23 de maio de 2019

Onde se dá conta da mui importante viagem do Príncipe e da ascensão do Pança

Há muito que Sua Alteza se vem afastando das miudezas do reino - se alguma vez esteve verdadeiramente focado nele -, mas nos últimos tempos tem abusado em demasia no desapreço aos seus vassalos e ao povo: não aparece, não avisa nem envia subalterno.
Valha-nos, em contrapartida, o apego do seu fiel escudeiro: um moiro de trabalho que se desdobra pelo reino e pelo seu condado, e ainda dá uma mão pelo glorioso.
Sua Alteza está numa fase em que prefere o bom passadio ao exercício do poder. Partiu para terras gaulesas e reinos Balcãs, agora acompanhado pela Senhoríssima Primeira-dama - mui distinta, cordata e discreta senhora, de trato mui cortês e carácter mui assisado. Esteve bem, agora, Sua Alteza, no respeito pelo protocolo monarquista, fazendo-se acompanhar pela Senhoríssima Primeira-dama e não pela viçosa marquesa.
Fez bem, também, em delegar no Pança a governação do reino; que, dotado de astúcia plebeia e já entendido nas artes da governação, é mais confiável que os seus subalternos.
No primeiro dia, o Pança manteve-se no seu posto; mas depois da saída dos servidores do reino testou o trono; quis sentir se tinha rabo para aquela cadeira, antes de nela se instalar.
Ali sentado, com grandessíssimo contentamento, dizia ele entre si, que via agora, antes do tempo, e contra a lei das suposições razoáveis, os seus desejos premiados: estar ali sentado, acima de todos os servidores do reino: artífices e amanuenses, gentis-homens e nobres, oficiais e ministros, condessas e marquesas. Estava inchado como uma rã ao sol, capaz de rebentar pelas costuras; alargou o laço da gravata e desapertou o cinto; relaxou um pouco, antes de se empertigar novamente para dar graças ao céu; a Deus-Nosso-Senhor; à N.ª Senhora do Cardal, que suavemente sabe dispor as coisas; à grandeza que em si encerra a profissão de fiel escudeiro, que com tanto denodo e galhardia tem sabido praticar; ao seu Amo, que não é tão desagradecido como o pintam, seus ingratos e cavalgaduras preguiçosas e maldizentes. Apetecia-lhe berrar tão alto que todos ouvissem, “se trabalhásseis como o Pança seríeis reconhecidos, que ele nem tem por trabalho o que faz, antes por vida mui regalada, o andar distribuindo reprimendas e açoites por um e por outra, que o rebanho não se ajunta nem se conduz sem uma verdascada aqui e outra acolá”. Mas veio-lhe à cabeça cisma acertado, que o aconselhava a mostrar sossegada compostura, e a só responder a desaforos, de um ou outro bacharel ou amanuense que lhe tem osga, se o desafiassem. O dia fechava-se; apertou o cinto, ajustou o casaco e foi-se…
No dia seguinte, entrou no Convento de Santo António com o sorriso largo que o caracteriza, cumprimentou todos com boas-maneiras, dirigiu-se ao trono e sentou-se; irradiava felicidade; distraiu-se até a ouvir o chilrear dos pardais nas varandas do convento, mas logo se lhe despertou na cabeça a estúpida boa vontade do fazer mas não sabia o que fazer. Conteve-se! Já sabe por experiência própria que os bons comedimentos evitam desmandar-se.
A meio da manhã, sentiu que era tempo de iniciar funções. Fê-lo pelo início, como mandam as regras da boa governação, e como bem tinha aprendido com Amo mui douto. Mandou chamar os ministros e entregou: o despacho da papelada - que ele não gosta de ler e sabe que é arriscado assinar sem ler - e a representação na cerimónia de condecoração do coveiro-mor, pelo bombeiral, ao ministro das obras-tortas; a pasta das relações públicas à marquesa e à educadora-mor; a representação no 90.º aniversário da associação do jogo-do-pontapé-na-bola ao ministro jota, à qual faltou; repreendeu-o mas evitou dar-lhe castigo maior, já que o rapaz está fragilizado demais e o último empurrão deve ser dado por Sua Alteza; não por ele, que depois disto, não está para voltar para trás...
                                                                                      Miguel Saavedra

1 comentário:

  1. D. Diogo está farto de Pombal, ja se percebeu isso desde o inicio do 2º Mandato e só voltará a ser candidato á cadeira do convento do Cardal se não conseguir outro trono lá fora. Ele não dá ponto-sem-nó. O curso que anda a fazer, de elevado grau de importância já terá um lugar prometido. Se até ontem eu tinha quase a certeza que o Pedro Pimpão seria o próximo candidato laranja. Depois de uma conversa que tive com alguém com muita influencia no partido no concelho e distrito já começo a duvidar, visto que o Pedro está bem lançado para ir em SEGUNDO LUGAR NA LISTA DAS LEGISLATIVAS 2019. Pode ser simplesmente BLUF, mas que é possível até é. João Pimpão nunca será candidato ao trono do Cardal, é bom rapaz mas não tem perfil de Mayor. Será esta a vez de João Coucelo ?

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