Calou-se ontem uma das vozes mais incómodas do jornalismo em Portugal, da liberdade de expressão. Da Liberdade. Oscar Mascarenhas morreu, de ataque cardíaco, aos 65 anos. Deixou muito de si à imprensa portuguesa e um bocadinho também ao Farpas, quando, em Janeiro de 2014, fez o favor de me esclarecer a propósito
disto.
Na edição de hoje do DN, o camarada (de sempre) Ferreira Fernandes escreve-lha uma doída homenagem, que vale a pena replicar aqui - afinal, o Oscar travou uma luta contra os anónimos e deles dizia muito do que penso, também: escrever é dar a cara. Por isso mesmo, aqui fica
a crónica, para memória futura.
Doeu, mas está tão bem escrito...
Um dia, ele contou-me que o pai, médico, recebera uma carta, que abriu, levou os olhos ao fim do texto e, não tendo encontrado assinatura, rasgou-a e deitou ao lixo. "Uma carta anónima não se lê", ensinou o pai a Oscar Mascarenhas, ensinou-me ele em conversa, como ensinou a muitos, nas redações dos jornais e nas escolas. O Oscar era altivo a falar e quem nisso só visse arrogância perdeu, talvez, boas lições. Perdi algumas, mas aquela, não. A carta anónima não foi mero episódio, era a convicção duma vida: escrever é dar a cara. Aqui, no DN, Oscar Mascarenhas liderou um combate contra a irresponsabilidade (passe o pleonasmo) dos comentários anónimos no online. E não era ver o argueiro nos olhos dos outros: não conheço jornalista português que mais tivesse criticado os seus próprios camaradas. Criticava por amar demasiado o que fazia: "Digam-me uma só profissão que se autocritique em público tanto como a nossa!", desafiava. Um risco, porque ele viveu estes anos em que o jornalismo tarda em renascer. Ele conhecia esse desânimo, o que, por vezes, o levava a usar como arma de espadeirada o florete com que esgrimia a língua portuguesa. Era um polemista temível - de quem o fustigado, se conseguisse ser justo depois de tamanha coça, deveria dizer: "Doeu, mas está tão bem escrito..." Disse-me, ontem, de longe, uma pessoa querida: "Ele deu-me o CD da verdadeira música da pesada quando eu só pensava em rock. Era Wagner."