Hum! Hum! – pigarreou o Pança, quando recebeu o estranho decreto assinado p`los opositores. “Co`os diabos!” Soltou ele, para os seus entretidos tarefeiros, como se se sentisse culpado diante de citação de tão ruim presságio. Depois, exclamou para quem o quis ouvir, como se o seu Amo ali estivesse: “Real senhor, Deus o proteja destes fariseus”.
Com o semblante acabrunhado, dirigiu-se à doutora de leis, a nova cúmplice do Príncipe, para perceber o alcance da investida. Os corvos, já pousados no telhado do convento, ao sentiram os seus passos pesados, começaram a crocitar anunciando desgraça. Entrou apreensivo no poiso da doutora de leis, mas saiu de lá com os miolos ainda mais enturvados. Não queria acreditar no que tinha ouvido, mas percebia que abalo era forte.
Hesitou interromper o repouso do Amo. Mas soube fazê-lo com o dramatismo que o momento merecia:
- Desculpai-me o incómodo, Alteza; mas tenho má novidade a dar-vos...
- Dize-me, dize-me, Pança; que agora só me fazeis maus anúncios…
- A armadilha está armada, e bem armada. Entrou decreto, assinado p`los falsos conselheiros, que ata Vossa Mercê de pés e mãos.
- Safados…
- Que será de nós, Senhor Meu Amo, rodeados de cobras venenosas por todos os lados, com Vossa Mercê enjaulado, e a Justiça à perna?
- Não necessito de lágrimas, Pança, mas de sangue… - lembrou o Príncipe. E acrescentou: - Reuni as tropas, e colocai-as em prontidão de combate.
- Às suas ordens, Alteza – retorquiu o Pança, sem o ânimo que sempre evidenciara quando era preciso sujar as mãos.
Estava desolado; tinha percebido, finalmente, que a ameaça era forte, e as desgraças corriam tanto e tão depressa, que se enleivavam no encalço umas das outras. Intrigava-o que a tropa fandanga se tivesse conseguido juntar, e reunido tino para tirar tal coelho da cartola.
Perguntava-se, e voltava a perguntar, mas não sabia responder: “como é que o feitiço se tinha virado contra o feiticeiro?”; “como é que o seu Amo, Príncipe mui douto e temido, se tinha deixado cair nas suas armadilhas? O que seria dele, agora, com o seu Amo enjaulado e sem os reforços para o fundo de maneio?"
Mas, no fundo, reconhecia que não era preciso buscar a explicação num oráculo para tamanho e tão eminente malogro. A prática já lhe tinha mostrado que o mal reforça a acção mal começada, que o odioso gera odioso, e que os conselhos sempre chegam retardados se se acham desacordes à nossa vontade.
Pensava para si e consigo, “Ai, meu Amo, meu Amo, acabou-se o fadário! Ah! Fostes tão poderoso, e tão temido; mas, se Deus Nosso Senhor vos não valer, ides acabar tão promissor reinado manietado, sem poder. E que será de mim, da minha sorte e do meu destino, nas mãos destes traidores? Só poderei contar com o cura Vaz, para me limpar os pecados da alma, e com a protecção da N.ª Senhora do Cardal, minha devota Santa. Amém.”
Miguel Saavedra