23 de novembro de 2021

O monumento do soldado conhecido


Quando o meu pai tinha a idade do meu filho, cruzava os rios de Angola numa guerra que não era dele. Que não escolheu, que nunca quis, mas como não era livre de escolher, foi lá parar. Ainda assim, teve sorte. Calhou-lhe a Marinha, a parte menos má. Lá em casa dos meus pais os álbuns são feitos de recordações boas desse tempo: o meu pai a sorrir, sempre, ao lado de um amigo da terra, dos amigos que fez a bordo da fragata, dos nativos que posavam para a foto sem expressão, ao lado de um exército que lhes ocupava a terra deles.

Depois há apenas  uma foto do meu tio Germano, de que já aqui falei. Não teve a mesma sorte. Foi parar à Guiné. E de lá nunca regressou, verdadeiramente. Muitos voltaram numa caixa de chumbo. Outros, como ele, em frangalhos. Nunca saberemos o que pensaria da estátua mal-amanhada que a Junta do Louriçal plantou agora na vila, adornada com uma frase: "que a memória não se apague". Como se alguma vez ela se pudesse apagar. Como se fosse possível apagar o dia em que a GNR irrompeu pela Moita do Boi com um batalhão de guardas e cães à procura do meu tio, feito agente da autoridade depois da guerra, em permanente luta com os seus fantasmas, que afogou no fundo de um poço no quintal da minha avó. Andámos dias à procura dele, sem sabermos que era impossível encontrar quem nunca voltara. O rapaz bonito que partiu para a guerra não era o mesmo. Como ele, tantos outros. A Liga dos Combatentes sabe disso muito bem. Muitos psiquiatras também. 

Eu percebo que o presidente da Junta do Louriçal tenha uma certa obsessão em dar continuidade ao plano traçado por Diogo Mateus, de que era o maior discípulo, e por isso tenha planeado uma cerimónia próxima do 25 de Novembro (que este ano ameaça ser menos vigoroso, até que enfim). Mas se quer fazer alguma coisa pelos ex-combatentes, comece por dentro. Por perceber como é que estão estes homens e as famílias deles. Saberá que há ainda feridas abertas que tentam sarar com ansiolíticos e outros solutos? E fazer um protocolo com a Liga? Ou levar um Núcleo para o Louriçal? A não ser que... isto que isto da estátua seja uma ideia peregrina do presidente da Assembleia de Freguesia, Célio Dias, experiente numa guerra que nos tem ceifado muitas vidas, como atesta o cemitério do Louriçal: os acidentes rodoviários. Foi ele, de resto, que veio ao facebook fazer a defesa da estatueta, com toda a autoridade - diga-se. Afinal, ele não é só presidente da Assembleia, nem um louriçalense que gosta muito da terra para ir ao domingo e para reunir. É também um ilustre membro do Conselho Municipal de Segurança, acabado de designar pela Assembleia Municipal. Célio não gostou das críticas que surgiram à volta de tão nobre soldado de pedra, feito à dimensão do biscoito que marca estes mandatos da Junta. E retorquiu. É justo. Eu acho que a coisa merecia um livro. É só uma ideia...

4 comentários:

  1. Tudo tão Estado Novo, Paula Sofia Luz. Sim tens razão sobre o mentor, só podia. Neste Pombal em que existe um grupo excursionista ao Vimieiro todos os anos, nada disto é anormal. Espero que o Presidente da Camara não entre na onda do 25 de Novembro...O cheiro a naftalina impera e não traz felicidade. 25 de Abril...Sempre.

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  2. Pedir apoios para os ex-combatentes com problemas, acho muito bem. E não vejo mal nos monumentos de homenagem aos que não escolheram e não queriam ir para a guerra, como eu também fui - para a Guiné. Sei que há quem queira apagar a História em nome de ismos que não fazem nenhum sentido. Pelo menos para mim.

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  3. Paula, parabéns pelo artigo que está muito límpido na mensagem que quer transmitir e na homenagem que faz ao seu pai em Angola e ao seu tio Germano cujos traumatismos de guerra ditaram o seu fim. Mas como é obvio é a sua visão do assunto e outras também devem ser apresentadas para que não fique a ideia dos bons de um lado e dos maus de outro, e do já mais que gasto argumento do 25 de novembro e dos vetustos valores dos mais velhos que estão fora de moda e insistem em nos fazer viver uma verdade que não gostamos. Só para que fique claro, as guerras sempre sacrificam os homens, e o seu malogrado tio teria tido os mesmos efeitos em qualquer guerra que tivesse sido obrigado a ir combater. O ser a guerra de áfrica em nada potenciou a sua desventura.
    Eu, em menino, vivi 3 anos na Província Ultramarina de Angola, 1966-1969, e lidei com a realidade de lá que não é exatamente a que a narrativa esquerdista e romântica gosta de usar.
    Hoje podemos discutir se o colonialismo português era justo ou injusto, podemos tentar julgar a história, como poderemos fazê-lo com a inquisição, com as cruzadas, ou até mesmo com a fundação de Portugal. Ainda hoje há muita gente que acha que seriamos todos mais felizes se fossemos todos espanhóis.
    Ora, falamos nas consequências da ocupação dos territórios africanos para os nossos soldados e para os seus povos oprimidos, mas não falamos do que aconteceu a todos os que lá ficaram depois da independência, muitos deles a suspirarem pela vida organizada e segura que tinham debaixo da organização portuguesa, versus a insegurança e terror que muitos deles tiveram que passar depois. E quando é que os povos desses territórios tiveram oportunidade de se pronunciar? E quantos morreram nas guerras civis que se sucederam? Muitos mais que de 62 a 75, aí 3 ou 4 vezes mais.
    E a Guiné Bissau que ainda hoje é um país inviável onde tudo falta e o sofrimento humano é enorme?
    E Cabo Verde, e S. Tomé e Príncipe, onde estariam hoje se tivessem continuado ligados a Portugal, como os Açores e a Madeira? Garantidamente muito mais desenvolvidos e as suas populações com os apoios sociais que por cá existem e por lá também não...
    E depois aquela autoflagelação dos tempos modernos onde os bem-pensantes ocidentais atuais condenam o Ocidente por muito do que os antigos fizeram ou tiveram de viver mas acham muito bem que as hordas de imigrantes desesperados venham para a nossa terra (não esquecer que muitos invocam que nós ocupámos a terra deles, e se há terra deles também certamente haverá terra nossa!), incutir muitas vezes costumes por nós há muito ultrapassados e intolerados, e aí sim já ninguém ocupa nada nem perturba nada porque cabe-nos a nós integrá-los o melhor possível. Penso que sim, que se devem acolher os imigrantes mas com regras e cuidados para que amanhã por causa da nossa tolerância incauta não virmos a ser perseguidos pela intolerância de muitos deles.
    É tempo de ultrapassarmos as ideologias fraturantes, de paramos de nos acusarmos mutuamente por dá cá aquela palha, por criticarmos homenagens e honras póstumas a quem as mereceu e sim também lembrar que não há que honrar só os mortos, há também que cuidar dos ainda vivos e com toda a atenção. Mas uma coisa não impede a outra.
    E não, não sou colonialista, nem saudosista nem retrogrado nem fascista, sou só realista e gosto bem mais de pensar no que poderia ter sido a vida de muitos se outro futuro tivesse ocorrido, e julgo que devemos fazer o melhor pelo bem de todos agora, em vez de criticar as iniciativas ocorridas como se isso impedisse aquilo que gostaríamos de ver feito.
    Começou-se pela evocação dos combatentes e bem, agora é só continuar com o resto!

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  4. Boa noite
    Exos Srs que falam de pessoas que mal conhecem , mas falam e muitas vezes dizem coisas que mais parecem escritas por extraterrestres , pois como diz o povo - nem sabem o que dizem , nem dizem o que sabem . Vamos ao mais concreto como falar de alguem que conhece cenarios de guerra alem fronteiras bem como como tragedias e desatres no nosso querido Portugal, sim o nosso querido Portugal , pois Amo a nossa bandeira .Falar de alguem que quando foi necessario dar sangue direto das suas veias em transfusao de sangue direta para um automobilista acidentado a bordo de um helicopetero do inem ELE estava LA e deu , salvou mais um. Quando teve que abedicar de estar com a familia Abdicou para servir Portugal nas nossas estradas de dia e noite , todos os outros criticam mas na epoca estavam a dormir . Todos nos sentiamos mais seguros com ele de serviço . Quando sinalizava acidentes no ip3 debaixo de temporais sem capa nem proteçao , ELE estava la . Quando em antigas nossas queridas colonias salvou indigenas e populaçoes , ELE estava la. Afinal aonde e que ELE nao estava ???? . Nao estava com a familia com a filha , com a esposa , com os amigos . Srs este homem que Vas. Exas: falam sera sempre um grande Homem , hoje no louriçal e em Pombal amanha no mundo , pois nao sera por acaso que foi Guarda da europa em 92 e o Guarda com mais medalhas e louvores e com licenciatura e mestrado com destinçao . Quanto as nossas queridas Colonias eram nossas e viviam la muitos Portugueses , de sucesso la e começaram aqui outra vez e fizeram sucesso. Muitas vezes falam e nunca la estiveram nem conhecem e nem eram nascidos , mas falam .Somos um grande Povo demos mundo ao mundo . VIVA PORTUGAL E TODOS AQUELES QUE ESTAM NAS LINHAS DA FRENTE. A historia nos se faz de meninos de coro nem de secretaria e comediantes

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