O segundo debate do ciclo "Um café e uma Farpa", que decorreu na sexta à noite, no Hotel Cardal, chamou à discussão uma plateia bem diferente daquela que tinha estado presente no primeiro encontro, em Setembro, sobre a Reforma administrativa. Voltou a confirmar-se a ideia de como renasce em Pombal a necessidade de debater ideias e coisas, e foi interessante contar com os contributos de jornalistas que há muito se afastaram do palco mediático. (As fotos estão na nossa página do Facebook).
"Imprensa de Pombal: morreu ou mataram-na" foi o mote para quase duas horas de discussão, na sequência das intervenções dos jornalistas Paula Sofia Luz e Alfredo A. Faustino, que aqui transcrevemos. Um agradecimento especial para o Carlos Camponez, professor de jornalismo na Universidade de Coimbra, que tem dedicado grande atenção às questões da imprensa regional, onde trabalhou, e cujas ideias partilhou no debate promovido por este blogue.
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Obviamente, mataram-na
Paula Sofia Luz
Pombal é tão peculiar que para contar esta história é melhor começarmos pelo fim:
O fim aconteceu oficialmente em Outubro deste ano, quando o último jornal em papel que restava, O Correio de Pombal, saiu pela última vez.
É discutível (em minha opinião) se ainda estava vivo. Faltavam-lhe há muito traços de jornal local, não raras vezes o que a edição continha em matéria noticiosa estava longe de corresponder ao que era a realidade da terra, o quotidiano do concelho. Faltavam-lhe entrevistas, reportagens, notícias de uma maneira geral.
Em compensação sobravam-lhe anúncios cujo princípio de publicação contraria, em tudo, o que deve ser a linha editorial de um jornal local, aquele que chega às escolas, que devia incutir nos mais novos a ideia generalizada de informar, mas também de formar, pois é essa a dupla missão da imprensa.
Mas a morte do Correio de Pombal - e do Eco (que dirigi durante quase nove anos) e do próprio Voz do Arunca não resulta apenas dos erros de gestão nem da sucessiva desprofissionalização do corpo redactorial, comercial e administrativo. Resulta também de um ADN próprio de Pombal, em que o poder político lida mal, muito mal, com a crítica, o tecido económico desvaloriza a importância dos media, os serviços raramente pagam assinaturas e os leitores, numa larga escala, optam por ler o jornal à mesa do café, sem o comprarem.
E enquanto assim for, dificilmente algum projecto poderá sobreviver sem ceder a pressões (sejam elas políticas ou económicas), sucumbindo aos cortes da publicidade, que é a principal fonte de receita em qualquer jornal.
A este cocktail explosivo junta-se o factor proximidade, valor maior da imprensa regional, mas que é quase sempre um presente envenenado para quem ganha o pão através dos jornais ou das rádios locais.
E aí é o jornalista que faz de equilibrista na corda: se não és por mim, és contra mim. Então a forma mais fácil de acabar com a mensagem é matar o mensageiro. Pombal tem diversas histórias dessas para contar e algumas ainda por contar.
Tem registo de humilhações públicas, para não falar dos processos em tribunal, que estavam na moda entre 2001 e 2005, sobretudo. E reconheço que talvez seja mais fácil viver de pancadinhas nas costas do que de olhares severos ou climas adversos.
Mas sendo Pombal apenas uma árvore da floresta, é preciso olharmos para o todo nacional: num país em que para abrir uma farmácia o responsável tem de ser farmacêutico, para abrir um infantário tem de ser educador de infância, mas para abrir um jornal qualquer um pode fazê-lo, não seria de esperar que o resultado fosse outro.
Por tudo isto, quando me perguntam o que aconteceu afinal à imprensa de Pombal, só me ocorre dizer que obviamente, mataram-na.
*Foi jornalista na Rádio Clube de Pombal e n'O Correio de Pombal e dirigiu o jornal O Eco, em Pombal; foi jornalista e editora no jornal Região de Leiria; colaborou com os jornais "i" e Diário de Notícias. É actualmente jornalista freelancer.
A imprensa morreu
Alfredo A. Faustino
Pombal não passa de uma aldeia
com pretensões a grande cidade. Com o desenvolvimento verificado nas décadas de
60, 70 e 80, passando de vila a cidade, perdeu as qualidades dos pequenos
povoados e não conquistou as dos grandes centros; em contrapartida, não perdeu
os vícios das aldeias e acrescentou-lhes os das cidades.
Pombal tem revelado não possuir massa
crítica capaz de gerar a mudança, de sustentar projectos ambiciosos, sejam eles
culturais, sociais ou empresariais. As associações nascem fruto de meia dúzia
de vontades, normalmente com boas ideias; conseguem mesmo fazer “umas coisas”,
mas, com o decorrer do tempo, acabam por estiolar, morrer, ou arrastarem-se com
alguma, pouca, actividade, mercê de uns quantos carolas.
A imprensa local é também um pouco
resultado dessas circunstâncias.
Pode surgir alguém que mostre
interesse no lançamento de um jornal. Por norma, alguém com parcos
conhecimentos do sector, julgando que lançar e fazer um jornal é o mesmo que
comercializar um qualquer outro produto. Com os resultados que temos assistido…
Qualquer um, desde que disponha
de dinheiro, pode ser proprietário de uma farmácia. Só que, para que este
funcione, necessita de um licenciado em Farmácia. Com a imprensa, infelizmente,
tal não tem sucedido. Um fulano regista uma “empresa na hora”, regista um
título, contacta uma gráfica e põe um jornal na rua. As notícias vai busca-las
à net, aos comunicados das empresas, das câmaras municipais ou dos partidos;
pede a um ou outro amigo que lhe escreva uns textos a que chama pomposamente de
crónicas (às vezes num português
sofrível), junta uma fotos e os primeiros números estão garantidos.
É este ainda o retrato de alguma
imprensa no nosso país.
Faltam projectos com um mínimo de
rigor e profissionalismo, feitos por quem perceba da poda, com garantia de um
mínimo de independência.
E é aqui que chegamos, quando nos
questionamos se a imprensa em Pombal – já que é aqui que vivemos e era aqui que
gostaríamos de ter uma imprensa capaz! – “morreu” ou a “mataram”.
Estou dividido quanto a apontar
uma causa concreta. Na minha opinião, os jornais de Pombal acabaram pelas duas
razões, embora seja forçado a admitir que o último título “morreu por si”, por
culpas próprias.
O jornalismo de causas pode
prosperar durante um determinado período de tempo; depois, acaba por se
desacreditar. Indo a um caso concreto: O Correio de Pombal nasceu do idealismo
de alguém do sector, que pretendeu fazer um jornal a sério, empenhado, com uma
informação de algum modo independente. Faltou-lhe, à época, o necessário
suporte financeiro. Pombal e o seu meio empresarial não o acarinharam na altura
devida e o jornal acabou por soçobrar, levando a insolvência ao seu
proprietário. Passou por uma nova gerência (deslocalizada em relação a Pombal),
manteve-se com altos e baixos perante algum desinteresse do empresariado local.
Como do ponto de vista empresarial (o seu proprietário era, de facto, um gestor
de empresas!), se tratava de um projecto pouco interessante, acabou por ser
vendido a uma que, “da poda”, pouco entendia e que acabou por utilizar o jornal
como um projecto pessoal, para conquista do “poder”, empenhando-se fortemente
com uma candidatura autárquica. O Correio de Pombal deixava de ser um jornal
independente, de informação local/regional, passou a ser “jornal de causas”,
mas de “causas políticas”. Estava traçado o destino: a causa por que se batia o
jornal, num ambiente político adverso, não augurava nada de bom.
Com o decorrer do tempo, encetou
caminhos diversos, com avanços e recuos. Deixou de ser o jornal “do contra”,
passou a fazer o jogo dos interesses instalados. A pouco e pouco, deixou mesmo
de ser feito por jornalistas. No último ano da sua publicação, só com muito boa
vontade se poderá considerar O Correio de Pombal como jornal.
No caso de O Correio de Pombal,
não tenho grandes dúvidas, foi o jornal que morreu. Não o mataram, no sentido a
que normalmente nós, jornalistas, damos ao verbo (mataram). Isto é: morreu por
causas próprias e não por razões terceiras, normalmente tidas como pressões,
sejam do poder político ou económico.
Aos possíveis interessados em
ressuscitar um jornal em Pombal, permitam-me que lhes deixe um conselho: juntem
um grupo de pessoas disposto a perder dinheiro, arranjem pelo menos alguém
ligado aos jornais mas com algum traquejo, um ou outro jovem que queira
“aprender” a ser jornalista e, pesados todos os contras (que são muitos)
avancem com um projecto devidamente estruturado, com os pés assentes no chão.
Deixem os idealismos de parte.
Para que não fiquem dúvidas, faço já o meu acto de
contrição: não contem comigo, estou a ficar velho e descrente. O tempo dos
sonhos foi sendo perdido com o decorrer do tempo. E os tempos que vivemos
acabaram com a última réstia de fé que existia em mim!