28 de janeiro de 2021

Auschwitz

Porque ontem foi dia internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. 


Tinha 23 anos quando cheguei a Cracóvia para uma visita. 


Hoje acho que a sorte bafeja-nos o destino para que não passemos pela vida com falta de experiências para uma vida toda. 


Era a viagem que punha um ponto final a quase dois anos na Alemanha, que tinha também ditado a minha interrupção do curso de Economia. Por isso tinha que ser mítica.


O motivo principal da paragem em Cracóvia significou, na altura, falta de planeamento ou sequer uma pesquisa sobre as atrações turísticas da cidade. 


Na segunda-feira levantei-me de manhã e percorri a praça do mercado. Lembro-me da presença de imagens e estátuas de Karol Wojtyla por todo o lado. Afinal foi ali que andou no seminário. E eis que vejo a paragem de autocarros para os sítios turísticos. Foi na noite anterior que me falaram que estava perto dos campos de concentração. Não estava minimamente preparado para o que ia ver nesse dia.


Fiz a visita sozinho, senti-me um peregrino  que expia os seus pecados. 


É impossível não nos sentirmos culpados do pecado da humanidade, da qual fazemos parte e estamos intrinsecamente ligados. É impossível não chorar. Levar um pontapé no peito quando respiramos aquele lugar. É preciso parar, muitas vezes, para reflectir e digerir as monstruosidades que nós fizemos a outros como nós. Como fomos capazes de deixar que o ódio por outros, iguais a nós, inebriasse perdidamente a réstia de empatia nos nossos corações. 


Demorei o dia inteiro... não consegui comer. Bebi apenas a garrafa de água que levei. Sentei-me em várias pedras. Fiquei mais de uma hora no pátio junto à parede onde fuzilaram milhares, mesmo ao lado do edifício onde fizeram os testes humanos. Levei os dedos aos buracos de balas na parede, fim da linha do trajecto que tinha trespassado alguém como eu. Passei pelos fornos semi destruídos.


Não falei nesse dia.


Despedi-me com os olhos da frase “Arbeit macht Frei” em ferro.


É preciso não esquecer.


Foto: Czesława Kwoka, menina, 14 anos (foto original a preto e branco colorida por Marina Amaral)



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