25 de novembro de 2016

Em 1961 nascia-se assim…

No meu país, quando eu nasci, a mortalidade infantil era 88,9, a taxa de analfabetismo era 33%, o rendimento per capita a preços constantes era 3463 €, e a maioria das estradas, fora das grandes cidades, eram de terra-batida e a maioria das habitações não tinham casa de banho.
No lugar onde nasci, a taxa de mortalidade infantil e de analfabetismo era mais do dobro da média nacional, as estradas serviam unicamente para a circulação de carros-de-bois e de local para moer o mato mais rijo, que era depois recolhido no final da primavera para amanhar as terras.
No lugar onde nasci, ninguém tinha casa de banho e pouquíssimas famílias tinham automóvel, não havia luz eléctrica (só lá chegou em 1980!), nem água canalizada (só lá chegou na década de 90!), nem telefone, nem, nem, nem...
No final do dia 25 de Novembro de 1961 chovia a cântaros no lugar onde nasci, e quando a noite já tinha pousado, uma mulher de 28 anos, grávida de nove meses, recém-casada, vivia sozinha porque o marido tinha emigrado a salto, sentiu o rebentar das águas, fez-se ao carreiro que ligava a sua casa à da mãe, para a alertar. Como não existia, por ali, nenhuma parteira afamada, a mulher tinha que ser transportada para o hospital. O pai vestiu o capote, pegou no guarda-chuva e calcorreou 2 Km, à chuva, para pedir à pessoa mais próxima com automóvel – o professor primário da terra – que lhe socorresse a filha.
O “carocha” conseguiu chegar a casa da mulher parturiente; carregou-a (e a criança que já espreitava o mundo a negro) e arrancou; mas parou após andar 500 metros, atolado na alta camada de mato moído, encharcado por forte bátega de água, e não se movia. Enquanto a mulher sofria dentro do “carocha”, o pai congeminava forma de mover o “carocha”. Voltou a casa, tirou as vacas do curral, emparelhou-as, trouxe-as para junto do carocha, coloco-as à frente dele, atou-as a ele; picou as vacas e rebocou o “carocha até à estrada de terra-batida que liga o lugar à sede do concelho e a concelhos limítrofes.
O resto da história tem pouco mais que contar: o carro chegou a Pombal e daí a maternidade, em Coimbra; a mulher sobreviveu e a criança também. A mulher já cá não está; mas está cá a tal criança, para recordar a história, e o motorista para a testemunhar.
Por que somos de onde nascemos.

4 comentários:

  1. Sr. Malho bonita história que era a realidade do nosso País. Peço-lhe que corrija a percentagem da mortalidade infantil, julgo que se enganou. Diz ser de 88,9 % ou será que quer dizer 88,9 por mil habitantes? também julgo que é pouco para aquela época!

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  2. Obrigado pelo seu comentário. A taxa de mortalidade infantil está correcta (segundo a Pordata), por que é a taxa de crianças que morrem no 1.º ano de vida por 1000 nascimentos (conceito da OMS).

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    1. Então a taxa da mortalidade infantil era de 88,9 por mil habitantes, obrigado

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    2. ... o símbolo correcto seria ‰ (alt+5).

      Obrigado, JOSE DO TRASSO, o Farpas precisa sempre de leitores atentos.

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