as autarquias do que vantagens.

    Transmitem-se as obrigações para organismos impreparados e invariavelmente subfinanciadas. Logo, os problemas de concretizar as obrigações estão bem de ver.

    Numa altura em que se concentram meios por questões de rendibilidade ainda se insiste, por questões políticas, na criação de outras excedentárias, que logo se anteveem assim mas que o politicamente correto recomenda.

    Mais tarde paga-se com língua de palmo porque as coisas excedentárias não perdoam os seus efeitos.

    Exemplos: Concentram-se centros de saúde em USF, concentram-se bancos, concentram-se CTT, mas criam-se lojas de cidadão em todas as freguesias. Estas últimas pela exigência de preparação dos funcionários e equipamentos ficam demasiado caras e, pela garantida diminuta procura, demasiado ineficientes, contudo criam-se, talvez na lógica do engrandecimento autárquico.

    Não há regras nem ciência exata para a descentralização do estado, logo tudo tem de ser feito por tentativa dos que no momento mandam e correção de alguns erros pelos que vêm depois.

    Infelizmente erra-se mais do que se acerta e a sociedade paga por isso evoluindo mais lentamente.

    Podemos ir sempre comentando que ao se fazer algo nunca está bem feito, nem foi bem pensado. Porém, quem faz arrisca e tenta, mas se, por outro, lado ficarmos sempre aguardando pela solução certeira quedar-nos-emos no imobilismo ou seja, não evoluiremos.

    Eu tenho muitos receios de certas descentralizações porque sinto sempre o processo como o estado empurrando as obrigações para as autarquias que, por lei, as têm de aceitar; Mas que de qualquer forma estão sempre dispostas a aceitar porque isso corresponde a uma afirmação do poder local. As verbas transferidas são sempre inferiores às necessidades, podendo ainda ser cativadas.

    Repare-se como o estado central lavou as mãos das consequências da derrocada da estrada em Borba, dizendo que era camarária; Alguma Câmara está preparada para assumir uma calamidade daquelas? Ou responsabilizar o Pres da Camara de Pedrogão Grande pelos fogos de Outubro de 2017 porque não tinha completado a limpeza das faixas de combustível? Como não ter receio da descentralização?
    Concordo que as dimensões das freguesias e dos concelhos, para serem eficientes devem obedecer a certos parâmetros mínimos de área e população para serem eficientes e também concordo que muitos os não têm e que ninguém faz nada para o alterar. Lá virá o dia em que as realidades incontornáveis obrigarão a reformas mais profundas que de qualquer forma envolverão sempre grande contestação social.

    A terminar deixo aqui um exemplo significativo dos receios autárquicos: Pela transferência de competências o mobiliário urbano fica a cargo das Juntas de freguesia. Sabem que por exemplo uma só paragem de camionete urbana, com teto banco e vidros custa mais de 10.000€? Eu não sei que verbas serão transferidas para as Juntas mas de certeza que serão insuficientes para a maior parte dos encargos que passarão a estar sujeitas.

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