Sexta-feira o meu irmão foi buscar a minha mãe ao Centro do
Dia e levou-a a visitar a sua antiga residência. Sábado de manhã, depois de ter
passado mais uma noite na minha casa, veio buscá-la para almoçarem na casa dela
e passarem lá a tarde. O meu irmão detetou-lhe alguma prostração e arrastamento
de voz, mas almoçou pela própria mão.
Porque a minha mãe tinha uma saúde frágil devido à idade
(próxima dos 80 anos) e às sequelas de uma hemorragia cerebral ocorrida em 1990
inspirava alguma preocupação. Ao meio da tarde de Sábado o meu irmão decidiu
levá-la à urgência do HDP.
Na triagem, após uma primeira observação, constataram que a
minha mãe apresentava um ritmo cardíaco muito baixo (45 bpm). Censuraram o
comportamento dos familiares por a transportarem de carro e cadeira de rodas,
em vez de a levarem numa ambulância. A minha mãe ficou nas urgências para
observação.
No domingo de manhã, o meu irmão ligou-me e pediu-me para me
preparar para a receber. Tinham-lhe dado alta, apesar de, na opinião dele,
estar muito pior do que quando entrou. Disse-lhe para aguardar até eu chegar ao
hospital.
Na urgência pedi para ver a minha mãe e falar com o médico
que a estava a seguir. Vi a minha mãe inconsciente - não me reconheceu - e sem
fala. Inquiri o médico sobre o estado dela e sobre a alta médica. Disse-me que ela
tinha vários problemas que eu já deveria conhecer (AVC, Alzheimer, …) mas que,
para além disso, não tinha nada de preocupante. Tinha unicamente uma pequena
infeção pulmonar e uma pequena infeção urinária que passava com um antibiótico
que lhe tinha prescrito e que dava para os dois pequenos problemas, logo,
tinha-lhe dado alta. Disse-lhe que não compreendia a alta porque a minha mãe estava
muito pior do que quando entrou, e, em menos de 24 horas, o estado tinha-se
agravado fortemente. Reagiu com alguma agressividade e reafirmou que ela tinha
alta porque não tinha nada de grave, estava um bocado desorientada mas isso não
me deveria surpreender porque, como eu deveria saber, ela tinha Alzheimer.
Nisto, entra no gabinete um enfermeiro, intromete-se na conversa, corroborando
a tese do médico e defendendo que o melhor para a minha mãe era a alta.
Discordei da tese que atribuía a inconsciência da minha mãe a Alzheimer, porque,
ainda há pouco tempo, a minha mãe tinha realizado um TAC para diagnosticar
demência que não tinha revelado degeneração significativa. Perante a
intransigência do médico e do enfermeiro relativamente à alta médica, pedi-lhes
que, pelo menos, e porque era Domingo, me concedessem algum tempo (umas
horas/um dia) para encontrar uma solução para a minha mãe. Reagiram com
inflexibilidade: - a sua mãe tem alta e tem que sair, não vê que temos isto
tudo cheio? (Sim, a urgência estava a abarrotar). O enfermeiro, para além da
inflexibilidade e agressividade, recorreu à chantagem mais ignóbil. Disse-me e
reafirmou que a minha mãe a partir daquele momento não receberia qualquer
medicação porque tinha tido alta e perguntou-me se eu estava preparado para
assumir a responsabilidade disso. Chocou-me! Disse-lhe que nunca imaginaria ouvir
aquilo de um profissional do SNS e preferia não lhe responder. Tenho,
infelizmente, recorrido muito ao SNS,
nomeadamente com a minha mãe. Os meus amigos sabem bem que tenho/tinha uma
excelente imagem do SNS. Este caso abalou-a.
Perante a inflexibilidade daqueles profissionais pedi, na
receção, para falar com o Diretor Clinico do Hospital (disseram-me que não
estava) ou com alguém que mandasse no hospital. Passados alguns minutos
colocaram-me em contato com uma jovem médica que, por acaso, seguia a minha mãe
nas consultas externas. Pediu-me desculpa pelo sucedido e disse-me para ir
almoçar com calma e voltasse mais tarde, que ela, entretanto, iria reavaliar a
situação.
Voltei ao fim da tarde. A jovem médica recebeu-me e disse-me
que já tinha reavaliado a situação e que a minha mãe estava com problemas
cardiorrespiratórios e uma infeção urinária. Para além disso iria pedir um TAC
para perceber se tinha feito AVC.
No Domingo há noite a minha mãe seguiu para Leiria para
fazer TAC e regressou segunda-feira ao início da manhã.
Segunda-feira, ao início da tarde, falei com a médica na
urgência. Disse-me que o TAC não revelou novas lesões cerebrais mas a minha mãe
tinha uma grave infeção pulmonar pelo que iria ficar no SO.
Na terça, quarta e quinta-feira fui vendo a minha mãe,
sempre inconsciente, na luta contra a morte. Os diferentes médicos descreveram-me
sempre um quadro clínico grave, de prognóstico reservado, com falha de vários
órgãos (pulmões, rins, coração).
Ontem, quinta-feira ao fim do dia, uma senhora do hospital
ligou-me e, depois de uma breve introdução, disse-me: a senhora Joaquina
morreu.
Não sei se ouve erros significativos de avaliação e decisão.
Não culpo ninguém pela morte da minha mãe. Sei sim, que não se comunica desta
forma com os doentes e os seus familiares.
PS1: Nunca imaginei escrever este post. Não gosto da temática,
do estilo e muito menos do conteúdo. Mas ontem à noite encontrei, por acaso, o
tal enfermeiro na urgência. Perguntei-lhe se se recordava do episódio de
domingo comigo. Disse-me que sim. Perguntei-lhe então se já tinha feito uma análise
crítica ao sucedido. Disse-me que sim, falou, falou, justificou-se,
justificou-se, …, com a baixa médica. No final perguntei-lhe se achava que em
algum momento tinha errado. Disse-me, na presença do segurança, que não. Cumprimentei-o
e vi-me embora ainda mais desalentado. Escrevo isto para mostrar como está a
funcionar a urgência do nosso hospital.
PS2: Agradeço, em nome da minha mãe, ao Dr. João (o das
barbas) o seguimento que fez da minha mãe nos últimos anos. Talvez não lhe
tenha prolongado a vida, mas melhorou-lhe a qualidade de vida. Obrigado.
PS3: A vida nos últimos tempos não me tem corrido nada bem.
Agora passei a ser o último da fila. É altura de repensar tudo. E suspender,
por uns tempos, a participação ativa neste espaço.
Bom dia
ResponderEliminarCaro amigo: os meus pêsames, tenho a certeza que vai superar esta perda!
Há certos profissionais de saúde, não todos, que deviam sofrer aquilo que alguns utentes sofrem quando recorrem ao SNS, só assim podiam avaliar melhor e errar menos.
Eu também já tive lá os meus problemas neste hospital, com familiares e até pessoais
.
Um dia recorri às urgências, tinha instruções para o fazer se apresentasse determinados sintomas. O Sr. Dr. disse: você está com bom aspecto, não têm nada, retorqui: o que eu sinto é o que conta Sr. doutor veja-me a tensão se faz favor! já lhe disse não têm nada, as urgências não são para medir tensões, não precisa!
Saí das urgências e encontrei um enfermeiro que estava a sair de serviço, cumprimentou-me, e contei-lhe o sucedido e de imediato convidou-me a ir a casa dele que me via a tensão!
Confirmadas as suspeitas, tensão e pulsações descontroladas, falei com um meu familiar que de imediato me levou para o Hospital de Santo António no Porto, conforme instruções, onde fiquei 8 dias internado.
Abraço e força.
ResponderEliminarCaro Amigo Malho, os meus pêsames. Um ABRAÇO
ResponderEliminarAdelino,
ResponderEliminarLi o teu post rapidamente e liguei-te de seguida. Voltei agora a lê-lo com mais cuidado e fiquei chocado. O que relatas merece ser denunciado. A crise, as restrições financeiras, não podem justificar comportamentos negligentes e tamanha insensibilidade.
Estamos a criar uma sociedade que valoriza o sucesso individual e que despreza os doentes, os fracos, os velhos. Todos temos que ser bonitos, altos, bem-falantes, com sentido de humor, sob pena de sermos marginalizados nas redes sociais, no emprego. Quando essa marginalização chega ao acesso à saúde é sinal que nos tornámos uma sociedade indigna.
Grande amigo: os meus mais sentidos pêsames.
Abraço,
Adérito
Era nesse ponto que eu tocava esta tarde, em conversa com o Malho: pobres dos que não têm quem interceda por eles. "Pode haver quem te defenda/quem compre o teu chão sagrado/mas a tua vida não".
EliminarAté amanhã, camaradas*
É grave sim. Eu própria passei por algo semelhante com a minha avó. Tinha 82 anos. Fiz queixa no livro amarelo, pouco antes de morrer, por ela, mas principalmente por aqueles que não têm ninguém que os defenda. Vi coisas chocantes, no que eu chamo "o corredor da morte" (serviço de medicina)...nunca vou esquecer o que vi...aqueles olhares, á espera...de morrer.
EliminarEu só exigi que a minha avó morresse dignamente! Só. Porque eu não podia fazer mais nada por ela.
Tenho a minha consciência tranquila, porque não me calei! Denunciei, argumentei, exigi e falei com quem de direito! fui criticada por alguns familiares, porque receavam represálias por parte dos profissionais de saúde. Discordei. Conheci profissionais fantásticos. Mas também conheci do pior...
Não me calei, e hoje, mais do que nunca haverá muitos "velhos", que precisa quem os defenda.
Coragem Malho!
Marlene
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarTodos nós conhecemos casos de negligência profissional, cujos efeitos, na medicina, são muitas vezes a perda da vida.
ResponderEliminarRecordo-me de um caso passado há alguns anos, há mais de 10, com uma senhora “da aldeia” que foi às urgências do mesmo hospital com fortes dores de cabeça. Foi recambiada para casa com comprimidos para a dor de cabeça. Voltou mais duas vezes ao hospital, numa delas o médico disse-lhe: “a senhora tem mas é manha”. Finalmente, ao fim de uma semana foi reencaminhada para os hospitais de Coimbra, onde morreu pouco depois devido a aneurisma cerebral. Feita a investigação pelo Ministério da Saúde, concluiu-se, mediante "parecer médico”, que ao médico que observou a senhora não era exigível poder diagnosticar o aneurisma. A família ainda anda por aí…
Parece-me que alguns médicos, com base em experiências de casos passados, por vezes não acreditam quando se diz que “aí vem lobo”, embora o lobo venha. Outras vezes, por especificidades das suas próprias personalidades e vocações não sentem a dores e preocupações alheias.
Atribuir as causas dos erros por negligência médica à “crise” ou às “restrições financeiras”, parece-me uma atitude desonesta, malévola e oportunista.
Um forte abraço, Adelino.
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