No período entre a
missa matinal e o almoço domingueiro, a Princesa e o Príncipe tiveram,
finalmente, a conversa que vinha sendo adiada sobre a sua pouco firme situação.
A Princesa começou
por descrever o ambiente que se vive no reino, comparando-o ao que se viveu na época
mais gloriosa da alta Roma, pouco antes de cair o grande Júlio:
- Conta-se que saíram
dos sepulcros os cadáveres em seus lençóis, gemendo pelas ruas. Depois,
chuviscou sangue e apareceram manchas no Sol”. E concluiu: - Idênticos sinais
de cruéis eventos, percursores de agouros eminentes, andam no ar. Estamos no
meio de uma borrasca que pode dar em guerra fratricida. Tremeram-lhe os lábios
ao expressar tão ruim presságio, e rematou: - se Deus com sua infinita
misericórdia nos não socorre, estamos perdidos.
- Bem sabeis que a vida
dos príncipes está sujeita a mil perigos e desventuras, mas, com coragem,
habilidade e a bênção do Senhor, havemos de vencer – sentenciou o Príncipe.
- Já estive mais
segura, Alteza – retorquiu a Princesa. O Inimigo bajula muito o povinho, de uma
forma que parece mergulhar-lhes no peito. E o povinho desta terra serve apenas
para luz emprestar a criatura tão pífia, que tem mais de bruto que de pessoa ajuizada.
- Não me alegra vê-la
tão desesperançada! Ficai serena e confiai em mim – asseverou o Príncipe. E
continuou: - O partido sabe arregimentar os apoios necessários – vede como o
beato Ilídio o a sua amanuense o fizeram recentemente, com o passeio dos idosos
e o respectivo comprometimento. E eu, do trono, estou determinado, com o apoio
do meu fiel escudeiro, a tudo fazer para seduzir os seduzíveis.
- Desculpai-me a
sinceridade nefasta: se, contra tanta adversidade, Vos apoiais só no partido e
no Pança, estais perdido. Há muito que andais rodeado de zombadores e amigos de
cochichos - gente licenciosa e sem princípios - que faz jogo duplo – afirmou a
Princesa.
- Mas preciso deles
para este combate mata-mata – disse o Príncipe.
- Devíeis apoiar-vos
mais no povo… ficar mais próximo dele. O que vos aproveita ir para Marrocos com
a Marquesa, em passeio? – Perguntou a Princesa. E deu a resposta: - Em Marrocos
não há votantes, e a cruz da Marquesa há muito que está conquistada.
- Estais mal-humorada…-
disse o Príncipe.
- Estou é a ver a
nossa vida a andar para trás - afirmou a Princesa. E acrescentou: - É altura de
pensarmos em nós mesmos e nas nossas crianças.
- E o que propõe,
Você? – Perguntou o Príncipe.
- Para começar, tiramos
as crianças desta terra (das escolas desta terra). Bem sei que Você tem tentado,
com o tal EPIS, melhorar as coisas. Mas nada mudou – o povo não muda. Logo, não
podemos deixar as meninas, educadas com tanta "finesse", misturadas, muito mais tempo, com os garotos dos bairros
sociais e do campo, expostas à ordinarice, aos piolhos e às carraças.
- Concordo…- anuiu o Príncipe.
E acrescentou: - o que não nos falta é problemas com as escolas…
- As escolas desta
terra não têm regras, dirigentes à altura e educadores capazes. O rapaz vai
para a capital e as meninas têm que ir para o Colégio Conciliar da Maria Imaculada,
que lhes proporciona educação distinta e o acompanhamento cuidado das irmãs. Eu
farei com gosto o esforço diário das viagens de ida e vota. Depois, se as
coisas correrem mal dia 1 de Outubro abandonamos esta piolheira – rematou a Princesa.
Miguel Saavedra