O Príncipe adiou a
partida para o Retiro Espiritual para poder mostrar publicamente que a
tradicional fortaleza inimiga, esmagada na última contenda, está dominada e
assimilada. Depois, mandou chamar o Pança para lhe passar as
incumbências a cumprir durante o seu retiro espiritual, onde irá aprender os
ensinamentos de S. Josemaria Escrivá: santificar o trabalho e a vida
quotidiana; praticar a caridade, a humildade, a justiça e a paciência; cultivar
a oração e a penitência; respeitar as opiniões alheias; ter uma família
numerosa; não “ter uma vida dupla”; obedecer ou ir-se embora; aprender a
dissimular ou a mentir.
Depois de uns dias de
ausência, o Pança apresentou-se no trono folgado e desejoso de mostrar serviço
nas artes de mandar. Começou o Príncipe:
- Como sabeis, Pança,
partirei na próxima semana para o Retiro Espiritual, onde espero reencontrar
a Graça de Deus e ser por Ele iluminado para cumprir a minha missão na terra e os
altos desígnios a que me propus.
- Que nesse local
sagrado, as estrelas fortifiquem a vossa divindade divinamente, os profetas do
Senhor vos abençoai e vos faça merecedor do merecimento que merece a vossa
grandeza, e, dessa forma, a nós também – desejou o Pança. E acrescentou: -
muito gostaria de participar nesses encontros; e agora, que já me fiz
governador de um condado, bem poderia Vossa Mercê meter uma cunha por mim.
- Parece que não
aprendes, Pança; já te disse que estes encontros não são para gente da linhagem
dos Panças.
- Não se exalte,
Alteza. Era só para testar a sua bondade.
- Sois ingrato,
Pança; bondade contigo é o que não me tem faltado…
- Desculpai-me,
Alteza; eu cá não sou desagradecido, estou sempre às ordens de Vossa Alteza, a
quem me liga minha obediência, para sempre, por laços comungais.
- Estais preparado
para assumirdes a governação, na minha ausência?
- Não sou diplomado
com o Senhor, ou o “Nanito”, mas tenho a escola da vida: aprendi com Vossa
Mercê as praxes da cortesia e a saber usar a cenoura e o chicote; já sei pedir
um favor, mas prefiro ordená-lo; já sei escolher o caminho mais curto, ou como
chegar lá por desvios; e, se algo me escapa, uma vez sabido, sei como remediá-lo.
- Já sabeis bastante
da arte de mandar, Pança; mas falta-te descrição e astúcia para não pareceres
um fanfarrão que só diz pilhérias; modera vaidade, a ambição e a inerente
maldade.
- Cada qual é como
Deus o fez. Mas não há só uma forma de tocar os burros; para mim, isso, hoje, é
como comer e beber; e já aprendi que o porco que mais come é o mais calado. Ficai
descansado: quem corre por gosto não cansa - é realmente agradável mandar e ser
obedecido - não receie Vossa Mercê, meu Amo, que eu me desmande - afiançou o
Pança.
- Assim espero, Pança. Mas
árdua tarefa te deixo: tereis que meter os ministros e alguns dirigentes a
trabalhar. No terreno não aparece nada feito. Os ministros aparecem-me nas
reuniões de cabeça despida, boca aberta, sem dizerem palavra. Uma desligou;
outra ainda não ligou (continua em tirocínio); as obras não andam ou andam
tortas; o Jota não faz e o pajem ajuda-o.
- Ficai descansado,
Senhor meu.
- Não poderei ficar,
Pança; porque conheço-os bem: dizem sim a tudo, mas depois…
- Deixai-os aos
cuidados do meu desprazer, Alteza. Saberei amarrá-los ao nosso despotismo; sei bem que a
via da imposição e da autoridade é mais segura que a da astúcia.
- Não vos esqueçais
de apertar com o Jota&pajem: quero a floresta limpa até ao final do mês - reforçou o Príncipe.
- Com a limpeza
atempada da floresta não me posso comprometer, Alteza. O ministro Jota só pensa
na jota (há eleições, agora - anda sempre em eleições), e o pajem, coitado, parece
sofrer de manqueira.
- A lei tem que ser
cumprida, Pança; se ele não fizer, faze tu – ordenou o Príncipe.
- Fazer, fazia; mas
falta-me tempo…Má altura: tenho que me desdobrar por aqui e pelo meu condado,
onde estou a organizar o Festival das Favas.
- Fazei como
entenderdes; se a floresta não for limpa a tempo, alguém vai ficar com a fava.
Ai vai, vai.
Miguel Saavedra