No passado dia 7 de Novembro, no Café-Concerto, o Farpas promoveu o debate “Ensino Superior em Pombal: sim ou não?”. A defesa do sim esteve a cargo de Ricardo Vieira (os seus argumentos podem ser vistos aqui). Eu defendo que a instalação de uma escola de ensino superior em Pombal não é, de maneira nenhuma, uma prioridade para o desenvolvimento do nosso concelho. Passo a explicar.
No final do século XX, o ensino superior em Portugal registou um período de enorme expansão. Entre 1990 e 2020, o número de alunos a frequentar o ensino superior público aumentou 137%, sendo que nos institutos politécnicos a percentagem foi ainda maior: 276%. Como era previsível, o crescimento abrandou substancialmente nos anos seguintes e, durante as primeiras duas décadas do século XXI, o número de alunos a estudar nas nossas universidades e politécnicos praticamente estabilizou.
As instituições do ensino superior perceberam rapidamente que tinham que inverter a política expansionista que vinham a praticar. No final da primeira década do século XXI, a tónica do seu discurso e o enfoque dos seus planos estratégicos passou a incidir na consolidação da rede existente e na melhoria da qualidade do ensino e da investigação praticados. A sistemática diminuição do número de alunos a frequentar o básico e secundário, aliada ao forte desinvestimento do estado no ensino superior público, obrigou as instituições a uma lógica de sobrevivência de curto prazo, baseada na procura de receitas próprias, nas propinas dos alunos e na prestação de serviços diversos. Muitas optaram por criar cursos a granel, de péssima qualidade, captando alunos com fraquíssimas competências académicas. As mais dinâmicas, também criaram centros de desenvolvimento tecnológico com vista a captar dinheiro das empresas e, sobretudo, de projetos europeus.
Com a criação dos Cursos de Especialização Tecnológica (CET) e, posteriormente, dos Cursos Técnicos Superiores Profissionais (CTeSP), cujo interesse, em teoria, reconheço, os institutos politécnicos descobriram uma forma fácil e barata de captar alunos e de os fidelizar às suas licenciaturas, sobretudo aquelas que vinham a perder atractividade. Para isso, contaram com dois aliados de peso. Por um lado, o governo, que encontrou uma forma de se vangloriar do cumprimento das metas de jovens a estudar no ensino superior sem que, para isso, faça um grande investimento. Por outro, a vaidade bacoca de muitos autarcas, que estão dispostos a pagar para ter uma chafarica na sua terra onde possam colocar uma placa a com o seu nome por baixo de uma referência ao ensino superior. No meio disto tudo, os alunos vão sendo enganados com discursos redondos e promessas de uma formação de qualidade que nunca vão ter.
É precisamente isso que escolhemos para Pombal. O protocolo de cooperação entre o Instituto Politécnico de Leiria (IPL) e o Município de Pombal conduziu à criação de um Núcleo de Formação para ministrar seis cursos TeSP, que são ofertas formativas não conferentes de grau académico, cuja conclusão, com aproveitamento, conduz à atribuição do diploma de técnico superior profissional. Mas será isto o que realmente queremos para Pombal?
Numa entrevista recente, Pedro Pimpão disse estar convicto de que Pombal virá a ser “um pólo diferenciador de inovação ao nível do conhecimento”. Este discurso vazio, muito ao gosto do nosso edil, apenas deixa transparecer que o é apregoado não tem qualquer relação com o que existe na realidade.
Os seus antecessores, apesar de tudo, eram mais esclarecidos. Narciso Mota, quando estava bem-disposto, defendia para Pombal uma Escola de Superior de Ciências Agrárias e Florestais, baseando a sua argumentação num estudo da autoria do Centro de Estudos Inovação e Dinâmicas Empresariais e Territoriais do Departamento de Ambiente e Ordenamento da Universidade de Aveiro, de Abril de 2000 (ver aqui). A criação dessa escola era também defendida pelo IPL, tendo a proposta chegado à Assembleia da República, a 29 de Abril de 2000, pela voz das deputadas Ofélia Moleiro (do PSD) e Celeste Cardona (do CDS-PP). A verdade é que a escola nunca chegou a ver a luz do dia. O IPL deixou cair a ideia e, em 2007, admitiu de redefinir “as competências centrais de cada uma das suas Escolas para nelas incluir novas ofertas formativas de que a região e o país comprovadamente careciam, em vez de criar novas unidades orgânicas. (...) da mesma forma que os cursos da “Escola Superior de Ciências Agrárias e Florestais”, de Pombal, foram incluídos na Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar de Peniche”. Foi o ponto final do IPL nesta discussão.
Mas Pombal nunca deixou de sonhar e os autarcas locais continuaram iludidos e a iludir os pombalenses. A sua obsessão pelo ensino superior, a sua incapacidade para pensar fora desse espartilho, fez com que Pombal passasse totalmente ao lado da dinâmica dos Laboratórios Colaborativos, onde muitas instituições de ensino superior, empresas e autarquias viram uma possibilidade de colaborar e gerar o tal “polo diferenciador de inovação ao nível do conhecimento”. Em 2018, onze anos depois do IPL ter desistido da ideia, Diogo Mateus afirmou que tinha a “intenção política” de “desenvolver um novo estudo para a criação da Escola Superior de Ciências Agroindustriais e Florestais no concelho” e que a criação dessa escola vinha no seguimento de “um trabalho alargado” em Pombal, com “mais de uma década”, que propunha a olhar para a importância da floresta. Não sei se é este o projecto diferenciador de Pedro Pimpão (nem ele sabe, coitado) mas, segundo Diogo Mateus, esse seria “um projecto moderno, versátil, aberto a alunos de todo o mundo, exigente, jovem, ambicioso e com uma participação activa das empresas e dos investidores agroindustriais e florestais, da madeira, resina e investigação”. Devia ter em mente o curso TeSP em Inovação e Tecnologia Alimentar que captou para Pombal três anos depois.
Aqui temos que ser rigorosos. O estudo elaborado pela Universidade de Aveiro previa, para a viabilidade da Escola de Superior de Ciências Agrárias e Florestais, um número de 1600 alunos, 900 dos quais seriam de fora da nossa região. Olhando para a situação atual, onde na primeira fase do concurso de acesso ao ensino superior ficaram por ocupar 608 vagas em cursos relacionados com as ciências agrárias e alimentares, pergunto, tal como fez o Secretário de Estado José Reis no debate parlamentar de Abril de 2000: não será um excesso de optimismo imaginar que, com a oferta que temos, numa rede suficientemente desequilibrada e dispersa pelo país, existirá uma multidão de 900 estudantes a dirigirem-se para Pombal? A resposta é óbvia!
Termino da mesma forma que o fiz aqui, em 2021. Pombal é um concelho muito empreendedor, mas a sua vocação não é o ensino superior. Para além disso, os recursos não são ilimitados e, como tal, há que perceber quais as nossas potencialidades e estabelecer prioridades. O dinheiro que se gasta com este capricho dos TeSP poderia servir para a criação de uma incubadora de empresas de base tecnológica, de um cluster de indústrias criativas - etc, ideias não faltam -, que aproveitasse a proximidade com o Politécnico de Leiria, por um lado, e com a Universidade de Coimbra, por outro. Aí sim, estaríamos a potenciar a criatividade dos nossos jovens e poderíamos dizer que Pombal promove a criação de emprego científico. Caso contrário, são fake news.