O Príncipe, depois de
mais uma noite mal dormida, apresentou-se abespinhado no trono. Ao passar pela
donzela do serviço ordenou-lhe que chamasse o Pança; ao que a ela respondeu:
- O Pança está de
férias, Alteza.
- O Pança não tem
direito a férias. Mande-o vir, e rápido… - ordenou o Príncipe.
- Vou tentar, Alteza
– respondeu, com reservas, a donzela.
Mal se tinha sentado,
estava ainda a digerir as reservas da donzela, e já esta se apresentava à porta
para informar Sua Alteza que o Pança estava a banhos no Sul…
- Ligai-lhe, e passai-mo…-
ordenou o Príncipe.
- Assim farei, Alteza
– retorquiu a donzela.
Daí a pouco estava a
donzela a informar que tinha o Pança em linha. O Príncipe atendeu, e começou
inquirindo:
- Por onde andas
Pança? Porque vos ausentastes neste momento crítico?
Ao que o Pança
respondeu, seguro: - estou de férias, Alteza! Também mereço…
- Um escudeiro, fiel
e próximo, não tem direito a férias – deve estar sempre disponível para o seu
Amo. Fizeste de propósito, malandro? Perguntou o Príncipe em tom provocatório.
- Credo, Alteza! Não
sejais assim comigo... Eu dedico o dever, assim como a alma, primeiro a Deus,
depois a Vossa Alteza – afirmou, condoído, o Pança. E acrescentou: mas também
preciso de uns dias de bom-passadio com a família...
- Ausentastes-vos e deixastes-me
sozinho no período mais crítico – afirmou o Príncipe.
- É por pouco tempo,
Alteza – contrapôs o Pança. E o Senhor não está sozinho: tem a sua equipa, os
mandatários …
- Não me lembreis
coisas tristes… – afirmou o Príncipe - Perdi a confiança nos ministros, e eles
em mim; se alguma vez a houve…
- Não acredito... Tenho
lido - como é minha obrigação (mesmo em ócio) - os boatos que eles inventam ou reproduzem
no sítio subversivo, mas não os levei a sério. Aquilo é só para nos destabilizar.
Não valorize, Alteza; o povo está sereno e controlado – é muito fiel ao partido
do regime - …- contrapôs o Pança.
- Gostava de acreditar
no que me dizeis, Pança; mas não posso: estamos rodeados de inimigos...-
afirmou o Príncipe.
- Acreditai-me,
Majestade; as coisas estão controladas: a oposição está abafada, e o Inimigo
será posto na ordem no momento certo. Deixai-o aos cuidados do meu desprazer – contrapôs,
novamente, o Pança.
- Não digas sandices,
Pança. Como coisas estão, corro sérios riscos de ser derribado do poder por um velho tonto. Dize-me, Pança: haverá maior humilhação...? – perguntou, afirmando,
o Príncipe.
- Não gosto nada de o
ver tão inseguro…. É mau presságio…- referiu o Pança
- É a realidade,
Pança: os inimigos estão no nosso seio. O que designas por Inimigo é só adversário,
e previsível…- afirmou o Príncipe. E continuou: - preciso de ti, aqui, no
terreno…Há muito trabalho sujo para fazer, e para esse tipo de trabalho não se
encontra facilmente quem o saiba ou o aceite fazer.
- Esta fase é de formalidades…E
o Senhor está muito bem apoiado por dois correligionários doutos em leis –
afirmou o Pança.
- Enganas-te, Pança:
o da propaganda já saltou fora; e no Trincaferros não posso confiar…
- O Senhor não confia
em ninguém…Como é que quer que as pessoas confiem em si? – perguntou,
afirmando, o Pança.
- Já falaste demais,
Pança; e estais no mesmo registo dos outros… Entupíeis-me os ouvidos com
palavras que de todo me são insuportáveis. Mas devíeis saber – se não o sabes,
já - que te despacho mais facilmente do que aos outros. Faço-te voltar para
Contador-de-notas - se eles lá te aceitarem -, e acabo-te com a vida boa …-
ameaçou o Príncipe.
- Fazei o que entenderdes,
Senhor; já estou, também, por tudo…Esta vida de escudeiro é muito desgraçada e
pouco agradecida. E com um amo como o Senhor já vi que nunca chegarei a
cavaleiro. O que eu quero mesmo é tornar-me governador do meu condado e
fazer-me cavaleiro – concluiu o Pança.
Miguel Saavedra